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23 abril 2022

"Medida Provisória": entre o radicalismo e a resistência negra

Seu Jorge e Alfred Enoch protagonizam a produção dirigida por Lázaro Ramos que aborda o racismo numa sociedade futura (Fotos: Divulgação)


Marcos Tadeu


Impactante. Essa é a palavra que resume "Medida Provisória", longa dirigido por Lázaro Ramos, que fez sua estreia nos cinemas no dia 14 de abril. A produção mostra que o ator e agora diretor vem com tudo para tratar da questão racial em um governo totalitário e radical. A obra é inspirada na peça brasileira "Namíbia, Não!", de Aldri Anunciação (que divide o roteiro do filme com o diretor e Lusa Silvestre), dirigida em 2011 no teatro por Lázaro Ramos.

Na história, somos imersos em um Brasil que no primeiro momento oferece, por meio de uma Medida Provisória, uma reparação pelos longos anos de escravidão aos quais os negros foram subjugados por mais de três séculos para voltarem ao país de sua ancestralidade. Ao confirmar que existe uma resistência dos negros, chamados de “melanina acentuada”, existe, o governo passa a impor uma caçada racial e a mandá-los de volta à força.


Primeiro ponto a se elogiar aqui é a força de Antônio (Alfred Enoch), que consegue expor as dores e lutas de um negro em um país completamente racista e intolerante. O protagonista exala vigor e, ao mesmo tempo, consegue mostrar suas fragilidades e o medo do perigo que corre. Ele se torna símbolo de resistência por ser o único “melanina acentuada” a resistir.

Do outro lado temos André (Seu Jorge), jornalista do bairro local que questiona sua realidade e que não aguenta ficar parado sem agir. Ele representa mais o lado da emoção, mas também a necessidade de agir em uma situação de caos. André e Antônio têm uma química muito boa em tela. Ver os dois juntos, se divertindo enquanto atuam, é de deixar o brasileiro orgulhoso.


O grotesco lado racista é representado por ninguém menos que Adriana Esteves e Renata Sorrah que conseguem ser enérgicas e causar raiva no telespectador. Incomoda o fato de Esteves pegar nos últimos anos papeis muitos parecidos que pouco se distanciam de suas vilãs icônicas. Já Sorrah interpreta uma moradora do prédio de Antônio e André e se destaca por suas falas absurdas, como a de sofrer racismo por ser branca ou pela cor do seu cabelo.


Lázaro Ramos consegue dar uma aula sobre como o racismo estrutural é vivo e forte em uma sociedade distópica. Em certo momento do filme vemos como Capitu (Tais Araújo), mulher de Antônio, médica e que se descobre grávida, é caçada por ser negra. Somente quando consegue abrigo em um afro-bunker a personagem expõe e desabafa todo o cansaço de ser negra e sempre ter que resistir ou ser forte. Um discurso potente que choca o telespectador com uma dose cavalar de realidade que os negros passam o tempo todo.

Sem dúvida, "Medida Provisória" fala sobre a necessidade de resistir em uma sociedade do radicalismo e das leis que não pensam duas vezes em tornar a população cada vez mais branca. Ficam algumas perguntas: E se a sociedade fosse completamente branca? O que aconteceria aos negros? O filme aponta e expõe esses questionamentos de maneira clara e objetiva, vai direto ao ponto. O diretor mostra sua força e todo o cuidado que tem ao lidar com a cultura negra e os negros no Brasil.


O único ponto negativo do filme é que ele propõe uma solução rápida no final com pouco tempo de tela após tudo o que foi trabalhado ao longo da obra. Se fossem acrescidos alguns minutos para mostrar essa reviravolta, o longa ganharia mais brilho.

“Medida Provisória” escancara um país racista que não sabe ainda lidar com os negros, mas que também consegue resistir ao mostrar toda a força da cultura negra e o cuidado com a raça. Sem dúvida, eles se sentirão representados em seus dilemas e suas alegrias. Por outro lado, é um alerta para que os brancos passem a vigiar suas posturas e não repitam comportamentos racistas. Reforço: trata-se de um filme bem impactante, que cabe uma reflexão séria.


