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02 novembro 2025

“O Agente Secreto”: o olhar afiado de Kleber Mendonça Filho sobre o Brasil esquecido dos anos 1970

Filme estrelado por Wagner Moura é o indicado do Brasil na disputa pelo Oscar 2026 (Fotos: Vitrine
Filmes e CinemaScopio Produções)
 
 

Maristela Bretas

 
Após ser premiado e aclamado em festivais nacionais e internacionais, “O Agente Secreto” chega oficialmente aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (6). 

Dirigido por Kleber Mendonça Filho e estrelado por Wagner Moura, o filme será finalmente avaliado pelo público em geral — um passo decisivo para confirmar (ou não) sua indicação como representante do Brasil no Oscar 2026.

Em setembro, o colaborador Marcos Tadeu, do blog Jornalista de Cinema, assistiu ao longa no Festival de Cinema de Brasília e escreveu uma análise para o Cinema no Escurinho. Leia a crítica completa em https://tinyurl.com/mryttfza


Reconhecimento e identidade

Premiado em Cannes 2025 com os troféus de Melhor Direção e Melhor Ator (Wagner Moura), “O Agente Secreto” se destaca pela forma como valoriza a regionalidade nordestina e retrata o Brasil dos anos 1970 — um período sombrio, mas mostrado com sensibilidade e profundidade cultural.

O filme é um verdadeiro mosaico de memórias: as frases nas traseiras dos caminhões, o saudoso Fusca amarelo, as novelas e programas como "Os Trapalhões, as brincadeiras de rua, o orelhão e o telefone de fio, o carnaval recifense e, especialmente os cinemas de rua, como o lendário Cine São Luiz, já citado em outro filme de Mendonça, “Retratos Fantasmas” (2023).

Até mesmo o tubarão, figura recorrente até hoje nas praias pernambucanas, ganha presença simbólica na trama, ao ser mostrado ou mencionado em vários momentos do filme.


Enredo e personagens

A história acompanha Marcelo/Armando, interpretado por Wagner Moura — um professor que deixa São Paulo e retorna a Recife, sua terra natal, tentando escapar de um passado violento e misterioso e ficar perto do filho. 

Mas já na chegada, em meio ao animado carnaval da cidade, ele percebe que o passado continua à espreita e, mesmo usando uma nova identidade, ainda corre risco e representa um perigo para todos ao seu redor.

Wagner Moura, como Marcelo/Armando, merece todos os prêmios que vem recebendo como protagonista, mas contou com um time de atores e atrizes de apoio que fizeram a diferença na produção, especialmente com a atuação impecável de Tânia Maria ("Seu Cavalcanti" - 2025).  


Aos 78 anos, com seu forte sotaque potiguar, ela brilha no papel de Dona Sebastiana, uma mulher forte e combativa, que mesmo com os sofrimentos da vida, não perdeu a doçura ao abraçar como filhos os hóspedes de sua pensão. Sua atuação é carregada de emoção e autenticidade.

Outro destaque é o ator mineiro Carlos Francisco, que trabalhou com Mendonça em "Bacurau" (2019) e recentemente em "Suçuarana". Ele vive Seu Alexandre, o projecionista do cinema local. Ele e Dona Sebastiana protagonizam alguns dos momentos mais comoventes do longa, reforçando o tom humano e afetivo da narrativa.

Direção, ritmo e contexto histórico

Se a ambientação e as atuações são pontos altos, o ritmo do filme pode causar estranhamento. A trama se desenvolve de forma lenta em boa parte, ganhando fôlego e ação apenas na terceira parte — que, ainda assim, merecia mais tempo de tela.


Kleber Mendonça Filho retrata o Brasil de 1977 a partir do olhar de uma região muitas vezes marginalizada pelo eixo Sul-Sudeste, criando um espelho entre o passado e o presente. 

A ditadura militar é tratada não como um capítulo distante, mas como uma ferida ainda aberta, refletida na violência e nas omissões das “autoridades” da época que são reproduzidas ainda hoje.

O filme termina sem respostas fáceis: atentados e atrocidades cometidas pelos “agentes da lei e da ordem” são reduzidos a manchetes de jornal, sem investigação nem punição — um eco doloroso da realidade brasileira.

Essa abordagem pode confundir parte do público, especialmente diante das lacunas históricas que ainda cercam a ditadura militar. Nesse sentido, o longa poderia explorar o tema com mais clareza, como fez “Ainda Estou Aqui” (2024).

