30 novembro 2021

“Falling – Ainda Há Tempo” é sobre os machões que estão entrando em extinção

Lance Henriksen e Viggo Mortensen entregam excelente atuação num filme que fala de preconceitos e família (Fotos DJames/Califórnia Filmes)


Jean Piter Miranda


Willis (Lance Henriksen) é um velho rabugento, grosseiro e preconceituoso que vive sozinho em sua fazenda. Ele começa a apresentar sintomas de demência. Por isso, precisa ir morar com seu filho gay, John (Viggo Mortensen), em Los Angeles. Isso acaba sendo um problema para os dois, já que a relação entre eles nunca foi boa. Essa é história de "Falling - Ainda Há Tempo" ("Falling"), filme que estreia nesta quinta-feira (2) nos cinemas brasileiros.  


A trama gira em torno de Willis, que pode ser descrito como um velho bem escroto. Como muitos que ainda existem por aí. Inclusive há quem possa dizer que ele se parece com um ou com outro parente. O cara é homofóbico, mesmo tendo um filho gay, casado com outro homem, Eric (Terry Chen). A todo o tempo faz insultos e tenta ofender as pessoas dizendo “você parece um viadinho”, “sua bicha”, e chega a ser bem nojento ao questionar o filho sobre suas práticas sexuais.  


E vai além disso. A produção vai alternando passado e presente. Mostra o casamento do Willis e Gwen (Hannah Gross), o nascimento dos filhos e a relação deles com os pais. E nisso, Willis vai se mostrando aquele homem tosco, que se gaba de ser grosseiro, como se isso fosse sinal de macheza, de virilidade, como se isso o tornasse mais homem que os outros. Ele fuma, tem sempre um isqueiro no bolso, gosta de caça, de armas, e é sempre hostil com todo mundo, principalmente com mulheres. Bem machista por sinal. 
 

Willis também é racista e xenófobo. Tem admiração pelas forças armadas. Diz que arte é coisa de veado. Ele se acha superior por ser branco e estadunidense. Junta tudo isso e podemos traduzi-lo como um típico “cidadão de bem”. Por sorte, seus filhos e netos bem são diferentes. E mesmo com mágoas, o aturam. São até pacientes e compreensivos demais com o pai. Laura Linney interpreta sua filha Sarah, já adulta. E Sverrir Gudnason faz o Willis jovem, em uma bela atuação.  


"Falling - Ainda Há Tempo" é um filme de reencontro de família. Tem centenas deles por aí. Daqueles que os familiares se reúnem por algum motivo. Feridas são reabertas, mágoas colocadas para fora, verdades que estavam entaladas na garganta são ditas. Eles brigam, se machucam e, às vezes, até pedem desculpas. É do tipo acerto de contas. E muitos deles são bem bons. "Falling" pode entrar nesse grupo.  


Por todas essas questões é um filme incômodo. Ele propõe a reflexão se ainda há espaço na sociedade para esses machões. É sobre o atrito de gerações. E, felizmente, de forma geral, os mais jovens têm evoluído e se mostrado pessoas Que mundo está cada vez menor para gente escrota, grosseira e preconceituosa. É uma obra muito necessária para os dias atuais.  


Viggo Mortensen, como era de se esperar, faz mais uma bela atuação, além de trabalhar por trás das câmeras. "Falling - Ainda Há Tempo" é seu primeiro filme como diretor. Ele também assina a produção, roteiro e composição da trilha sonora. O longa está bem longe de ser uma obra prima. É uma boa produção, que não deixa pontas soltas, a montagem de passado e presente funciona bem, o ritmo é bom para propor reflexão, as imagens de sol e neve e as cores são bem bonitas. E o tema bem explorado. Um ótimo trabalho de estreia do ator na direção que deixa boas expectativas para o futuro.  


Ficha técnica
Direção e roteiro:
Viggo Mortensen
Distribuição: Califórnia Filmes
Gênero: Drama
Países: Reino Unido, Canadá, Estados Unidos
Duração: 1h52
Classificação: 16 anos

25 novembro 2021

Lady Gaga conspira para matar o marido e se destaca na "Casa Gucci"

Filme conta a história da família da famosa grife italiana, marcada por luxo, cobiça e ganância ao longo de 30 anos (Fotos MGM Pictures)


Carolina Cassese


"Casa Gucci" é um filme over. Em se tratando da história dessa emblemática família, isso por si só não é um demérito. Dirigido por Ridley Scott, o longa conta com um elenco estreladíssimo, composto por nomes como Lady Gaga, Adam Driver, Al Pacino e Jared Leto. 

A produção, baseada no livro "The House of Gucci: A Sensational Story of Murder" (Sara Gay Forden), chega aos cinemas nesta quinta-feira. Apesar de ter sido anunciado por parte da mídia como um filme sobre o assassinato de Maurizio Gucci, a tragédia em si ocupa uma parte mínima de toda a história - que é principalmente sobre luxo, ganância e diferentes tipos de traição.


