Mostrando postagens com marcador @CinemanoEscurinho. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador @CinemanoEscurinho. Mostrar todas as postagens

20 março 2025

"Milton Bituca Nascimento" – Uma ode a um gênio

Homenagem foi gravada em diversos países durante a turnê de despedida do cantor e compositor
(Fotos: Gullane+)


Wallace Graciano


Nos últimos anos, poucos artistas tiveram um reconhecimento tão completo de seu legado quanto Milton Nascimento. Dono da voz mais marcante da nossa música, a qual Elis Regina certa vez disse que “se Deus tivesse voz, essa seria a do Milton”, o artista teve uma série de homenagens que tentavam traduzir bem o impacto que nos causou a cada música. 

E talvez esse seja o grande mérito de "Milton Bituca Nascimento", dirigido por Flávia Moraes, que se apresenta como uma ode à vida e ao legado de um dos maiores ícones da música mundial.


Longe de ser apenas um registro de uma turnê de despedida, o filme é um tributo emocionante, uma viagem poética pela alma e história de um artista que marcou profundamente a cultura mundial.

Desde o primeiro instante, o filme deixa claro que não se trata apenas de um retrospecto cronológico da carreira de Milton. Em vez de seguir uma estrutura convencional, a narrativa se desenrola como um mosaico, entrelaçando depoimentos, imagens de arquivo e momentos da turnê final. 

Figuras icônicas como Spike Lee, Chico Buarque, Gilberto Gil, Simone, Paul Simon, Quincy Jones, Sérgio Mendes e Caetano Veloso oferecem visões complementares sobre o impacto de Bituca.


A direção sensível de Flávia Moraes captura não apenas a imponência da música de Milton, mas também sua profunda humanidade. Os cenários de sua jornada internacional, de Los Angeles a Veneza, refletem momentos de descoberta e conexão, mas também carregam a melancolia de um ciclo que se encerra. 

Para além, ela teve a brilhante ideia de contar com a presença de Fernanda Montenegro como narradora. Sua voz forte e carregada de emoção conduz o público por memórias e reflexões, intensificando o tom poético da narrativa.


O Legado de Bituca: Arte e Resistência

Milton Nascimento sempre foi mais do que um cantor: ele é um símbolo de resistência e identidade. O documentário não deixa de abordar as raízes profundas de sua arte, inserindo sua trajetória no contexto histórico do Brasil. 

A influência da colonização e da escravidão no cenário cultural do país é ressaltada, mostrando como sua obra floresceu como um grito de esperança e transformação.


A década de 1970, marcada pela repressão da ditadura militar, é um dos momentos mais intensos do filme. Milton e seus contemporâneos, como Gilberto Gil, Chico Buarque e Caetano Veloso, enfrentaram a censura com canções que se tornaram hinos de liberdade.

A música de Bituca, como um rio subterrâneo, sempre encontrou maneiras de emergir e tocar aqueles que precisavam de esperança.


A despedida, tema central do documentário, é tratada com grande delicadeza. Mais do que o encerramento de uma carreira, é um momento de reflexão sobre o significado da música e do legado que permanece. 

Com sua humildade característica, Milton convida o público a compartilhar sua jornada final, revelando suas emoções, medos e gratidão.


Ficha técnica:
Direção: Flávia Moraes
Roteiro: Marcelo Ferla e Flávia Noraes
Produção: Gullane, Canal Azul, Nascimento Música e Claro
Distribuição: Gullane+
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h59
Classificação: 10 anos
País: Brasil
Gênero: documentário

19 março 2025

Disney acerta em CGI de animais, mas peca como musical em "Branca de Neve"

Rachel Zegler e Gal Gadot dividem o protagonismo do novo live-action  da Disney dirigido por Mark Webb (Fotos: Walt Disney Pictures)


Maristela Bretas


Os irmãos Grimm, autores da famosa obra "Branca de Neve e os Sete Anões" não devem estar nada satisfeitos em seus túmulos com a nova produção da Disney, "Branca de Neve" ("Disney's Snow White"), que estreia nesta quinta-feira (20) nos cinemas. 

Não bastassem as muitas polêmicas nas redes sociais (uma delas até envolvendo o filho do diretor, que não gostou do filme), a produção deverá deixar muito espectador que acompanhou o desenho na infância, como eu, decepcionado com este novo live-action.


