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12 novembro 2019

"A Odisseia dos Tontos": para rir, se emocionar, torcer, mas, principalmente, para ir à forra e lavar a alma

Um grupo de moradores argentinos começa a se organizar para criar uma cooperativa e sair do atoleiro (Foto: Alfa Pictures/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


É quase que imediata a identificação do público com os personagens de "A Odisseia dos Tontos", filme argentino em cartaz em Belo Horizonte e representante dos hermanos no Oscar de 2020. Algum traço dessa comédia dramática, dessa aventura maluca, faz com que, rapidinho, o espectador brasileiro se identifique e se coloque entre aqueles tontos, aquele bando de trabalhadores cumpridores dos seus deveres e pagadores de impostos, cuja honestidade e esforços nem sempre são reconhecidos pelos engravatados donos do poder.

A história se passa em 2001, numa pequena vila da Província de Buenos Aires. O momento é de crise econômica, mas um verdadeiro tonto sempre acredita que tudo pode melhorar. Capitaneados pelo casal Fermín Perlassi e Lídia Perlassi (Ricardo Darín e Veronica Llinás), um grupo de moradores começa a se organizar para criar uma cooperativa e sair do atoleiro. A ideia é reformar os velhos silos abandonados e, a partir daí, processar e armazenar grãos. De porta em porta, Fermin e Lídia vão angariando apoios e alguns trocados para dar vida ao sonho de melhorar a vida do lugar. Mais conhecido por ter sido um jogador de futebol com alguma importância, Fermin vai à frente, tornando-se uma espécie de líder.


Aos poucos, juntam-se a eles, sempre depois de muitas perguntas e explicações, outros tontos tão desiludidos e sem rumo como o casal: o velho Antonio Fontana (numa brilhante atuação de Luis Brandoni), Belaúnde (Daniel Aráoz), Rodrigo Perlassi (Chino Darín, filho de Ricardo Darín), e a empresária Carmem Largio (Rita Cortese) entre outros. Em comum, a esperança de dias melhores. Um parêntese para destacar a interpretação de Brandoni, que já havia mostrado seu talento como o artista plástico Renzo Nervi no excelente "Minha Obra-prima", de 2018, também argentino.


Fica claro, assim que o grupo consegue, a duras penas, reunir pouco mais de 150 mil dólares, que trata-sede gente, em sua maioria, com pouca ou nenhuma instrução. E é essa espécie de singeleza, de ingenuidade, que cativa o público que começa a torcer veementemente para os tontos assim que o dinheiro deles, depositado num banco, é roubado por Fortunato Manzi (Andrés Parra) um advogado inescrupuloso que agiu em parceria com o gerente da instituição. Lá, como cá, as tais informações privilegiadas funcionaram e enriqueceram pessoas próximas do poder. No Brasil, durante o confisco do governo Collor, no início de 1990. Na Argentina, no chamado "Corralito", em 2001.


Embora pareça comédia, embora pareça aventura, "A Odisseia dos Tontos" prende e emociona. Por mérito do diretor Sebastián Borensztein há um suspense de tirar o fôlego nas cenas de organização e execução do plano que pretende recuperar o dinheiro roubado do grupo. Há momentos também de muito riso e trapalhadas, claro, já que aqueles homens e mulheres não são exatamente especialistas nem experientes em nada. Por outro lado, Fortunato Manzi, o advogado vilão, carrega as tintas na caricatura e ajuda a aumentar as risadas.


Nesses tempos de vacas magras, crise, corrupção e injustiças, tanto no Brasil quanto na Argentina, não é difícil entender o sucesso do filme. Lá, ele já é o longa mais visto do ano. De certa forma, "A Odisseia dos Tontos" vai à revanche por todos os injustiçados e desprotegidos. Vinga. Lava a nossa alma. 

Confira também a crítica para o blog @cinemanoescurinho da nossa colaboradora Carol Cassese - "A Odisseia dos Tontos" - A 'tolice' como forma de resistênciaA produção pode e vale ser conferida nas salas 1 do Belas, sessões às 14 e 19 horas; 2 do Diamond, às 13 horas, e 2 do Net Cineart Ponteio, às 16h15 e 21 horas.
Duração: 1h56
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Classificação: 10 anos


Tags: #AOdisseiaDosTontos, #RicardoDarín, #Argentina, #Oscar2020, #SebastiánBorensztein, #AlfaPictures, #WarnerBrosPictures, #comedia, #drama, #aventura, @cinemanoescurinho, @cinemanoescurinho

31 outubro 2019

"A Odisseia dos Tontos" - A 'tolice' como forma de resistência"


Pacatos moradores de uma cidade argentina se unem para recuperar o dinheiro roubado de suas contas (Fotos: Alfa Pictures/Divulgação)

Carol Cassese


Fãs do cinema que vai além do entretenimento só têm a agradecer à parceria firmada entre Ricardo Darín e Sebastián Borensztein. Dela já resultaram filmes memoráveis, como "Um Conto Chinês" (2011) e "Kóblic" (2016). Um terceiro título ao qual vale muito assistir entra em cartaz nesta quinta-feira (31), na cidade: trata-se de "A Odisseia dos Tontos" ("La Odisea de los Giles"), na qual o hoje rosto mais conhecido do cinema argentino contracena com seu filho, Chino Darín ("Uma Noite de 12 Anos") - e, sim, repetindo o laço familiar da vida real.