Kleber Mendonça Filho e Wagner Moura
(Foto: Reprodução)
Conclusão

Mesmo com essas ressalvas, “O Agente Secreto” é uma grande produção, digna de representar o Brasil no Oscar 2026. Além das premiações em Direção e Ator, o longa tem potencial para brilhar em outras categorias — Ator e Atriz Coadjuvantes, Trilha Sonora (de Mateus Alves e Tomaz Alves Souza), Fotografia, Figurino, Som, Direção de Arte e Maquiagem.

Um filme que reafirma Kleber Mendonça Filho como um dos grandes nomes do cinema brasileiro contemporâneo — e que nos faz lembrar, com beleza e dor, que certas histórias continuam vivas na memória do país.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Kleber Mendonça Filho
Produção: CinemaScópio Produções, com coprodução da MK2 Productions, Lemming, One Two Films
Distribuição: Vitrine Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h40
Classificação: 16 anos
Países: Brasil, França, Holanda e Alemanha
Gêneros: drama, thriller político

15 setembro 2025

"O Agente Secreto" é o retrato crítico de uma sociedade sem memória

Filme estrelado por Wagner Moura, com direção e roteiro de Kleber Mendonça Filho, estreia em 6 de novembro nos cinemas brasileiros (Fotos: Vitrine Filmes e CinemaScópio Produções)
 
 

Marcos Tadeu
Parceiro do blog Jornalista de Cinema

 
"O Agente Secreto", novo filme de Kleber Mendonça Filho, foi selecionado para representar o Brasil no Oscar 2026 na categoria de Melhor Filme Internacional. O longa vem chamando atenção nos festivais internacionais e já coleciona prêmios como  Melhor Ator para Wagner Moura e Melhor Direção para Kleber em Cannes, além de Melhor Filme em Lima. 

Depois da vitória de "Ainda Estou Aqui" (2024) como Melhor Filme Internacional, cresce a expectativa de novas conquistas. Com estreia marcada no circuito comercial em 6 de novembro, com pré-venda a partir de 16 de outubro, assisti ao filme na abertura do Festival de Brasília, no último sábado.


A trama se passa em 1977. Marcelo (Wagner Moura), professor universitário especialista em tecnologia, que tenta deixar para trás um passado violento e misterioso, mudando-se de São Paulo para Recife em busca de recomeço. 

Ao chegar à capital pernambucana em plena semana de Carnaval descobre que está sendo espionado pelos vizinhos. O refúgio que esperava encontrar se revela um labirinto de perseguições.

Kleber Mendonça Filho (que também dirigiu "Bacurau" - 2019)  constrói uma estética pulsante para abordar um tema ainda atual: o apagamento de pessoas e memórias durante a ditadura. 

Desde as primeiras cenas, evoca ícones como Os Trapalhões, Chacrinha, Tarcísio Meira e Glória Menezes, situando o espectador num Brasil nos anos 1970, marcados por tensões políticas e culturais.


"O Agente Secreto" também remete à questão da identidade: a alternância entre Marcelo e Armando confunde o espectador, revelando como a repressão política forçava mudanças de nomes e vidas. O frevo e o Carnaval atravessam a narrativa, ora como festa popular, ora como pano de fundo de violências e possíveis assassinatos.

Com 2h40 de duração, divididas em capítulos, o longa mescla narrativa calma e peso histórico. A devoção ao cinema aparece em detalhes afetivos — como o filho de Marcelo, fascinado por tubarões, mas impedido de assistir ao clássico de Steven Spielberg — reforçando a relação íntima entre lembranças, família e a sétima arte, algo já presente em "Retratos Fantasmas" (2023).


Outro recurso marcante é o uso da morte de uma figura importante mostrada apenas por meio de jornais, um gesto que reforça a memória documental e abre margem para que o espectador imagine as circunstâncias do crime. 

Kleber já declarou apreciar esse tipo de recurso, pois permite dar continuidade à história sem precisar mostrar tudo em cena.

Se há um elemento que pode dividir opiniões, é o fato de Wagner Moura se desdobrar em mais de um personagem. Essa estratégia, embora potente, pode afastar parte do público da imersão. 


A escolha lembra o que M. Night Shyamalan fez em "Fragmentado" (2017), ao explorar como o tempo e as memórias moldam identidades distintas em um mesmo corpo.

Além de Wagner Moura, o elenco conta ainda com nomes conhecidos do cinema brasileiro, como Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, o mineiro Carlos Francisco. Alice Carvalho, entre outros.

