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19 janeiro 2022

Cruel e real, "Pureza" retrata o Brasil invisível onde a abolição da escravatura ainda não chegou

Dira Paes tem interpretação impecável da mulher forte que lutou para encontrar o filho desaparecido (Fotos: Divulgação)


Maristela Bretas


Não bastasse ser um filme sobre uma das maiores chagas do país, o trabalho análogo à escravidão, "Pureza", do diretor Ricardo Barbieri, conseguiu reunir vários outros pontos positivos que vão além da denúncia: fotografia, locação, luz, roteiro e especialmente elenco. 

Ainda que lento no início, o longa vai ganhando vigor quando a protagonista deixa tudo para trás para iniciar sua jornada na busca incansável pelo filho Abel (Matheus Abreu, de "O Segredo dos Diamantes"- 2014) desaparecido há meses.

Com previsão de estreia em 2022 nos cinemas nacionais, “Pureza” já foi exibido em 34 festivais. Ganhou 26 prêmios nacionais e internacionais em 17 países: Brasil, França, EUA, Guadalupe, Itália, Rússia, China, Alemanha, Panamá, Bolívia, Marrocos, Cuba, Reino Unido, México, Argentina, Colômbia e Líbano. 


Dira Paes ("Veneza" - 2019) entrega uma interpretação profunda, real e emocionante de Pureza Loyola, sem esconder as marcas no rosto de uma vida sem descanso. A atriz dá um show, passando da trabalhadora simples, que faz tijolos para sustentar a família, com resignação e humildade, à mãe forte que quer resgatar o filho a qualquer custo. 

Na sua busca, Pureza Loyola se torna meio mãe de outros filhos que também trabalham escravizados em fazendas no Pará. A força e o amor dessa mulher podem ser resumidos numa cena de cortar o coração: a reprodução da Virgem Maria que desce o corpo de Jesus da cruz e reza sobre ele, debaixo de chuva. 


Sem falar nos outros homens, velhos e novos, que só têm na presença daquela mulher um pouco de alento desde que deixaram suas famílias para buscar uma condição melhor de vida e acabaram caindo na armadilha de patrões poderosos que comandam, matam e escravizam impunemente. 

Aos poucos, ela se torna a voz, muitas vezes solitária, daqueles que foram esquecidos, denunciando os fatos às autoridades federais, mesmo que, para conseguir provas, coloque em risco a própria vida.

Adonias Mendes dos Santos ("Baiano"), João Batista Gonçalves Lima ("Siracura") e Milson Gomes de Souza Almeida ("Tiozão")

O longa é quase um documentário, incluindo no elenco 11 ex-trabalhadores rurais que foram resgatados de fazendas e que dão depoimentos tocantes. É o caso de Adonias Mendes dos Santos ("Baiano"), João Batista Gonçalves Lima ("Siracura") e Milson Gomes de Souza Almeida ("Tiozão"), entre muitos outros. 

Como representante dos "vilões" temos a ótima interpretação de Flávio Bauraqui ("Faroeste Caboclo" - 2013) no papel de Narciso, gerente das fazendas e mandante dos assassinatos, que sente prazer com a imagem que criou de si próprio.

A verdadeira Pureza e seu filho Abel (Reprodução)

Além do elenco e da história, ambos fortes e comoventes, Renato Barbieri, que dividiu roteiro e produção com Marcus Ligocki Jr., também contou com um belo trabalho da equipe técnica, desde a fotografia, montagem, figurino à edição e locações. 

O filme foi gravado no Pará, em áreas rurais de Marabá e Itupiranga, com riqueza na reprodução de detalhes. Para completar, é preciso registar a beleza da trilha sonora do compositor americano Kevin Riepl, que contou com duas músicas de Aurélio Santos.

Combate ao trabalho escravo



O diretor também conseguiu reunir abolicionistas que fizeram parte do Grupo de Fiscalização Móvel de Combate ao Trabalho Escravo no país naquela época, composto por integrantes de várias instituições, e também o então ministro Paulo Paiva. Foi a partir daí e da luta de Pureza Loyola que as ações no campo se intensificaram, com maior apoio à atuação dos fiscais do trabalho, também vítimas dos criminosos.


Um exemplo disso foi a Chacina de Unaí (Noroeste de Minas), que no dia 28 de janeiro completa 18 anos. Três auditores fiscais e um motorista, funcionários do Ministério do Trabalho, foram mortos a tiros na região quando investigavam denúncias desde crime em fazendas de café da região. 