Como em "Kóblic", "A Odisseia dos Tontos" parte de um episódio real e traumático da história argentina para, na sequência, alçar voo rumo a outras direções - ainda que essas não se descolem totalmente do substrato original. Se na produção de 2016 o ponto de partida eram os chamados "voos da morte", prática inominável registrada durante o regime militar naquele país, aqui, o start é dado por um evento menos. Digamos horrorizante, mas igualmente avassalador: o "corralito", ou o confisco da poupança ocorrido no dia 3 de dezembro de 2001, quando quase US$ 70 bilhões em depósitos de poupadores foram congelados nos bancos. Os brasileiros já tinham vivido pesadelo similar em 1990, quando o governo do então presidente Fernando Collor de Melo confiscou a poupança de milhões de pessoas. 


No caso, Darín é Fermín Perlassi, um ex-jogador e hoje pacato cidadão que resolve formar uma cooperativa de grãos em um lugar abandonado. Os moradores da região são tipos modestos, de poucos recursos, de modo que o arrecadado nem de longe chega ao valor pedido pelo proprietário - mesmo com o desconto que esse resolve dar diante do entusiasmo de estar negociando com um ex-jogador regional de relativo êxito. A eles, soma-se uma senhora de relativas posses, sempre em conflito com o filho. 

Com a evidência de que terão de pedir um empréstimo para chegar ao total, Fermín deposita o que arrebanhou no cofre de uma instituição. Certo dia, o gerente o aconselha a passar esse dinheiro para pesos e depositá-lo na conta particular de Fermín, para que, ao ter o pedido de empréstimo analisado, a central enxergue ali, no saldo do solicitante, uma espécie de lastro para a concessão. 


O ex-jogador titubeia, pois, dentro do espectro do homem de bem, de um ser honesto - o tolo do título -, o certo seria, claro, consultar previamente os outros. Mediante a pressão do gerente, porém, ele acaba cedendo e transfere a "plata" para a sua conta - afinal, ok, seria uma estratégia para o bem comum... Bem, no outro dia, a Argentina amanhece sob o impacto do corralito. O dinheiro do grupo foi confiscado, e não há maneira mais traumática de os demais cooperados saberem da decisão que Fermín havia tomado horas antes.

A coisa não termina aqui. O caixa do banco que acompanhou a operação de transferência do dinheiro dos cooperados para a conta corrente de Fermín acaba confessando que o gerente sabia de antemão do iminente confisco, e teria propositadamente saqueado o dinheiro dos poupadores antes do anúncio oficial do governo, investindo-o em dólares. 


E como tragédia pouca é bobagem, um acidente de carro aniquila ainda mais o personagem, que passa a viver recluso em casa, a qual agora abriga também o filho - esse, diante da crise econômica, abandona os estudos para ficar atuando nos sinais de trânsito, tentando angariar alguns pesos limpando para-brisas. Um belo dia, o grupo recebe uma informação preciosa. Um dos envolvidos no golpe contratou um morador local para abrir um grande buraco numa zona erma vizinha, escondida por árvores, e em meio a uma pastagem. 

Sabiamente, acabam deduzindo que ele, na verdade, escondeu, ali, um cofre, onde estaria a fortuna desonestamente amealhada. A explicação é por demais óbvia: deixar o dinheiro longe do alcance das autoridades. Para proteger o local de visitantes indesejados, o golpista arma-se de um quase intransponível esquema de alarmes. Bem, dissemos quase. 

Munidos de muita sagacidade, o grupo entra em campo na tal odisseia (mais uma vez, do título) que tenta provar que a união faz toda a diferença... Até entre os considerados tolos pela sociedade capitalista selvagem que só visa o lucro, obtido a qualquer preço. E aí, o filme deixa o viés político principal para incorrer no território do suspense e da aventura. Com boas pitadas de comédia. Conseguirão os componentes do grupo burlar todo o engenhoso esquema e recuperar o dinheiro? 

Mas, que fique claro, se o fato "corralito" deixa de ser o mote principal, o viés social (que, claro, nunca deixa de estar atrelado ao político) segue ali, onipresente. E acrescido de outras abordagens interessantes, como a da relação mãe e filho focada. Para dar ritmo à ação, o filme perpassa vários gêneros musicais - da ópera da cena de início ao rock, passando pela valsa, numa trilha interessantíssima e marcante. A câmera também se mostra ágil e com excelentes sacadas de efeitos e edição... Combinando tudo isso a boas atuações e diálogos inteligentes, o resultado não poderia ser outro senão um filme para enternecer, torcer, vibrar, remexer na cadeira. Um filme para todos os tolos (no excelente sentido) do mundo.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Sebastián Borensztein
Produção: Alfa Pictures
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Duração: 1h56
Gêneros: Drama / Comédia / Aventura
Países: Argentina / Espanha
Classificação: 10 anos

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