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11 setembro 2025

"Suçuarana" - a força e a coragem de uma mulher peregrina

A ficção acompanha Dora, vivida por Sinara Teles, em suas andanças por um país de paisagens devastadas
pela mineração (Fotos: Embaúba Filmes)
 
 

Silvana Monteiro

 
Em "Suçuarana", com estreia nesta quinta-feira no Cine Una Belas Artes e no Centro Cultural Unimed-BH Minas, Clarissa Campolina e Sérgio Borges desenham uma narrativa que é menos sobre destino e mais sobre deslocamento. 

Dora (Sinara Teles) surge como uma figura marcada pelo nomadismo: mochila nas costas, coragem nos pés e na cabeça, que passa a ser acompanhada por um cão que a guia silenciosamente. 


O filme a acompanha em suas andanças por um país de paisagens atravessadas pela mineração, onde os tons terrosos da fotografia de Ivo Lopes Araújo, cores dos verdes secos e úmidos, do barro, da poeira e da chuva, dos puxadinhos e construções improvisadas traduzem a natureza nua e crua do desgaste provocado pelos homens.

Dora é apresentada como alguém sempre a caminho, quase nunca em repouso. Seu percurso não é apenas físico, mas também existencial. Esse é o maior trunfo do filme: ver no rosto, nos cabelos, nas roupas marcadas pela sujeira dos assentos e nos olhos fundos de nossa peregrina, a poética de uma vida marcada pelo incerto. 


Cada encontro na estrada, seja com pessoas, histórias, fragmentos, ruínas e comunidades improvisadas, vai compondo a tessitura de uma vida fragmentada, em busca de uma promessa antiga, a terra sonhada com a mãe. 

O deslocamento constante carrega a ambiguidade entre exílio e liberdade, entre o desejo de pertencer a algum lugar e a vocação para pegar uma carona, caminhar longas distâncias de forma solitária ou lavar as roupas em um riacho à beira das matas.


A narrativa, digo isto porque o filme transmite uma sensação de fragmentação, se passa em uma paisagem também transitória, devastada pela mineração, uma fábrica abandonada, um vilarejo que insiste em existir e rostos receptivos ou móveis deteriorados pelo tempo. É nesse choque entre destruição e resistência que Dora encontra respiros de afeto. 

Afetos esses demonstrados em garfadas de comida, bate-papos rápidos, acolhidas para pernoites bem inóspitas e, finalmente, onde se demora um pouco mais em uma comunidade tradicional. 


Nesse lugar temos as manifestações da simplicidade: a benzedeira, os vizinhos que se juntam para um jogo e, sobretudo, para o trabalho em uma fábrica abandonada. 

A força de "Suçuarana" está na forma como conecta estética e percurso. A fotografia privilegia planos abertos que ressaltam tanto a solidão da personagem quanto a vastidão que a envolve. 


O cachorro, quase uma entidade mítica; o som, com trilha de Ajítenà Marco Scarassatti e Djalma Correia, em uma mistura de ruídos da natureza, percussões orgânicas, a poluição sonora das estradas, e os diálogos fortuitos dos rápidos e sofridos pousos de Dora. 

Mais do que contar a história de uma busca, "Suçuarana" expõe o paradoxo de existir sempre em trânsito. Dora está sempre partindo e, ao mesmo tempo, sempre chegando a algum lugar. 

O filme não oferece um destino final; oferece, sim, a percepção de que caminhar também é um modo de existir. E sobre o existir, sabemos só dos segundos a seguir, se é que sabemos. Não mais.


