30 abril 2020

"As Telefonistas": figurino impecável, roteiro mirabolante e uma paciência de quarentena

Blanca Suárez é uma das protagonistas da série da Netflix ambientada na Espanha dos anos 1920 (Fotos: Manuel Fernandez-Valdez/Netflix)

Mirtes Helena Scalioni


Talvez o maior atrativo da série espanhola "As Telefonistas" ("Las Chicas del Cable") seja exatamente a forma como construíram os chamados ganchos. O espectador quer sempre ver o que vem no próximo capítulo, exatamente pela maneira com que cada um é finalizado, sempre criando expectativa, mesmo que sem muita coerência. Não fosse isso, dificilmente alguém conseguiria chegar até o fim dos seus intermináveis 37 capítulos disponíveis, muitos deles sem pé nem cabeça, mal costurados em cinco temporadas no Netflix.


O argumento da história é maravilhoso, não se pode negar: quatro jovens se conhecem trabalhando como telefonistas da recém-criada Companhia Telefônica da Espanha. É ambientada numa Madrid provinciana, burguesa e sedenta de modernidade, e começa em 1928, época de mesuras e reverências ao rei. Em tempo de machismo absoluto e total submissão das mulheres, as quatro criam um bonito laço de afeto e cumplicidade que, aos poucos, revela-se capaz de justificar, inclusive, crimes. Não parece instigante?


Uma pena que um roteiro tão rico esteja sendo tão mal desenvolvido. Há momentos em que a trama fica inverossímil e soa falsa, forçada. Os personagens também não são bem construídos e, até o momento, o perfil de alguns deles não fica claro. Não se trata de preferir maniqueísmos de heróis contra vilões. Mas todo personagem precisa de um mínimo de coerência para sobreviver em qualquer enredo que se preze. Essa falha torna ainda mais confusa as intrigas de "As Telefonistas". Para completar, a série deixa buracos e muitas perguntas sem respostas, mesmo que tenha se passado mais de dez anos na história. 


Com argumentos tão ricos como a luta pela emancipação das mulheres, o final da monarquia e os horrores da Guerra Civil que estraçalhou a Espanha entre 1936 e 1939, era de se esperar uma obra mais consistente. Em certos momentos, a história fica cansativa como se os autores tivessem sido obrigados a estendê-la ou não soubessem como terminá-la. 

A voz em off da personagem principal, a telefonista Lídia, também se revela inútil, como se ela quisesse explicar o inexplicável ou justificar o injustificável. Ao final de quase todos os capítulos, ela decreta algo como: e o pior ainda está por vir. É como se estivessem num campeonato mundial de desgraças. E dá-lhe novas tramas e novos personagens, tudo muito mal costurado, carecendo solidez.


O elenco de "As Telefonistas", com raríssimas exceções, merece aplausos. Até por conseguir dar sequência a um roteiro inconsistente, atores e atrizes seguram, com galhardia, os papéis que carregam, mesmo que, por vezes, incoerentes. Blanca Suárez é a protagonista, fazendo a líder do grupo Alba Romero, que depois vira Lídia Aguiar - e não se fala mais nisso -, sempre em dúvida entre o amor de Francisco Gómez (Yon González) e Carlos Cifuentes (Martiño Rivas). 


Ao redor dela gravitam Ángeles Vidal (Maggie Civantos), abusada pelo marido, a romântica Marga Suárez (Nadia de Santiago) e a rebelde e ousada Carlota (Ana Fernandez). Destaques para Ana Polvorosa, que interpreta a ambígua Sara Milán/Oscar e Concha Velasco, que brilha como a senhora Carmen Cifuentes. Há outros nomes, mas são tantos, devido às mirabolantes viradas e pegadinhas da história, que não precisam ser citados. A direção também é conjunta: Gema R. Neira, Ramón Campos e Teresa Fernandez-Valdés.


É possível que grande parte dos telespectadores chegue ao término. Afinal, até a curiosidade de saber onde isso tudo vai parar pode ser um bom motivo. Outra motivação - embora não suficiente - é o figurino. Rico, fiel e impecável, revela a beleza e o refinamento das roupas, calçados e, principalmente, a elegância dos chapéus. Para quem chegou ao trigésimo sétimo capítulo de "As Telefonistas", só resta esperar que, nos próximos, ainda inéditos, algo de brilhante justifique tantos dramas, tragédias e vinganças. 