"O Agente Secreto" reafirma o olhar político e sensível de Kleber Mendonça Filho, transformando a jornada de um homem em espelho da memória coletiva brasileira.


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Kleber Mendonça Filho
Produção: CinemaScópio Produções, com coprodução da MK2 Productions, Lemming, One Two Films
Distribuição: Vitrine Filmes
Exibição: estreia dia 06 de novembro nos cinemas
Duração: 2h40
Classificação: 16 anos
Países: Brasil, França, Holanda e Alemanha
Gêneros: drama, thriller político

17 abril 2024

"Guerra Civil" é uma homenagem ao fotojornalismo com fortes referências ao perigo do extremismo

Wagner Moura interpreta um jornalista que percorre os EUA com outros jornalistas mostrando o conflito que divide o país
(Fotos: A24/Divulgação)


Maristela Bretas


Uma superprodução que merece entrar numa disputa ao Oscar 2025 por roteiro, direção, interpretação e, em especial, fotografia, mesmo mostrando, sem filtro, as atrocidades de uma batalha fictícia. Este é "Guerra Civil", longa que estreia nesta quinta-feira (18) nos cinemas e já é sucesso de bilheteria nas salas dos EUA.

O filme faz referências bem claras ao ataque ocorrido no país, em 2021, com a invasão ao Capitólio. Ao mesmo tempo em que mostra como a desinformação e o extremismo de direita podem levar um país ao caos quando disputam ou tentam retornar ao poder. Lembra a situação semelhante ocorrida no Brasil em janeiro de 2023.


No elenco temos como protagonistas o brasileiro Wagner Moura (Joel), Kirsten Dunst (Lee) e Cailee Spaeny (Jessie), jornalistas que percorrem os Estados Unidos durante o intenso conflito que envolve toda a nação. O país se vê dividido entre o governo oficial, com sede em Washington, e grupos separatistas de importantes estados, como Califórnia, Texas e Flórida.

A violência toma conta das ruas, a população é massacrada e a imprensa perseguida. O presidente fascista, interpretado por Nick Offerman, se tranca na Casa Branca, protegido por soldados, e ilude seus seguidores com informações de que ele tem o controle da situação e a vitória é certa, "em nome da pátria, de Deus e dos americanos de bem".


Este é o cenário que o trio, acompanhado pelo experiente correspondente de guerra, Sammy (Stephen McKinley Henderson), vai enfrentar ao atravessar as zonas de conflito de uma ponta a outra dos EUA. 

Ao mesmo tempo, vai se deparar também com comunidades totalmente alienadas ao que está ocorrendo. O elenco bem afinado conta ainda com boas interpretações de Jesse Plemons (marido na vida real de Dunst), Nelson Lee (Tony), Sonoya Mizuno (Anya), entre outros.


O diretor e roteirista Alex Garland mostra Américas completamente opostas, mas violentas e cruéis em ambos os lados do conflito. A violência marca o longa do início ao fim, como esperado de uma produção do gênero, com muitas mortes e torturas. 

Mas ele soube explorar com excelência essas imagens por meio do fotojornalismo. "Guerra Civil" dá um show neste quesito, especialmente nas fotos em preto e branco, que expõem de maneira mais real a dor, a crueldade, o espanto, a morte, a perda e o desalento.

Cabe às fotojornalistas Lee e Jessie capturarem a essência do conflito e suas intérpretes, Kirsten Dunst e Cailee Spaeny, entregam um ótimo trabalho. Wagner Moura não fica para trás, no papel do jornalista que tenta manter o foco da cobertura dos fatos, mas se abalando quando ele e seu grupo de tornam alvo e sofrem as consequências do conflito. Os efeitos visuais também são muito bons, em especial os dos ataques dos envolvidos da disputa.


O roteiro de "Guerra Civil" é uma homenagem ao jornalismo e aos jornalistas que fazem coberturas de conflitos, correndo os mesmos riscos dos combatentes. O próprio Alex Garland defendeu em entrevista ao jornal "The Guardian" que "jornalistas não são um luxo, são uma necessidade. É importante que a imprensa seja livre, respeitada e confiável".

O filme, apesar de ser uma ficção de guerra, se aproxima muito da vida real. E qualquer país, onde o extremismo e a desinformação predominem, está sujeito a passar por esta situação. "Guerra Civil" é um longa que vale a pena conferir, de preferência em uma sala Imax, para aproveitar melhor a experiência cinematográfica da produção.