Apesar de ter classificação livre, o longa é um musical, com algumas belas canções, mas cansativo e até chato em certos momentos, o que não deve prender a atenção das crianças. 

Para elas, o atrativo serão os bichinhos animados que vivem na floresta encantada. Eles são fofos e carismáticos, têm vida no olhar e movimentos, ao contrário do que houve com os animais de "O Rei Leão" (2019). 

Desta vez o estúdio acertou, o cervo, os coelhinhos, os passarinhos e o simpático ouriço valem o filme. Outro ponto que agrada, o visual com cores vivas e alegres, contrastando com o reino tomado pelas sombras após a Rainha Má assumir o poder. Muitas cenas são reproduções bem próximas do desenho.

Desenho" Branca de Neve e os Sete Anões",
 de 1937 (Walt Disney Pictures)

A produção também recupera algumas canções de "Branca de Neve e os Sete Anões", de 1937, como "Heigh Ho" (conhecida em português como "Eu Vou"), que marcou gerações e foi a primeira animação da Disney. Esta é uma versão com poucos recursos, mas com encanto, que vale muito a pena conferir. Está disponível no Disney+.

Para quem não conhece a história, Branca de Neve era uma princesa que tinha uma vida feliz, até perder seus pais e virar uma escrava de sua madrasta má que tenta matá-la por inveja de sua beleza. Na floresta onde se esconde, conhece novos amigos que vão ajudá-la a recuperar o reino.


Mas parou por aí. Falei em polêmicas e uma delas é sobre a comparação da beleza de Branca de Neve, interpretada pela colombiana Rachel Zegler ("Amor, Sublime Amor" - 2021), com a da Rainha Má, papel de Gal Gadot ("Mulher Maravilha" - 2017). 

A explicação do "Espelho, Espelho Meu" é tão míope quanto ele e só funcionou para os produtores. Gadot é muito mais bonita, mas não convence cantando. 

Já Zegler não tem uma beleza tão grande, mas vai ganhando a simpatia do público a partir do meio da animação e está mais à vontade cantando muito bem e entregando boa interpretação. Além de formar um par romântico simpático com o ladrão e rebelde Jonathan (Andrew Burnap).


Por trás da história de fantasia, há uma abordagem, às vezes sutil, outras nem tanto, dos sentimentos e traumas dos personagens. Branca de Neve vive o dilema de não conseguir se tornar a líder que seu pai, o rei, disse que ela seria um dia. Mas tem coragem e bom coração, briga por seus direitos e pelo reino e não depende de um príncipe no cavalo branco para salvá-la. 

A Rainha Má, por sua vez, é caricata, histérica e dependente de um espelho mágico (Patrick Page) para se sentir eternamente bela e poderosa. A empatia da personagem é zero, salva apenas pela interpretação de Gadot, mas até nisso perdeu para sua antecessora que foi mais marcante.


Sem falar nos sete anões, cada um com seu dilema, especialmente Dunga (Andrew Barth Feldman). Mas todos são bem simpáticos, até mesmo o rabugento Zangado (Martin Klebba). 

Além deles temos Dengoso (Tituss Burgess), Atchim (Jason Kravits), Mestre (Jeremy Swift), Feliz (George Salazar) e Soneca (Andy Grotelueschen). Mais uma polêmica, uma vez que todos foram criados por computação gráfica, no lugar de usar pessoas com nanismo. 

Para quem já esteve nos parques da Disney, uma das cenas com os Sete Anões é a reprodução do brinquedo Seven Dwarfs Mine Train, no Magic Kingdom, em Orlando, que é ótimo. Agora é conferir nos cinemas e contar pra gente o que achou do novo "Branca de Neve".


Ficha técnica:
Direção: Marc Webb
Produção: Walt Disney Pictures
Distribuição: Disney Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h49
Classificação: Livre
País: EUA
Gêneros: fantasia, musical, aventura

17 março 2025

"Parthenope - Os Amores de Nápoles": estranho, mas belo e comovente

A protagonista, que dá nome ao longa, é interpretada pela modelo Celeste Dalla Porta a partir da adolescência (Fotos: Paris Filmes)


Mirtes Helena Scalioni


Impossível sair impune depois de assistir a "Parthenope: Os Amores de Nápoles", não por acaso um filme que tem sua origem na Itália, não por acaso a terra das artes e da beleza. Em uma direção tão peculiar quanto estranha, o não por acaso napolitano Paolo Sorrentino ("A Mão de Deus" - 2021) mistura mitologia, moralidade, filosofia, maternidade, hipocrisia, tempo, religião, academicismo, antropologia, suicídio e alguma bizarrice para fazer um recorte na vida da bela Parthenope, jovem que, de certa forma, carrega a própria beleza quase como um fardo. 