De 1995 a 2021, o Grupo Móvel resgatou mais de 55 mil trabalhadores em situação degradante e análoga à escravidão no país. "Pureza" tenta mostrar um pouco dessa triste realidade. É a arte a serviço da justiça social.


Ficha técnica:
Direção: Renato Barbieri
Roteiro: Renato Barbieri e Marcus Ligocki Jr.
Produção: Gaya Filmes / Ligocki Entretenimento
Distribuição: Paris Filmes / Downtown Filmes
Duração: 1h41
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gêneros: drama // documentário
Nota: 4,8 (de 0 a 5): 

16 junho 2021

Homenagem do diretor às artes cênicas, o filme “Veneza” é pura poesia

Produção conta com grande elenco e atores de renome internacional como a espanhola Carmem Maura, ao centro sentada (Fotos: Mariana Vianna/Imagem Filmes)


Mirtes Helena Scalioni


Há pelo menos duas inspirações claras no filme “Veneza”, de Miguel Falabella, que entra em cartaz nos cinemas de todo o Brasil nesta quinta-feira (17). A alusão a matriarcas sofridas vem nitidamente de Almodóvar, mas há cores, sombreados e cenas que remetem ao cinema italiano com suas divas de seios fartos e decotes generosos. Ou seja: o diretor acertou em cheio ao construir um filme poético que, ao final, não deixa de ser um elogio aos sonhos, à esperança e à arte de representar.


“Veneza” é, antes de tudo, um filme de mulheres. O roteiro foi adaptado por Falabella a partir da peça teatral "Venecia", do argentino Jorge Accame. Criativo e sensível, o ator e diretor usou o melhor da peça e ainda a enriqueceu com histórias paralelas, todas elas envolventes e emocionantes. Junte-se a isso um elenco estelar e eis uma pequena obra-prima que tem tudo para comover plateias país afora.


Gringa é dona de um bordel localizado em algum lugar desse imenso Brasil. Está velha, demente e cega, mas ainda alimenta o desejo de conhecer a cidade de Veneza onde, acredita, vai se encontrar com seu único e grande amor, a quem precisa pedir perdão por um erro do passado.

Acontece que Gringa é vivida por Carmem Maura, atriz espanhola preferida de Almodóvar e isso faz toda a diferença. A artista está inteira no papel e fisga o espectador desde suas primeiras aparições.


Na gerência do bordel está Rita, interpretada pela sempre talentosa Dira Paes, que comanda com afeto, carinho e sororidade as meninas Jerusa (Danielle Winits), Madalena (Carol Castro) e Janete (Maria Eduarda de Carvalho), entre outras, cada uma carregando sua história de abandono e solidão. Lindas em seus figurinos clássicos de profissionais do sexo, elas esbanjam sensualidade.

Como uma espécie de figura masculina que protege as prostitutas, está Tonho, feito por Eduardo Moscovis totalmente desprovido de vaidades e em bela atuação. Numa das histórias paralelas, aparece Júlio, feito pelo jovem ator Caio Manhente, que vive um romance nada convencional com a romântica Madalena.


Completam o elenco de "Veneza" a bela uruguaia Camila Vives, que faz a Gringa jovem, e Magno Bandarz, interpretando seu amado Giácomo, além de participações internacionais da argentina Georgina Barbarossa (Madame) e da colombiana Carolina Virgüez (Dora). A produção conta ainda com a música-tema "Pecado", clássico bolero de Andrés Carlos Bahr, Enrique Francini e Armando Francisco Punturero, interpretada em espanhol pela cantora Ludmilla, a convite de Miguel Falabella.

Para fazer com que Gringa chegue até Veneza, o pessoal do bordel se une à trupe de um circo que está passando pela cidade. O plano é tão bonito quanto mirabolante, tão improvável quanto poético. Surpreendente como sempre, Miguel Falabella brinda os amantes das artes cênicas com uma história inesquecível e comovente.


O longa-metragem foi filmado em Montevidéu, no Uruguai, e em Veneza, na Itália, sendo premiado com os Kikitos de melhor direção de arte (Tulé Peake) e melhor atriz coadjuvante (Carol Castro) no Festival de Gramado. Recebeu quatro troféus no Los Angeles Brazilian Film Festival – melhor direção de fotografia (Gustavo Hadba), melhor ator (Eduardo Moscovis), melhor ator coadjuvante (André Mattos) e melhor atriz coadjuvante (Carol Castro), além de melhor roteiro (Miguel Falabella) no Brazilian Film Festival of Miami.