Ficha técnica
Direção e roteiro: Alex Garland
Produção: A24
Distribuição: Diamond Films
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h50
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: guerra, drama, ficção

05 janeiro 2023

"Gato de Botas 2 - O Último Pedido" é aventura, emoção e um olhar de derreter coração

Novamente dublado por Antônio Banderas, o famoso felino enfrenta seu pior inimigo (Fotos: Universal Pictures)


Maristela Bretas


Junte coragem, astúcia, um olhar carente de um felino e temos "Gato de Botas 2: O Último Pedido" ("Puss in Boots: The Last Wish"), que estreou em dezenas de salas de cinemas do país. 

E não é a toa que a mais recente produção da Dreamworks Animation tomou o espaço de vários outros lançamentos. A animação é divertida, emociona, tem aventura, romance, saudosismo e um roteiro que prende do início ao fim, com uma bela mensagem, como deve ser um bom conto de fadas.


Apesar de ser uma continuação, "Gato de Botas 2: O Último Pedido" não requer que o primeiro filme tenha sido assistido. Mas vale a pena conferir o anterior, de 2011, que foi indicado ao Oscar. 

Também vale rever "Shrek 2 e 3", quando o personagem fez sua primeira aparição e ganhou uma legião de fãs. Estas três animações com a presença do Gato de Botas arrecadaram juntas mais de US$ 3,5 bilhões em todo o mundo.


Fanfarrão, destemido, louco por leite, capaz de derreter o mais gélido dos corações, o Gato de Botas usa todas as suas armas para vencer os inimigos, conquistar seguidores e recuperar um grande amor perdido.

Mas tantas aventuras também cobram seu preço (e vidas). Agora, o Gato de Botas (novamente dublado por Antônio Banderas na versão original e Alexandre Moreno, em português) terá que enfrentar seu maior inimigo: a morte. 


E será ela que fará com que o herói reveja tudo o que passou e perdeu em suas andanças. Como todo felino, ele tem nove vidas, mas oito delas já foram perdidas (ou aproveitadas, depende do ponto de vista).  

E é esta última que ele precisa fazer de tudo para preservar, nem que seja se aposentando e virando um gato doméstico. Ou procurando a Estrela do Desejo, escondida na Floresta Sombria. 


Para isso, o destemido fora-da-lei terá de pedir ajuda a novos e velhos amigos, como o tagarela, incansavelmente otimista, Perrito (Harvey Guillen e ótima dublagem em português de Marcos Veras). 

Ele é o mais divertido e mais fofo (mesmo não sendo o mais bonito) da história. Além da ex-parceira e sedutora gata Kitty Pata Mansa (Salma Hayek/Miriam Ficher). 


Mas a Estrela do Desejo também é procurada por antigos inimigos de nosso espadachim de quatro patas e isso vai tornar a jornada bem mais perigosa e emocionante. 

Ótimas lutas, muita cor e adrenalina, a trajetória deste herói é relembrada em flashes de animações passadas que ele participou. Não poderia ser diferente em sua última vida. 

A ótima trilha sonora completa a produção e foi composta pelo brasileiro Heitor Pereira, responsável por sucessos como "Minions" (2015) e "Meu Malvado Favorito 3” (2017). 


Entre os inimigos estão Cachinhos Dourados (Florence Pugh/Giovanna Ewbank), uma engraçada versão dos Três Ursos - Mamãe (Olivia Colman/Isabela Quadros), Papai (Ray Winstone/Ricardo Rossatto) e Bebê Urso (Samson Kayo/Sérgio Malheiros), o gigantesco João Trombeta (Bernardo Legrand) e Lobo Mau (Wagner Moura), um caçador de recompensas.


A animação usa situações engraçadas, com personagens e objetos marcantes de contos de fadas famosos, que fazem o público relembrar a infância, como um certo sapatinho de cristal e um grilo falante.

Mas cuidado, o Gato de Botas tem uma arma capaz de destruir o pior dos inimigos: o arrasador olhar de gatinho pidão, difícil de resistir. Quer saber como? Vá ao cinema e confira esta  emocionante aventura. Uma excelente opção de lazer para a família nestas férias.


