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07 junho 2025

"Ainda Não é Amanhã”: o futuro de cada desejo quando se é mulher

Obra debate a criminalização do aborto e seus efeitos sobre jovens da periferia (Fotos: Embaúba Filmes)
 
 

Silvana Monteiro

 
“Ainda Não é Amanhã”, longa de estreia de Milena Times em cartaz no Cine Una Belas Artes, tem nome de poema, cheiro de realidade e gosto de lágrima. 

A obra reflete as vivências de meninas da periferia que crescem ouvindo que a educação é o caminho, mas descobrem — cedo demais — que a estrada é esburacada, que o corpo pesa mais quando é mulher, negra e pobre.

Janaína, interpretada com maturidade por Mayara Santos, é uma dessas jovens. Primeira da família a ingressar na universidade, carrega o diploma de Direito como uma promessa feita não só a si mesma, mas às mulheres que vieram antes dela: sua mãe, sua avó.  


Mas, como tantas meninas brasileiras, Janaína vê esse futuro ser ameaçado não por falta de capacidade, mas por um fato muito comum entre tantas - a gravidez precoce, um daqueles choques de realidade que não cabem nos manuais do vestibular. Ter ou não ter? Uma discussão muito pertinente nesse caso em questão. 

É impossível não traçar paralelos com a realidade das muitas “Janas”, aquelas que caminham numa corda bamba entre sonho e sobrevivência. Que vivem sob o peso da expectativa familiar e do desejo pessoal, enquanto enfrentam um Estado que as torna invisível, porém, no primeiro deslize, está pronto para puni-las e até encarcerá-las. 


A universidade, para muitas, é o primeiro território que não fala a sua língua, e muitas vezes também o último, porque não há política pública que as sustente até o fim.

O filme acerta ao mostrar o aborto em uma imersão psicossocial. A câmera acompanha Jana com intimidade e respeito. Há uma beleza impactante quando o afeto entre mulheres rompe o isolamento e mostra que, apesar de tudo, resistir é possível. As cenas que referenciam o mar ao útero são, na minha visão, as mais incríveis e reflexivas. 

A escolha de ambientar o filme em Recife não é mero regionalismo. É afirmação. É resposta ao cinema brasileiro que ainda insiste em centralizar olhares no eixo Rio-São Paulo. 

O Nordeste aqui pulsa com suas próprias dores e seus próprios brilhos. A direção é feminina, o elenco é quase todo feminino, e a narrativa, atravessada por um recorte de gênero, escolhe centrar o cuidado entre mulheres.


“Ainda Não é Amanhã” conversa também com outro grupo que, mesmo distante da periferia, compartilha da mesma tensão entre avanço e permanência: as universitárias que são as primeiras de suas famílias a ocuparem esse espaço. 

Aquelas que ainda se sentem estrangeiras nas bibliotecas, que têm medo de não dar conta, que escutam “você está diferente” cada vez que voltam para casa. 

No fim, a escolha do título não é derrota. É aviso. O amanhã de Jana ainda não chegou, e pode demorar a chegar por diversas causas, sintomas e consequências. Mas o filme de Milena Times é um passo importante para que a gente comece, ao menos, a ouvi-las.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Milena Times
Produção: Espreita Filmes, Ponte Produtoras e Ventana Filmes
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: sala 2 - Cine Una Belas Artes
Duração: 1h17
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gênero: drama