A personagem é interpretada pela modelo Celeste Dalla Porta e, na maturidade, por Stefania Sandrelli. A jovem carrega em seu nome a lenda mitológica da sereia que dá origem ao nome da cidade de Nápoles. Ela usa a sedução para conquistar os homens ao seu redor, incluindo os proibidos.

Junte-se a tudo isso, paisagens deslumbrantes daquela região, com suas praias e rochas, além de exploração quase abusiva de belos corpos expostos ao sol - às vezes lembrando peças de propaganda. 

Para completar, uma trilha sonora que inclui "Gira", um samba-batuque do Trio Ternura de 1973; "My Way", na voz inconfundível de Frank Sinatra, e, claro, lindas canções italianas embalando casais em noites enluaradas.


No que você está pensando? Essa é a pergunta mais frequente do filme, que acompanha a trajetória de Parthenope em busca não só de uma carreira acadêmica como professora de Antropologia, mas também de respostas para a própria vida. 

Enquanto estuda e se diverte, ela convive com o cínico escritor norte-americano John Cheever, vivido por Gary Oldman, e seu professor e orientador da faculdade, Devoto Marotta, interpretado por Silvio Orlando.


Misterioso e, às vezes, irônico, o longa, roteirizado pelo próprio Sorrentino, é repleto de frases de efeito, como se o objetivo fosse confundir o espectador ou - quem sabe - fazê-lo pensar. A heroína, nascida na década de 1950, é libertária e dona absoluta da própria vida. 

Mas ela carrega uma culpa pela morte do irmão Raimondo (Daniele Rienzo) com quem mantinha uma relação incestuosa e dividida com o amigo de infância Sandrini (Dario Aita).

Nápoles é, de certa forma, uma personagem do filme com seus conflitos e dualidades. Além das paisagens enfatizando um azul profundo do mar, não faltam ruelas, casebres, gente feia e miséria. 


Em certo momento, a diva do cinema Greta Cool (Luisa Ranieri), em discurso que parece ser a inauguração de um navio, decreta, com todas as letras: "Vocês, napolitanos, são deprimidos e não sabem. São pobres, desgraçados e retrógrados e se orgulham disso". 

Estão ainda no elenco, em participações ao redor de Parthenope, Antonino Annina como Raimondo criança, Rivardo Copolla como Sandrino criança, Peppe Lanzetta, no papel do bispo, entre outros nomes do cinema italiano.


Outro personagem forte do filme é o cigarro, constantemente nas mãos e bocas de quase todos os personagens, sejam eles velhos ou jovens. Há quem enxergue traços até de Fellini em "Parthenope: Os Amores de Nápoles". 

Teatral e fantasioso, o longa de Paolo Sorrentino pode chocar com suas bizarrices, causando inevitável estranhamento no espectador. Mas, certamente, o público vai sair do cinema bastante comovido. Além de cheio de perguntas.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Paolo Sorrentino
Produção: Pathé Films, A24, FremantleMedia, The Apartment Pictures
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h17
Classificação: 16 anos
País: Itália
Gêneros: drama, romance, fantasia

15 março 2025

"Vitória", mais um brilhante trabalho da insuperável Fernanda Montenegro

Filme conta a história de uma idosa que filmou e denunciou o tráfico e a corrupção policial na comunidade
 ao lado de seu prédio (Fotos: Sony Pictures)


Maristela Bretas


Para a diva do teatro, TV e cinema, Fernanda Montenegro, parar de atuar é uma situação que está longe de acontecer. Depois de encerrar, com perfeição, o sucesso "Ainda Estou Aqui" no papel de Eunice Paiva no final da vida, a atriz estreou essa semana nos cinemas o filme “Vitória", do diretor Andrucha Waddington ("Sob Pressão" - 2016).

E o público pode esperar mais da Fernandona, como é carinhosamente chamada. É dela a narração perfeita e pontuada do emocionante documentário "Milton Bituca Nascimento", que estreia dia 20 nos cinemas. Este está sendo, definitivamente, o ano das 'Fernandas', Montenegro e Torres, mãe e filha.