Ficha técnica:
Direção: Joel Crawford
Produção: DreamWorks Animation
Distribuição: Universal Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h42
Classificação: Livre
País: EUA
Gêneros: animação, aventura, família, comédia

31 outubro 2021

História, ação e ideologia fazem de “Marighella” um filme imprescindível

Filme dirigido por Wagner Moura traz o cantor e ator Seu Jorge interpretando um dos maiores inimigos da ditadura militar brasileira (Fotos: Factoria Comunicação/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Pode ser que uns e outros não gostem. Mas fica claro, desde o início, que no filme “Marighella", direção de Wagner Moura, o personagem é apresentado e conduzido como o grande inimigo da ditadura militar, valente defensor da democracia e da liberdade. A posição política do diretor é explícita e talvez venha daí a honestidade do longa que, em 2h35 minutos, narra os últimos cinco anos do líder da ALN – Ação Libertadora Nacional. 


A produção, filmada na Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, estreia nos cinemas no próximo dia 4 de novembro, há exatos 52 anos do assassinato de Marighella. Passou por importantes festivais pelo mundo - Berlim, Seattle, Hong Kong, Sydney, Santiago, Havana, Istambul, Atenas, Estocolmo, Cairo -, além de cerca de 30 exibições em países dos cinco continentes, e terá pré-estreias a partir do dia 1º de novembro em todo Brasil.


O recorte da biografia do político, escritor e guerrilheiro baiano no filme vai do golpe militar de 1964 até 1969, quando ele foi assassinado numa emboscada nas ruas de São Paulo. Mostrado como aglutinador, inteligente, criativo e corajoso, Carlos Marighella é interpretado na medida por Seu Jorge, que tem se revelado, além de cantor, um ator de talento, sempre expressivo quando seu rosto é explorado em closes.

Carlos Marighella (esquerda) é interpretado por Seu Jorge (direita)

É impossível sair ileso do filme, que entra em cartaz nos cinemas do Brasil com dois anos de atraso, segundo consta, por problemas provocados pela Ancine – Agência Nacional do Cinema – que fez de tudo para barrar a exibição do primeiro trabalho do ator Wagner Moura na direção, mesmo depois dele ter sido aplaudido de pé no Festival de Berlim, em 2019. 


“Marighella” é essencialmente didático e nitidamente popular, capaz de prender e emocionar pessoas das mais diferentes idades e - quem sabe - ideologias. E pode até agradar os que apreciam filmes de ação e tiroteios. Veja o vídeo especial sobre quem foi Marighella clicando aqui.


Baseado na biografia escrita por Mário Magalhães em 2012, o roteiro do longa - de Felipe Braga e Wagner Moura - é enriquecido com uma sacada inteligente: como eram muitos os guerrilheiros liderados por Marighella, os atores que os interpretam no filme aparecem com seus próprios nomes, como se representassem todos eles. 

Assim, Humberto Carrão, por exemplo, é o jovem guerrilheiro Humberto; Bella Carneiro simboliza a presença feminina como Bella, Henrique Vieira marca a atuação da igreja no movimento como frei Henrique e assim por diante.


Estão também no elenco artistas experientes e brilhantes como Bruno Gagliasso, convencendo satisfatoriamente como o desprezível Lúcio, delegado e torturador; Herson Capri como o empresário de imprensa Jorge Salles, Luiz Carlos Vasconcelos como o militante maduro Branco, e Adriana Esteves (em papel pequeno, mas marcante) como Clara, a mulher de Marighella.


É preciso destacar ainda a perfeita reconstituição de época do filme. Impossível não perceber que todos se locomovem de Fusca ou de Rural Willys, por mais perigosa que seja a ação. Outro destaque é a trilha sonora que, desde o início, mostra a que veio com hip hops de letras engajadas.


Mesmo que pareça parcial, mesmo que seja uma homenagem a um homem que nem todos admiram e aplaudem, “Marighella” é um filme imprescindível por colocar nas conversas o nome de alguém que não entrou nos livros de História do Brasil, apesar de ter lutado e morrido pelo que acreditava. Não dá para desprezar a trajetória de alguém que vivia repetindo: “Não tenho tempo para ter medo”.


Ficha técnica:
Direção: Wagner Moura
Exibição: nos cinemas
Produção: O2 Filmes / Globo Filmes / Maria da Fé
Distribuição: Paris Filmes / Downtown Filmes
Duração: 2h35
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gêneros: Drama / Biografia

20 abril 2020

"Sergio": um filme para ver em tempos de mediocridades

A breve e exemplar história de um verdadeiro herói brasileiro (Fotos: Netflix/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


É bem possível que digam que o filme "Sergio" foi demasiadamente romanceado. Em cartaz desde 17 de abril no Netflix, o longa estrelado magistralmente por Wagner Moura narra boa parte da brilhante carreira do brasileiro Sérgio Vieira de Mello, diplomata que comandou missões importantes na ONU - Organização das Nações Unidas - até morrer num atentado à sede da instituição em Bagdá, em 2003. O ato terrorista foi assumido na época pela Al Qaeda, em que morreram mais 21 pessoas. E, é bom salientar, não é a primeira vez que o cinema se vale de romances para colorir e dar nuances a trajetórias de heróis, mártires e guerreiros.