Ficha técnica:
Direção: Lázaro Ramos
Produção: Lereby Produções / Lata Filmes / Globo Filmes
Distribuição: Elo Company
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h34
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gênero: drama

31 outubro 2021

História, ação e ideologia fazem de “Marighella” um filme imprescindível

Filme dirigido por Wagner Moura traz o cantor e ator Seu Jorge interpretando um dos maiores inimigos da ditadura militar brasileira (Fotos: Factoria Comunicação/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Pode ser que uns e outros não gostem. Mas fica claro, desde o início, que no filme “Marighella", direção de Wagner Moura, o personagem é apresentado e conduzido como o grande inimigo da ditadura militar, valente defensor da democracia e da liberdade. A posição política do diretor é explícita e talvez venha daí a honestidade do longa que, em 2h35 minutos, narra os últimos cinco anos do líder da ALN – Ação Libertadora Nacional. 


A produção, filmada na Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, estreia nos cinemas no próximo dia 4 de novembro, há exatos 52 anos do assassinato de Marighella. Passou por importantes festivais pelo mundo - Berlim, Seattle, Hong Kong, Sydney, Santiago, Havana, Istambul, Atenas, Estocolmo, Cairo -, além de cerca de 30 exibições em países dos cinco continentes, e terá pré-estreias a partir do dia 1º de novembro em todo Brasil.


O recorte da biografia do político, escritor e guerrilheiro baiano no filme vai do golpe militar de 1964 até 1969, quando ele foi assassinado numa emboscada nas ruas de São Paulo. Mostrado como aglutinador, inteligente, criativo e corajoso, Carlos Marighella é interpretado na medida por Seu Jorge, que tem se revelado, além de cantor, um ator de talento, sempre expressivo quando seu rosto é explorado em closes.

Carlos Marighella (esquerda) é interpretado por Seu Jorge (direita)

É impossível sair ileso do filme, que entra em cartaz nos cinemas do Brasil com dois anos de atraso, segundo consta, por problemas provocados pela Ancine – Agência Nacional do Cinema – que fez de tudo para barrar a exibição do primeiro trabalho do ator Wagner Moura na direção, mesmo depois dele ter sido aplaudido de pé no Festival de Berlim, em 2019. 


“Marighella” é essencialmente didático e nitidamente popular, capaz de prender e emocionar pessoas das mais diferentes idades e - quem sabe - ideologias. E pode até agradar os que apreciam filmes de ação e tiroteios. Veja o vídeo especial sobre quem foi Marighella clicando aqui.


Baseado na biografia escrita por Mário Magalhães em 2012, o roteiro do longa - de Felipe Braga e Wagner Moura - é enriquecido com uma sacada inteligente: como eram muitos os guerrilheiros liderados por Marighella, os atores que os interpretam no filme aparecem com seus próprios nomes, como se representassem todos eles. 

Assim, Humberto Carrão, por exemplo, é o jovem guerrilheiro Humberto; Bella Carneiro simboliza a presença feminina como Bella, Henrique Vieira marca a atuação da igreja no movimento como frei Henrique e assim por diante.


Estão também no elenco artistas experientes e brilhantes como Bruno Gagliasso, convencendo satisfatoriamente como o desprezível Lúcio, delegado e torturador; Herson Capri como o empresário de imprensa Jorge Salles, Luiz Carlos Vasconcelos como o militante maduro Branco, e Adriana Esteves (em papel pequeno, mas marcante) como Clara, a mulher de Marighella.


É preciso destacar ainda a perfeita reconstituição de época do filme. Impossível não perceber que todos se locomovem de Fusca ou de Rural Willys, por mais perigosa que seja a ação. Outro destaque é a trilha sonora que, desde o início, mostra a que veio com hip hops de letras engajadas.