Ficha técnica:
Direção:
Clarissa Campolina e Sérgio Borges
Produção: Anavilhana Produções
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: Cine Una Belas Artes e Centro Cultural Unimed-BH Minas
Duração: 1h25
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: ficção

31 julho 2024

“Estranho Caminho" - Com mineiro de Santa Tereza, obra é poesia sobre caos

O roteiro de Guto Parente habilmente mescla elementos dramáticos, psicológicos e fantásticos (Fotos: Sinny Assessoria)


Silvana Monteiro


Chega aos cinemas nesta quinta-feira (1⁰ de agosto), o longa "Estranho Caminho", do diretor Guto Parente, vencedor de 16 prêmios nacionais e internacionais, com destaque para o Festival de Tribeca 2023 (EUA), onde conquistou as estatuetas de Melhor Filme, Melhor Roteiro para Guto Parente, Melhor Fotografia para Linga Acácio e Melhor Performance para Carlos Francisco. 

Também venceu os prêmios de Melhor Roteiro (Guto Parente) e Melhor Ator Coadjuvante para o ator mineiro Carlos Francisco no Festival do Rio, e Melhor Filme da Mostra Autorias da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes 2024 (Brasil). O filme está em exibição no Centro Cultural Unimed-BH Minas e no Cine Una Belas Artes.


Com uma história que se passa em meio à turbulência da pandemia que assolou o mundo, o diretor cearense Guto Parente fez um filme inspirado em sua trajetória pessoal. "Estranho Caminho" permite que o espectador entre de cabeça no caos e na poesia da busca pela realização de sonhos, das conexões e relações familiares, das adversidades e do autoconhecimento.

O protagonista David, interpretado por Lucas Limeira, é um jovem cineasta que retorna à sua cidade natal, Fortaleza, para apresentar seu filme em um festival. Porém, sua chegada é no famoso estilo expectativa x realidade. Seu caminho é repleto de percalços - desde o momento em que põe os pés na cidade, até não encontrar acolhida entre amigos, sofrer com a violência do lugar e se ver perdido em meio às restrições de uma crise sanitária. 

Esse desencontro com o seu lugar de origem e com o sonho de levar a público sua arte, é o ponto de partida para um enredo dramático com toques de fantasia e trama psicóloga. 


Ao se ver forçado a reencontrar o pai, Geraldo, interpretado por Carlos Francisco, com quem não fala há anos, David enfrenta seus próprios demônios e questionamentos sobre seu passado e sua carreira artística. 

O roteiro de Parente habilmente mescla elementos dramáticos, psicológicos e fantásticos, criando um universo compativelmente estranho com o fato de tentar entender o que é uma pandemia, ao mesmo tempo, instigante e intimista, páreo para uma convivência forçada. 

O ator Carlos Francisco, mineiro de Belo Horizonte, nascido e criado no bairro de Santa Tereza, interpreta Geraldo com tanta maestria que recebeu os prêmios de melhor ator coadjuvante no Festival do Rio 2023; melhor performance no Festival Tribeca, EUA, 2023, e melhor atuação no Festival da Fronteira, no Brasil em 2023. 


Em relação à fotografia, Linga Acácio, com seus jogos de luz e sombra, contribui para a atmosfera onírica e perturbadora do filme. Já a trilha sonora de Uirá dos Reis e Fafa Nascimento adiciona camadas de profundidade e reflexão à narrativa. O elenco, composto majoritariamente por atores cearenses, entrega performances impactantes e repletas de nuance.

"Estranho Caminho" é uma obra que desafia os gêneros convencionais, trazendo uma experiência cinematográfica estranha e provocativa. Parente consegue falar sobre temas universais, como as complexidades da família e da identidade, por meio de uma lente altamente pessoal e poética. 


É um filme que eu resumiria com os versos de um poeta, não do sertão cearense, mas do sertão mineiro, João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas": “Todo caminho da gente é resvaloso. Mas; também, cair não prejudica demais – a gente levanta, a gente sobe, a gente volta! (...) O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”


Ficha técnica
Direção: Guto Parente
Produção: Tardo Filmes
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: Centro Cultural Unimed-BH Minas e Cine Una Belas Artes
Duração: 1h23
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gêneros:
drama, documentário