"Vitória" conta a história de coragem, força e resiliência da idosa Joana Zeferino da Paz, a Dona Nina. Cansada de assistir à rotina diária de traficantes e policiais corruptos que aterrorizavam a comunidade ao lado de seu apartamento em Copacabana, ela decide filmar e denunciar às autoridades tudo o que acontece no local. Sua denúncia colocou fim a esse esquema na época.

Idosa, sozinha e de poucos, mas fiéis amigos, não admitia injustiças, especialmente contra crianças. Seu protegido foi Marcinho (ótima atuação de Thawan Lucas), o garoto que ela tentou proteger da influência do tráfico. Uma frase dita por Dona Nina exemplifica bem sua posição: "O perigo não vem das crianças, vem da janela". 


A verdadeira Dona Vitória poderia se chamar Maria, como muitas outras mulheres comuns. "Teve força, raça e gana sempre", como diria Milton Nascimento. Alagoana, negra, aposentada e sempre batalhadora, aos 80 anos se cansou de conviver com a violência e o descaso das autoridades e resolveu agir.

Para ela, era um absurdo as pessoas se calarem diante de tanta corrupção, e a ideia de filmar o que acontecia foi a forma de conseguir provas para denunciar a situação, mesmo que isso significasse colocar sua vida em risco. 

Na busca pela paz e pelo fim dos tiroteios e balas perdidas diários que atingiam prédios e moradores, ela iniciou sua cruzada contando com o apoio do jornalista Fábio Godoy, muito bem interpretado por Alan Rocha. 


Destaque também para Linn da Quebrada, no papel de Bibiana, a moradora trans do prédio, que também se torna amiga de Dona Nina. No elenco temos ainda Laila Garin (a inspetora de Polícia Laura Torres), Thelmo Fernandes (o síndico Seu Osvaldo) e Marcio Ricciardi (Major Messias).

Chamam atenção também no filme as belas imagens de Copacabana, com suas praias e calçadões, em contraste com o cotidiano da violência armada dos morros, tão próximos. 

O som também é ponto importante na narrativa, desde o barulho do trânsito caótico das ruas, às velhas canções da MPB tocadas na vitrola de Dona Nina. E o mais angustiante deles, o das rajadas de metralhadoras e gritos que cortam a noite na vizinhança.


De Nina para Vitória

Mas, por que o nome Vitória? Após as denúncias feitas ao alto escalão da polícia e a história com as provas ser publicada nos jornais, Dona Nina precisou ganhar nova identidade, entrou para o Programa de Proteção às Testemunhas, mudou de endereço e passou a se chamar Vitória Joana da Paz. 

O filme é uma adaptação livre do livro "Dona Vitória Joana da Paz" do jornalista Fábio Gusmão, que publicou o caso em 24 de agosto de 2005, mas só revelou a nova identidade da personagem após sua morte em fevereiro de 2023, no livro. 

Segundo o autor, era desejo de Dona Vitória ser interpretada no cinema por Fernanda Montenegro, uma de suas atrizes favoritas.

A verdadeira Dona Vitória (Foto: Arquivo Pessoal)

Além de ser uma determinação por causa da proteção legal, a não divulgação foi uma promessa feita à amiga, mesmo Dona Vitória não se importando em ter o nome divulgado. Para ela, perder a identidade original era mais uma das muitas perdas sofridas ao longo da vida.

O cotidiano de solidão, falas e caminhadas mais lentas mostram bem a vida de Vitória, para quem uma simples xícara quebrada tinha um significado muito especial. Em vários momentos da trama, ela está tentando colar os pedaços da antiga peça de porcelana, como se estivesse fazendo o mesmo com sua vida. 

A velhice e a possibilidade de perder o pouco que tinha se refletem nos cacos da xícara que nunca mais vai ficar perfeita. Como ela.


"Vitória" é envolvente, tenso, real e atual ao abordar a criminalidade, o desrespeito aos idosos e a solidão. Fernanda Montenegro se expõe sem esconder as marcas e restrições na fala e movimentos de seus bem-vividos 95 anos. São estas características que reforçam e tornam sua interpretação mais forte e emocionante.

O roteiro do longa é assinado por Paula Fiuza e direção inicial de Breno Silveira, que infelizmente faleceu no início das filmagens. Foi substituído por Andrucha Waddington, que entregou um grande trabalho.