Ficha técnica:
Série: 5 temporadas/ 8 capítulos por temporada
Distribuição: Netflix
Duração: 50 minutos em média
Classificação: 18 anos
Gênero: Drama

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25 abril 2020

Uma história e várias versões sobre a vida (secreta?) pós-celular, ambas na Netflix

(Montagem sobre fotos: Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


Marido e mulher - ele cirurgião plástico, ela psicóloga - recebem em casa para um jantar dois casais e mais um amigo desacompanhado. O clima é de confraternização, quase festa, no início da comédia "Nada a Esconder". A princípio, todos estão ali para apreciar, da varanda, um prometido eclipse lunar. Nota-se que há intimidade entre eles como se conhecessem há anos. 

O único que está solteiro é Pepe, que já chegou se desculpando por não trazer a namorada nova: ela está doente - foi o que ele disse, para decepção de todos, que esperavam conhecer, enfim, a nova namorada dele. Nada mais corriqueiro e natural do que um jantar entre velhos amigos de classe média alta, o vinho rolando generosamente, o anfitrião na cozinha preparando pratos sofisticados.


O clima começa a mudar quando um dos personagens sugere que todos coloquem seus celulares sobre a mesa e que, a partir daí, todas as ligações, notificações e mensagens sejam abertas e lidas publicamente. O jogo, a princípio interessante e engraçado, passa a gerar uma certa tensão quando máscaras começam a cair, traições vêm à tona, revelações criam conflitos, segredos comprometem relações de casais e velhas amizades. 


De tão contemporâneo, instigante - e por que não? - divertido, esse mesmo roteiro de "Nada a Esconder", que foi filmado a primeira vez em 2016 pelo italiano Pablo Genovese com o nome de "Perfetti Sconosciuti", já ganhou versões em produções na Grécia, Espanha, Turquia, Coreia do Sul, China, Polônia, França e México. Um fenômeno. As duas últimas montagens, ambas de 2018, a mexicana e a francesa (além da espanhola), estão disponíveis na Netflix e é quase impossível escolher entre uma delas. Ambas são excelentes.



Na versão mexicana da comédia, que  ganhou o nome de "Perfeitos Desconhecidos" ("Perfectos Desconocidos") como na produção espanhola de 2017, é possível reconhecer as cores mais fortes, o clima quente das discussões e conversas e, claro, o jeito peculiar de interpretação dos atores. Há certo exagero nessa montagem, dirigida e roteirizada por Manolo Caro. Os risos são nervosos, há uma ironia no ar. A equipe de intérpretes é composta por Mariana Trevino, Cecília Suarez, Manuel Garcia-Rufo ("Sete Homens e Um Destino" - 2016), Camila Valero, Miguel Rodarte, Bruno Bichir (série "Narcos" - 2015) e Franky Martin.


Já na produção francesa, "Nada a Esconder", vê-se a fleuma e o charme de um típico encontro entre pessoas que conhecem - e apreciam - um bom vinho, entendem e falam de gastronomia. O ambiente é mais discreto e refinado, os gestos são mais contidos. A direção impecável é de Fred Cavayé e o nome original do longa é "Le Jeu" - "O Jogo", título muito apropriado por sinal. No elenco estão Bérénice Bejo, Stéphane de Groodt, Suzanne Clément, Vincent Elbaz, Doria Tiller, Roschdy Zem, Grégory Gadebois e Fleur Fitoussi.

As duas histórias - mexicana e francesa - são absolutamente iguais, com a ação totalmente desenvolvida numa sala de jantar. As nuances ficam por conta da atuação de atores e atrizes. Em ambas, há um misticismo qualquer no ar por conta do eclipse - a Terra esconde a Lua? Em ambas, devagar, o que vão sendo desnudados são o preconceito, a hipocrisia e a vida de fachada de uma classe média moderninha e charmosa.


Fichas técnicas:
Perfeitos Desconhecidos
País: México
Direção: Manolo Caro
Duração: 1h44
Distribuição: Netflix
Classificação: 14 anos

Nada a Esconder 
País: França
Direção: Fred Cavayé
Duração: 1h33
Distribuição: Netflix
Classificação: 14 anos

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