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| Documentário, dirigido por Eduardo Boccaletti, reflete as fases mais importantes da vida do pianista de Juiz de Fora (Fotos: L. Barreto) |
Silvana Monteiro
Há documentários que se limitam a registrar fatos, outros que tentam emocionar, e alguns poucos que conseguem transformar uma biografia em experiência única.
O documentário sobre Moisés Mattos, um músico que sai da Zona da Mata mineira para ganhar os palcos do mundo como pianista, pertence a essa categoria rara.
A produção constrói sua narrativa em três momentos que dialogam entre si como movimentos de uma mesma peça musical, sempre fiel à ideia de que a arte pode atravessar barreiras que a sociedade insiste em erguer. Para quem escreve esta crítica, a música é a verdadeira linguagem universal.
Torna-se então, muito mais poderosa ao ser a ponte de transformação e a realização de um homem cujas interseccionalidades, como a cor da pele, a origem e a orientação sexual, lhe conferem uma perspectiva ainda mais profunda.
O percurso de Moisés é filmado com a sobriedade de quem entende que nem todo início precisa de brilho para ter grandeza. O jovem que praticava em teclas imaginárias é mostrado sem exageros, e o filme encontra força justamente na simplicidade dos gestos cotidianos que antecedem o talento.
Há um cuidado em revelar o artista antes da fama, sem pressa de coroá-lo e sem necessidade de dramatizar o que, por si só, já é dramático.
Ao longo do documentário, a música toma esse lugar como linguagem. O espectador acompanha o amadurecimento de Moisés em salas de estudo, recitais, processos seletivos e oportunidades que surgem quase sempre acompanhadas de novos desafios.
A produção sugere, sem sublinhar demais, como a carreira artística no Brasil é atravessada por desigualdades que pedem não só habilidade, mas persistência, disciplina e uma confiança quase irracional no próprio destino.
É nessa camada silenciosa que o filme encontra sua potência. É um enredo que pode levar o espectador à percepção de que a vida de um artista não se escreve apenas nos palcos, mas nos bastidores invisíveis e nas marcas que o moldam.
Quando Moisés retorna ao país, o filme abandona qualquer traço de triunfalismo. O reencontro com sua comunidade e com o passado não é tratado como redenção, mas como reconhecimento. Nesse contexto ele vê uma chance de enxergar, com distância, o preço e o alcance da própria vida.
O desfecho tem a delicadeza de um gesto que fecha um ciclo sem apagar as cicatrizes que o compõem. Nada é espetacularizado; a emoção nasce do que permanece dito nas entrelinhas.
O documentário se destaca pela honestidade estética e pela recusa em transformar Moisés em símbolo fácil. Ele é retratado como o que sempre foi: um artista que avançou não porque o mundo se abriu para ele, mas porque ele insistiu em atravessá-lo.
A obra, ao reunir seus três momentos, desenha também um retrato de um país com barreiras, sim, mas também com beleza e talento. “3 Atos de Moisés” é, no fim, um lembrete de que os sonhos não começam nos aplausos, mas no caminho que se faz até recebê-los. É uma obra linda, capaz de emocionar crianças, jovens, adultos e idosos.
Ficha técnica:
Direção e roteiro: Eduardo BoccalettiProdução: É Pra Ontem Filmes, com as produtoras associadas Catiripapo Filmes e Tarannà Films
Distribuição: Pipa Pictures
Exibição: Cine Una Belas Artes
Duração: 1h13
Classificação: 10 anos
País: Brasil
Gênero: documentário




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