23 setembro 2020

"O Diabo de Cada Dia" é feito de religião, violência e vingança

Robert Pattinson é uma das atuações de destaque da produção, ambientada entre o final da Segunda Guerra Mundial e a do Vietnã (Fotos: Glen Wilson/Netflix)

Jean Piter Miranda


A religião destrói vidas de muitas formas e na maior parte do tempo ninguém vê isso. Talvez essa seja a essência do filme “O Diabo de Cada Dia”, do diretor Antonio Campos, disponível na Netflix. O longa é uma adaptação do livro escrito por Donald Ray Pollock - "The Devil All The Time", no original. A história gira em torno da família de um veterano de guerra, um casal que comete assassinatos em série e um falso pregador.

 

A história se passa em cidades pequenas do interior dos Estados Unidos, e se inicia mais ou menos no fim da década de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial. Willard Russell (Bill Skarsgård) volta da guerra, se apaixona por uma garota, se casa e tem um filho. 
 
 
Arruma trabalho e segue com o sonho americano de ter uma família feliz. Mas os problemas que aparecem fazem grandes estragos na vida deles. E a busca cega por soluções por meio da fé acaba não funcionando e só pioram tudo. 
 
Em uma história paralela, Carl Henderson (Jason Clarke) se casa com Sandy (Riley Keough) e os dois cometem assassinatos em série por puro prazer. Sandy, por sinal, é irmã do xerife Lee Bodecker (Sebastian Stan), um policial corrupto.


 

Na segunda fase do filme, o filho de Willard, Arvin (Tom Holland), já quase adulto segue morando com os avós em outra cidade. E lá são introduzidos os personagens Roy Laferty (Harry Melling) e Preston Teagardin (Robert Pattinson), dois pregadores. Roy, aparentemente perturbado. Preston, claramente mau-caráter. Ambos vistos como bons homens pela comunidade.


A princípio, tem-se a impressão de que as histórias estão desconexas. O esperado é que se liguem ou, pelo menos, se cruzem em algum momento. E é o que acontece. O filme tem um narrador onipresente e onisciente, que vai guiando o espectador. Não há joguinhos de mistérios nem quebra-cabeças para intrigar quem assiste. Tudo é muito claro, simples e direto. Isso não é ruim. Ao contrário, é um dos pontos positivos do longa. 



Em todas as histórias temos a morte como componente, ou a falta dela. O que fazem ou deixam de fazer em nome de Deus, sempre, claro, com objetivos bem egoístas. Destaque para a atuação de Robert Pattinson como um pregador inescrupuloso. Ele rouba todas as atenções quando está em cena. Tom Holland atua de forma consistente e faz com que o público esqueça que ele é o Homem-Aranha.

 

São várias as mortes no filme e muita violência, boa parte dela motivada por vingança, que atrai mais vingança. Assim como abismo atrai abismo, as histórias vão se ligando, de forma bem estruturada e convincente. O diretor não cria absurdos para unir os dramas. A narrativa convida o espectador a torcer para que os pecadores sejam punidos.

 

 

O diretor não se propõe a dar um final feliz para trama, nem é moralista a ponto de fazer com todos os crimes sejam julgados e penalizados. Uma característica que a gente vê em muitos filmes norte-americanos onde, no fim, quem comete crime, não importando o motivo, acaba sendo punido. Em "O Diabo de Cada Dia", ninguém parece ser herói, muito menos santo. Todo mundo tem seus erros e seus crimes e pra quase tudo há justificativa.

As atuações estão ótimas. O elenco é brilhante e conta ainda com as participações de Mia Wasikowska, Haley Bennet e Eliza Scanlen. É o tipo de filme que divide opiniões. Ou gosta ou não. Dificilmente vai ter meio termo. Não é uma obra prima, mas é bem bom, bem acima da média pra quem vê com boa vontade. 

 

 

Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Antonio Campos
Exibição: Netflix
Produção: Netflix / Nine Stories / Max Born
Duração: 2h18
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: Suspense / Drama


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17 setembro 2020

"Espírito de Família" é uma boa oportunidade pra aprender a gostar de comédia francesa

  Alexandre e o pai Jacques precisam acertar os erros do passado, mesmo após a morte do segundo (Fotos: A2 Filmes/Divulgação)


Jean Piter Miranda


A história é bem simples. Alexandre Vient (interpretado por Guillaume de Tonquédec) acaba de perder o pai. E como já dá pra imaginar, o próximo passo é o velório, o enterro e o reencontro com a família para dividir os bens. Sim. Mas não é tão previsível assim. O corpo foi e o espírito ficou, pelo menos para Alexandre, que vê e fala com pai. O que não é nada normal. E claro, isso preocupa o restante da família. Isso resume bem o que é “Espírito de Família” ("L'Esprit de Famille").