De tão profícua, bonita e cheia de aventuras, a breve história de Sérgio Vieira de Mello talvez tenha levado o diretor e documentarista americano Greg Barker a dar peso e importância ao romance do diplomata com a economista e colega argentina Carolina Larriera que, depois, se tornaria sua mulher. Mas, de forma alguma, essa opção tira o foco ou desmerece o longa que, na verdade, faz um recorte da carreira do brasileiro.



O filme destaca sua passagem pelo Timor-Leste, mostrando seu jeito peculiar de lutar pela independência da colônia portuguesa do jugo da Indonésia. E, claro, focaliza sua última missão, num Iraque perdido e destruído após a queda de Saddam Hussein. Pode parecer pouco, para quem já tinha passado por trabalhos não menos espinhosos em Bangladesh, Camboja, Líbano, Bósnia, Kosovo e Ruanda. 

Wagner Moura e o verdadeiro Sérgio Vieira de Melo (D)
Mas é impossível contar uma vida tão rica num filme. Afinal, dirigir é também fazer escolhas, priorizar, mesmo que esse diretor seja um profundo conhecedor do personagem, como é o caso de Barker, que já dirigiu um documentário sobre o tema e nome - "Sergio" -, que também pode ser conferido no Netflix. Há tanta verdade, tanta química e tanta beleza no encontro amoroso entre Sérgio e Carolina, muito pela força e talento dos dois intérpretes, que, em vez de distrair, a relação reforça o idealismo do personagem. Além, é claro, de tornar mais acessível e humana uma trajetória que poderia tornar-se desinteressante se fosse contada de forma burocrática e linear. As belas cenas de amor e paixão do casal humanizam, dão leveza, cor e sabor ao filme.


Importante destacar: se a maioria dos brasileiros conhece de sobra o talento e virtuosismo de Wagner Moura, não se pode dizer o mesmo da atriz cubana Ana de Armas ("Blade Runner 2049" - 2017 e "Entre Facas e Segredos" - 2019) e, uma grata surpresa. Bonita e charmosa, ela compõe uma mulher forte que, por vezes, se fragiliza diante do trabalho quase obsessivo do parceiro, empenhado em missões humanitárias mundo afora. 

A opção por construir o roteiro em insistentes flashbacks, que podem até incomodar no início, mostra-se acertada ao longo da trama. Afinal, trata-se de uma história conhecida, em que todos já sabem o final. A forma, portanto, que imprime dinamismo à narrativa, acaba por prender o espectador, que vai conhecendo, aos poucos, detalhes da vida do diplomata, descobrindo sua sensibilidade e seu jeito de tratar como humanas questões que podem parecer meramente políticas. Destaque para a cena em que Sérgio se emociona ao conversar com uma artesã numa espécie de mercado no Timor-Leste. Impossível não se comover.



É por meio dessas idas e vindas, que o público fica sabendo, por exemplo, que Sérgio Vieira de Mello foi estudante em Paris, onde participou das históricas manifestações de maio de 1968, talvez uma semente plantada para transformá-lo, depois, no que ele viria a ser uma peça fundamental no trabalho da ONU, batalhador incansável pelos direitos humanos, às vezes disposto a conflitos com os poderosos como ocorreu com George W. Bush. Ficou faltando, nessa sequência lógica de flashbacks, alguma citação, uma referência mínima que fosse, à primeira mulher de Sérgio Vieira de Mello, mãe dos dois filhos dele que aparecem no filme.



Pode-se gostar ou não do roteiro, do romance, da forma. Mas é inegável a riqueza do conteúdo de "Sergio". Em tempos como o que vivemos, onde se destacam líderes egoístas e incapazes de gestos de altruísmo e empatia, o exemplo de vida desse brasileiro que não teve tempo de viver sua aposentadoria no Arpoador, como planejava, não deixa de ser um alento.

PS: um dos produtores de "Sergio", junto com Wagner Moura, é o belo-horizontino Daniel Marc Dreifuss, que trabalha na Califórnia.



Ficha técnica:
Direção: Greg Barker
Produção: Netflix
Duração: 1h58
Gêneros: Drama / Biografia
País: EUA
Classificação: 12 anos 

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