Ficha técnica:
Direção: Miguel Falabella
Exibição: nos cinemas (sem previsão de exibição nas plataformas de streaming)
Produção: Ananã Produções / Globo Filmes / FM Produções
Distribuição: Imagem Filmes
Duração: 1h31
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: Drama

08 março 2018

"Encantados", uma história de misticismo e beleza contada com o coração

A pajé Zeneida Lima é interpretada na adolescência pela atriz Carolina Oliveira no novo filme de Tizuka Yamasaki (Fotos: Divulgação)

Maristela Bretas


Difícil dizer o que é mais especial na nova produção de Tizuka Yamasaki - a fotografia, a beleza da Floresta Amazônica, o tom poético da narrativa, o enredo baseado numa história real ou tudo isso junto. "Encantados" é uma poesia de imagens, romance e magia que toca o coração e leva às lágrimas. É como se o verde da grande floresta corresse nas veias da pajé Zeneida Lima, autora do livro "O Mundo Místico dos Caruanas da Ilha do Marajó" e que também participa da produção.

"Encantados" é o 12º longa-metragem da carreira de Tizuka Yamasaki e como em outras produções da diretora trata da força da mulher. E escolheu o dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher para fazer sua estreia. Uma data mais que apropriada para apresentar a história real da pajé paraense Zeneida Lima, que enfrentou os pais e a sociedade para seguir seu dom espiritual e levar adiante seus ideais de defesa da natureza. Ela é a fundadora da Instituição Caruanas do Marajó Cultura e Ecologia, que oferece um programa educacional para atender crianças da periferia da região.

A verdadeira pajé Zeneida Lima
O cenário não poderia ser mais belo - a Floresta e o Rio Amazonas, com seus animais, plantas, a força da pororoca e, principalmente, os misticismo das histórias criadas pelos indígenas da região. A maior parte do filme é ilustrada desta forma e encanta o mais cético dos expectadores. Tizuka fez uma livre adaptação da história da pajé Zeneida, focando num momento de transição da menina para a adolescente, em que seus dons para curar com elementos da natureza se afloram em meio a um turbilhão de sentimentos e questionamentos característicos dessa fase da vida, além da descoberta do primeiro amor.

Interpretada com graça e competência pela jovem Carolina Oliveira, Zeneida é a mais velha de nove irmãos, que moram com a mãe Zezé (Letícia Sabatella) e com Cotinha (Dira Paes), uma cabocla, filha de criação da família, em Belém (PA). O pai dela e dos irmãos é o advogado Angelino (José Mayer), amante de Zezé, que manda toda a família para a fazenda dele na Ilha de Marajó, para que sua vida clandestina não prejudique a carreira política.

Zeneida parte de Belém a contragosto, mas é na ilha que a adolescente irá descobrir sua verdadeira vida. E se apaixonar por Antônio (Thiago Martins), um ser da natureza, um encantado, que somente a jovem enxerga e por isso é considerada louca por todos. Para ajudar a resolver seus conflitos e desenvolver suas habilidades de pajé, Zeneida vai contar com a orientação de mestre Mundico (Ângelo Antônio) e de Cotinha, a única na casa que a entende.

Prêmios

"Encantados" foi premiado na 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, como melhor filme brasileiro na categoria Festival da Juventude, em 2014, e abriu o Brazilian Film Festival of Miami, em 2016. Tizuka também conquistou o prêmio de melhor diretora no 31º Festival de Cinema de Trieste, na Itália, em 2016 pela harmonia da obra. Estes e todos os outros prêmios que venha a conquistar são muito merecidos. "Encantados" é lindo, envolvente e mágico, mas ao mesmo tempo forte como Zeneida e a fúria das águas do Amazonas. Vale a pena conferir.



Ficha técnica:
Direção: Tizuka Yamasaki
Produção: Globo Filmes / Scena Filmes
Distribuição: Riofilme
Duração: 1h18
Gêneros: Drama / Nacional / Biografia / Fantasia
País: Brasil
Classificação: 12 anos
Nota: 4 (0 a 5)

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