O novo filme do diretor e roteirista Éric Besnard, de "O Sentido do Amor" (2016) e "Cash: O Grande Golpe" (2008), está disponível a partir desta quinta-feira para aluguel e compra, com cópias nas versões dublada e legendada, nas  plataformas digitais: NOW, Looke, Microsoft, Vivo Play, Google Play, iTunes e Sky Play.



Alexandre é o protagonista. Escritor. Um cara que ao que parece está sempre ocupado, sem tempo para a família. Só se preocupa com suas obras. Não dá atenção a ninguém, por isso é visto como uma pessoa muito egoísta. Até o dia que seu pai Jacques (papel feito sob medida para François Berléand) morre e a ficha cai. 


Tem os processos burocráticos para formalizar a morte do pai e a divisão dos bens com a mãe (Josiane Balasko) e os irmãos, interpretados por Jérémy Lopez e Marie-Julie Baup. É um misto de luto com revisão do passado, já que seu pai está ali, o tempo todo, conversando com ele. E ainda acertar os ponteiros com a esposa Roxane (Isabelle Carré).



Nem precisa dizer que o filme propõe uma vaga reflexão sobre ser ocupado demais e não aproveitar a vida, a família, os amigos. É bem isso e tudo já fica claro logo nas primeiras cenas. Não há quebra-cabeças, não há mistérios nem pontos pra se ligar. É isso. Alexandre sempre se dedicou a escrever livros, foi bem-sucedido nisso e pagou o preço sendo ausente com as pessoas que amava. Amava e não se dava conta, até que o pai morreu.


Tem a volta pra casa da infância, algumas poucas memórias e alguns diálogos que mostram como foi a relação entre pai e filho. Não é fácil rir do que se vê. Os diálogos entre Alexandre e seu pai, as situações constrangedoras que passa por isso, entre outros momentos. É um outro tipo de comédia. Quem está acostumado com o gênero estadunidense pode estranhar e até mesmo nem achar graça.



Se comparada com comédias dos EUA, o filme tem semelhanças e diferenças. Lembra de “Click”, de 2006, que tem Adam Sandler no papel principal? Ou de “Um Homem de Família”, com Nicolas Cage como protagonista? Então. O Alexandre, de “Espírito em Família”, não é tão carismático nem tão engraçado. Dá até pra achar que o caminho será igual, mas não é. O filme francês não força essa barra pra fazer com que o personagem seja amado. É tudo mais natural.


“Espírito em Família” tem cenas que podem ser vistas como bem bobas e até mesmo incompreensíveis. Cenas que, ao que parecem, o diretor tentou que fossem engraçadas ou até memoráveis, como o piquenique em família na praia. São momentos que não estão prontos e não são fáceis de se capturar à primeira vista. O humor é cultural e não se absorve do dia pra noite. Está ali, mas não é qualquer um que vai pescar.



As lembranças mostradas são bem poucas. As dicas dadas pelo diretor vão formar uma ideia de como foi a infância de Alexandre, a relação com os pais e os demais familiares. Isso torna um tanto difícil sentir empatia pelo protagonista, pra quem está acostumado com comédias norte-americanas, que exploram bem esse recurso para provocar emoções nos expectadores. “Espírito de Família” só indica o caminho e deixa o resto com o imaginário do público.


Não há grandes conflitos na história nem pico de emoção, reviravolta ou coisa do tipo. É até meio previsível tudo o que vai acontecer. Tem a beleza das paisagens, a poesia da volta pra casa dos pais, o acerto de contas com as pessoas que ama e mais alguns clichês. Sim, tem clichês. Uns mais sutis, outros mais notáveis, e estão todos ali, bem à vista. Numa história leve de se digerir, com trilha sonora americana e personagens bem franceses. É um bom aperitivo pra aprender a gostar de cinema francês.




Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Éric Besnard
Distribuição: A2 Filmes
Duração:1h30
País: França
Gêneros: Comédia / Drama

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