Assistir Fernanda Montenegro em ação é uma oportunidade imperdível, mais ainda três vezes no mesmo ano. Recomendo conferir nos cinemas os três filmes - "Ainda Estou Aqui", "Vitória" e, na próxima semana, "Milton Bituca Nascimento".


Ficha técnica:
Direção: Andrucha Waddington
Roteiro: Paula Fiuza e Breno Silveira
Produção: Conspiração Filmes e coprodução MyMama Entertainment e Globoplay
Distribuição: Sony Pictures
Classificação: 16 anos
Exibição: nos cinemas
País: Brasil
Gêneros: drama criminal

13 março 2025

"O Melhor Amigo" promete um amor quente na praia, mas entrega um solzinho morno

Comédia romântica dirigida por Allan Deberton se baseia no curta de mesmo nome que o diretor fez em 2013
(Fotos: Vitrine Filmes)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas nesta quinta-feira (13) o lançamento da Sessão Vitrine Petrobrás, "O Melhor Amigo". Com distribuição da Vitrine Filmes, o filme dirigido por Allan Deberton se baseia no curta de mesmo nome que o diretor fez em 2013. 

A novidade está no fato de que o curta, que poderia ser enquadrado como drama, pelo sentimento não declarado entre os personagens, se transformou um uma comédia romântica nesta versão de pouco mais de 90 minutos. 


De início, a música já sinaliza para o espectador o tom descontraído do filme. Vinícius Teixeira dá vida ao protagonista Lucas (no curta de 2013 o papel foi de Jesuíta Barbosa). Diante da incerteza sobre o relacionamento com Martim (Léo Bahia), Lucas viaja sozinho para Canoa Quebrada, no Ceará. 

De cara, esbarra em Estrela D'Alva (Cláudia Ohana), uma espécie de cigana que rapidamente identifica que o jovem tem questões sentimentais a resolver. A esotérica acerta, pois Lucas reencontra Felipe (vivido por Gabriel Fuentes), um velho amigo - e fica claro que a presença dele remexe sentimentos antigos. O tímido Lucas parece querer uma paixão intensa, se entregar ao amor, enquanto Felipe está em outra sintonia. 


A proposta de normalizar as relações LGBTQIAPN+ e criar um musical gay pode ser vista como positiva. Mas a execução também está fora de sintonia. As danças mais flertam com o trash do que com a Broadway, apesar da boa ideia de ressignificar canções dos anos 1980 e 1990, como "Mais Uma de Amor (geme geme)", da Blitz e "Escrito nas Estrelas", de Tetê Espíndola. 

A intenção parece ser a de criar um clima de desventuras afetivas para, no final, o amor vencer. Mas essa proposta de jornada para o protagonista parece ser amassada pela representação da disponibilidade do sexo fácil no universo LGBTQIAPN+. Lucas parece apaixonado por Felipe, que tem diversos empregos para sobreviver - de guia turístico a garoto de programa. 


Sem saber se será correspondido, parece querer punir o amado, se enfiando no quarto de outros hóspedes (Mateus Carrieri e Diego Montez) para uma noite de sexo a três. 

Fica o protagonista sem um arco que o sustente, e a imagem do mundo gay mais uma vez atrelada a corpos sarados e personagens afeminados que só servem para tirar risos do público. 

A tela acaba sendo preenchida com apresentações de drags, que estão naturalmente se exibindo num palco, e não para uma câmera. Aliás, parece faltar criatividade ao posicionamento dela, que fica estática em frente à cena a ser retratada, e só. 


Nem a presença de Gretchen no longa abre espaço para planos mais elaborados. A frustração marca presença também no momento em que o insistente namorado Martim aparece naquele paraíso litorâneo atrás de Lucas. Mas o indício de que a trama vai se movimentar se perde facilmente. 

E ali, em uma praia bonita com fotografia pouco explorada, se passa uma história que parecia ser a busca por uma paixão, mas termina num possível encontro consigo mesmo. Os motivos para a união dos protagonistas se esfarelar também ficam nebulosos, pois as personagens não são abordadas de maneira mais profunda. 


O mérito talvez esteja na coerência da direção: se no curta de 2013 não se sabe se o protagonista se declarou ao amado ou se algo mais aconteceu, aqui também não parece existir o interesse em buscar respostas para a origem ou fim de um sentimento ou de uma relação. 