Na história real, Patrizia Reggiani conspirou para matar o marido Maurizio em 1995, contratando um matador de aluguel e outras três pessoas. Ela foi considerada culpada e condenada a 29 anos de prisão. O livro narra como foi a relação de quase 30 anos do casal e da convivência entre os membros da família da famosa grife italiana, marcada por amor, traição, decadência, vingança e assassinato.


Até agora, o longa teve uma recepção mista por parte da crítica. Enquanto uns afirmaram que “não é apenas um filme ruim, mas também uma má propaganda para o cinema” (Financial Times), outros opinaram que "Casa Gucci" é divertido e promove um ótimo entretenimento. 

Um ponto positivo talvez seja o elenco prestigiado, com destaque para Lady Gaga, que de fato entrega muito e brilha com sua hiper intensa protagonista. Essa é uma excelente notícia: os fãs que já estavam com saudade de ver a estrela nas telas definitivamente não ficarão decepcionados.


O filme é mais acelerado no lúdico primeiro ato, em que conhecemos Patrizia Reggiani (Gaga) e Maurizio Gucci (Adam Driver), dois jovens que se apaixonam súbita e profundamente. O protagonista parece ser uma figura bastante desapegada, disposto a largar sua família e sua vida luxuosa (já que o pai não aprova a relação dele com Patrizia) para ficar com a companheira. 

Pouco depois de se casar, ele decide se reaproximar da família (por insistência da própria Patrizia). A personagem de Lady Gaga não demora a se acostumar com a vida luxuosa dos Gucci - e não se contenta com pouco. Maurizio também se mostra bastante ambicioso a partir do momento que de fato se envolve nas engrenagens do poder. 


Apesar do casal de protagonistas ter uma presença muito forte na tela, os coadjuvantes também são primordiais. Al Pacino, é claro, está excelente como o tio Aldo Gucci. A performance de Jared Leto (que interpreta o filho de Aldo) é definitivamente marcante, gostando ou não do que “marcante” significa aqui.

Como não poderia deixar de ser, em determinado momento do filme os membros da família começam a se digladiar por claro, mais poder. Vemos os nossos protagonistas se transformarem, apesar de Patrizia nunca ter de fato escondido seu fascínio pelo universo Gucci. Quando vê a empregada da casa com uma bolsa da grife (que na verdade é uma réplica), ela claramente se sente ultrajada. 


Pode ser porque ela se preocupa com a marca e não quer saber de réplicas ou falsificações. Mas também por conta de uma questão inerente à existência de uma grife (qualquer que seja): a distinção entre quem pode e quem não pode comprar.

De muitas maneiras, o filme também reforça o que se pensa e o que se espera dos italianos - o que significa, claro, que não busca representar os mesmos com complexidade. Os personagens aqui são emotivos, bastante guiados pelos sentimentos e, sem surpresa, gritam muito (como parte do pacote estereótipo, sim, você irá ouvir piadas sobre a máfia). 


O crítico David Rooney, do The Hollywood Reporter, pontuou: “Acho que Gaga e Pacino podem jogar a cartada ítalo-americana, mas, na verdade, "House of Gucci" deveria carregar o equivalente a uma isenção de responsabilidade sobre o bem-estar animal, declarando: ‘Nenhum italiano esteve envolvido na produção deste filme’. É um inferno de acentos vacilantes'.

Apesar do evidente processo de “hollywoodização”, é positivo que o filme seja primordialmente ambientado em Milão, mostre muitos cenários locais e que ainda conte com atrizes, como a própria Gaga e a sempre ótima Camille Cottin, que escapam um pouco do padrão quadradíssimo das protagonistas de Hollywood.


Talvez seja lugar comum questionar a duração de qualquer filme que tenha quase três horas, mas algumas cenas aqui realmente parecem “sobrar”. Em determinados pontos do longa, em especial quando Gaga não está em cena, a história perde um pouco de fôlego. De qualquer maneira, as atuações e a trilha sonora empolgante (para quem ama os anos 80 com todo o coração) não permite que fiquemos simplesmente olhando para o teto.


Para quem quiser entender mais sobre o Império Gucci e o impacto da grife no mundo da moda, talvez o filme seja decepcionante. O mesmo vale para aqueles que desejarem ver uma produção mais realista, que apresente um estudo de personagens mais complexo. No entanto, para quem busca um bom entretenimento e estiver apto a embarcar num universo bem absurdo, o magnetismo de Lady Gaga pode ser mais do que suficiente para garantir uma boa sessão.


Ficha técnica:
Direção: Ridley Scott
Produção: Metro Goldwyn Mayer (MGM) / Scott Free Productions / Bron Studios
Exibição: nos cinemas
Distribuição: Universal Pictures
Duração: 2h37
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: Drama / Biografia