09 setembro 2018

"Benzinho", delicioso filme sobre afeto e laços de família

A família de Irene, Klaus, Fernando, Rodrigo e os gêmeos Fabiano e Matheus transparece amor e união (Fotos: Vitrine Filmes/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


Alguns vão dizer que trata-se de um filme sobre a família. Outros dirão que é sobre a maternidade, embora se possa acreditar também que é sobre os afetos. Ou ainda: sobre a solidão - ou o medo dela. Melhor dizendo, "Benzinho" fala de laços e de como essas amarras podem ser mantidas e/ou destruídas. O grande diferencial, porém, do longa brasileiro de Gustavo Pizzi é a forma, escancaradamente simples e natural como a história é contada. Delícia de filme, para fazer rir e chorar.

O trunfo de "Benzinho", sua grande arma, é a atriz Karine Teles, que imprime uma credibilidade extraordinária a sua Irene, mãe de quatro - sim, quatro - filhos homens. Casada com Klaus (Otávio Muller), vivendo uma situação financeira angustiante e incerta, ela se vira como pode para dar conta das tarefas domésticas, ajudar nas despesas vendendo de marmitas a jogos de cama, cuidar da filharada e ainda acudir e apoiar a irmã Sônia (Adriana Esteves) que vive uma relação abusiva com o marido Alan (o ator uruguaio César Troncoso). Se sua vida já era difícil, vivendo essa verdadeira corrida de obstáculos, imagine o que pode acontecer quando seu filho mais velho, o adolescente Fernando (Konstantinos Sarris) recebe um convite para jogar handebol na Alemanha.

Corroteirista da história com o ex-marido Gustavo Pizzi, Karine Teles precisa basicamente do rosto para contar ao espectador o que se passa com ela. Em inúmeros closes, suas expressões tornam transparentes seus pensamentos, reações e sentimentos, mesmo que eles sejam ambíguos. E é com ela que o público passeia por um turbilhão de emoções e engasgos, dúvidas, angústias, posse, medos, insegurança.

Sua parceria com Adriana Esteves também é perfeita e transborda afeto e cumplicidade. A cena das duas na formatura de Irene (é preciso dizer que ela também faz o curso Médio) é um ótimo exemplo do bate-bola perfeito das atrizes que, com muita simplicidade (mais uma vez) enternece o público sem qualquer sinal de pieguice. Coisa de craques.

Mérito do roteiro, a família de Irene, Klaus, Fernando, o gordinho Rodrigo (Luan Teles, sobrinho de Karine) e os gêmeos Fabiano e Matheus (Arthur Teles Pizzi e Francisco Teles Pizzi, verdadeiramente gêmeos e verdadeiramente filhos da atriz e do diretor Gustavo Pizzi) transparece amor e união. Esse parentesco, essa aproximação, claro, aumenta a sintonia entre o grupo, que se mostra, desde o início e, acima de tudo, amoroso, embora confuso.

Quase como uma metáfora dessa família, a casa onde todos vivem em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, é cheia de problemas que nunca são reparados. A porta emperrada não abre, mas isso não é problema. Todo mundo entra e sai, naturalmente, pela janela, onde foi colocada uma escada improvisada. E não se fala mais nisso. Urgente mesmo é fortalecer os laços. Imperdível!
Duração: 1h35
Classificação: 12 anos


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05 setembro 2018

"As Herdeiras" aborda a agonia da elite e o amor entre duas mulheres maduras

Sem discursos, filme paraguaio é uma história sobre a decadência (Fotos: Imovision/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Que ninguém espere ação ou estímulo em "As Herdeiras", filme paraguaio do diretor estreante Marcelo Martinessi. Lento e escuro, pode-se até dizer que o longa é discreto ao contar a vida de duas mulheres maduras, que estão juntas há décadas e que, devido à crise financeira, são obrigadas a vender pratarias, cristais, obras de arte e até móveis para sobreviver. Enfim, uma história sobre a decadência.

Chiquita e Chela vivem num casarão tão antigo quanto decaído e, de cara, o espectador descobre que o casal é formado por duas mulheres completamente diferentes uma da outra. Chiquita, interpretada por Margarida Irún, é atirada, alegre, extrovertida, gosta de festas e de encontros com as amigas. 

Chela é tímida, pacata, silenciosa, observadora, papel que caiu como uma luva para Ana Brun, pelo qual já recebeu pelo menos dois troféus: O Urso de Prata, em Berlim, e o Kikito, em Gramado, ambos como Melhor Atriz. Na verdade, o público enxerga pelos olhos de Chela, que vive se esgueirando, fala pouco, não se altera, olha por meio de frestas. Nada a abala, nem mesmo a prisão de Chiquita, que vai para a cadeia por causa de dívidas com o fisco.

Dizem que a maturidade está na moda. Se isso for verdade, Martinessi começou bem. Ao falar sobre a ruína da classe média alta de Assunção e abordar o relacionamento homoafetivo entre duas mulheres que beiram os 60, o diretor, em nenhum momento, é explícito. Pelo contrário. É com muita delicadeza, sutileza, sombras e olhares que o afeto - e até a sexualidade - são apenas sugeridos. Em certo momento, quando Chela conhece a exuberante Angy (Ana Ivanova), a sedução é sombreada, cheia de subterfúgios. 

Marcelo Martinessi tem falado, em entrevistas, que seu longa é uma metáfora da agonia da elite do Paraguai, em crise como quase todos os demais países da América Latina. Essa decadência - sem perder a elegância - fica clara em algumas cenas que mostram como as moradoras do casarão estão falidas, mas fazem questão de manter a empregada e o requinte da bandeja do café da manhã com os utensílios sofisticadamente arrumados. 

Mas não há nenhum discurso ou menção à desigualdade social. "As Herdeiras" é também uma história fundamentalmente feminina. Os homens são raros e secundários e apenas as mulheres têm alguma relevância. Mas, em momento algum, o tema feminismo é tocado. Tudo, absolutamente tudo no filme é delicadamente insinuado.
Classificação: 16 anos
Duração: 1h38



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