Mesmo que pareça parcial, mesmo que seja uma homenagem a um homem que nem todos admiram e aplaudem, “Marighella” é um filme imprescindível por colocar nas conversas o nome de alguém que não entrou nos livros de História do Brasil, apesar de ter lutado e morrido pelo que acreditava. Não dá para desprezar a trajetória de alguém que vivia repetindo: “Não tenho tempo para ter medo”.


Ficha técnica:
Direção: Wagner Moura
Exibição: nos cinemas
Produção: O2 Filmes / Globo Filmes / Maria da Fé
Distribuição: Paris Filmes / Downtown Filmes
Duração: 2h35
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gêneros: Drama / Biografia

02 junho 2018

"Paraíso Perdido", um filme de cortar os pulsos

A história se passa quase toda numa boate nada convencional, onde uma família nada convencional se apresenta (Fotos: Vitrine Filmes/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


Mais do que revolucionário, "Paraíso Perdido" é um filme libertário, atrevido e contemporâneo, verdadeiro discurso contra o preconceito. "Qualquer maneira de amor vale a pena" - é o que inspira o longa. E é esse sentimento que também parece mover os personagens. A história se passa quase toda numa boate nada convencional, onde uma família nada convencional se apresenta em performances que arrebatam e emocionam o pequeno público presente. Tudo é único, peculiar, inesperado.

Pode até ser que a trama criada pela diretora Monique Gardenberg se torne confusa em determinado ponto da história, mas isso não atrapalha nem tira o brilho do filme. Pelo contrário. Certa estranheza e uma pequena dose de esquisitice acabam por conferir charme e poder ao filme. E o elenco parece ter sido escolhido a dedo.

A começar pelo patriarca do núcleo, José, interpretado por um Erasmo Carlos extremamente à vontade, passando pelo novato Jaloo, que faz o travesti Ímã, uma descoberta da diretora. Completam a família Júlio Andrade, encantando como o cantor Ângelo; Hermila Guedes como a ex-presidiária Eva; Júlia Konrad como a grávida Celeste, e Seu Jorge como o filho adotivo Taylor, que sonha ser ator.

Correndo por fora, compartilhando dores e delícias com o grupo, estão Marjorie Estiano como a misteriosa Milene, Humberto Carrão como o sensível e atormentado Pedro; Felipe Abin como Joca, o namorado de Celeste; Malu Galli como a cantora surda Nádia e Lee Taylor, numa atuação comovente como o policial Odair, personagem central da trama. Tudo se encaixa de uma forma tão natural, que a credibilidade e empatia com o espectador são imediatas. Tudo se encaixa.

Um detalhe do longa que merece destaque: a música. "Paraíso Perdido" é todo embalado e costurado por canções populares que algum desavisado pode chamar de bregas. Pode, mas não deve. O diretor musical do filme é Zeca Baleiro e isso faz toda a diferença. Que ninguém espere cantorias manjadas do tipo "Eu não sou cachorro não", "Sandra Rosa Madalena" e "Receba as flores que te dou". Baleiro não se rendeu ao óbvio.

Os cantores e cantoras da boate dilaceram o peito do espectador apresentando pérolas românticas como "Sonhar contigo", de Adilson Ramos ("este é o meu maior desejo/ tomar tuas mãos, calar tua voz num longo beijo"), "Impossível acreditar que perdi você", de Márcio Greick ("não, eu não consigo acreditar no que aconteceu"), "Tortura de amor", de Waldick Soriano ("hoje que a noite está calma/e minh'alma esperava por ti") e "As minhas coisas", de Odair José ("o meu casaco com você se acostumou/ sentiu tanto a sua falta/ que de tristeza desbotou").

Não há sombra de crítica, riso ou deboche. Pelo contrário, há reverência, respeito ao sentimento. O ambiente é simples, a luz é baixa, o drinque barato está à mão e o clima é de pecado. De cortar os pulsos. "Paraíso Perdido" pode e deve ser conferido no Belas Artes 3 (sessões de 14h e 21h) , Cinemark BH Shopping 10 (16h20 e 21h30) e Net Cineart Ponteio 2 (18h40 e 20h50).
Duração: 1h50
Classificação: 14 anos



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