Uma obra com as cores do Brasil, com um humor que reconhecemos, mas que, provavelmente, o público poderá taxar como mediana. 


Ficha Técnica
Direção: Allan Deberton
Roteiro: Allan Deberton, Raul Damasceno, Otavio Chamorro e Pedro Karam
Produção: Deberton Filmes, coprodução Telecine e Mistika
Distribuição: Vitrine Filmes
Duração: 1h34
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: Comédia romântica

12 março 2025

"Pequenas Coisas Como Estas" não aprofunda na história das cruéis Lavanderias de Madalena

Cillian Murphy entrega uma ótima interpretação, mas roteiro superficial desperdiça talento
(Fotos: O2 Play Filmes)


Maristela Bretas


"Pequenas Coisas Como Estas" ("Small Things Like These") tinha tudo para ser um filme sobre os horrores que ocorriam nas lavanderias de Madalena, asilos irlandeses que puniam as mulheres consideradas “fora do padrão”. Mas o roteiro fraco de Enda Walsh deixou o filme superficial e praticamente não explica direito o que era o local. 

Um desperdício do talento de Cillian Murphy, que mesmo ótimo no papel, não segura a produção. O filme estreia nesta quinta-feira (13) no Cineart Ponteio, Cinemark Pátio Savassi e Una Cine Belas Artes. 

Mesmo ele sendo um dos produtores, junto com Matt Damon e Ben Affleck, o filme foca praticamente o tempo todo no dilema do personagem de Murphy, quando deveria explorar os horrores destes asilos irlandeses. 


Ambientado na Irlanda, em 1985, a história gira em torno de Bill Furlong (Cillian Murphy), um respeitável comerciante de carvão e madeira, filho de uma mãe solteira, que leva uma vida simples com a família. Ele vive com a família na pequena comunidade irlandesa de New Ross, controlada pela Igreja Católica Romana e seus silêncios. 

Durante o período de Natal, Bill faz uma descoberta perturbadora sobre as Lavanderias de Madalena, local comandado pela Irmã Mary (Emily Watson). Ele encontra a jovem Sarah (Zara Devlin) aprisionada em um galpão de carvão, vítima de punições impostas às mulheres pela Igreja por serem consideradas "fora do padrão". 

Este encontro provoca um conflito interno no comerciante, que confronta suas próprias memórias de infância, repletas de pobreza e sonhos não realizados. 


Prisões religiosas

Após uma pesquisa básica na internet foi possível saber mais sobre o tema do que o apresentado no roteiro do filme. Nestes locais, iniciados em 1756 e que persistiram até 1996, mulheres eram obrigadas a trabalhar intensamente, incluindo longos períodos de oração e silêncio forçado. 

As casas eram locais de punição e funcionavam como prisões para jovens rebeldes (as chamadas "mulheres perdidas"), com deficiência física e mental, mães solteiras e suas filhas, vítimas de estupro e aquelas que se acreditava possuir caráter duvidoso como as prostitutas. Os filhos das grávidas eram tomados e colocados para adoção.


Adaptado da obra literária de Claire Keegan e que venceu o Prêmio Orwell, um dos mais importantes da Inglaterra na escrita política, "Pequenas Coisas Como Estas" tinha um tema muito forte que poderia ter sido melhor explorado. 

São os belos e profundos olhos azuis de Cillian Murphy que contam as histórias e a rotina do lugarejo, além de cenas das locações. Mas não foram suficientes e o filme se torna arrastado, apesar dos 90 minutos de duração, e até mesmo o final, previsível desde o início, ficou a dever.


Ficha técnica:
Direção: Tim Mielants
Produção: Big Things Films, Wilder Content, FilmNation Entertainment
Distribuição: O2 Play Filmes
Exibição: Cineart Ponteio, Una Cine Belas Artes e Cinemark Pátio Savassi
Duração: 1h38
Classificação: 12 anos
País: Irlanda
Gênero: drama

11 março 2025

“Máquina do Tempo” promete prender o público com viagens temporais e Segunda Guerra Mundial

Com imagens em preto e branco, longa aborda a criação, por duas irmãs, de um dispositivo que permite obter informações do futuro (Fotos: Pandora Filmes)



Eduardo Jr.


Estreia no dia 13 de março o longa “Máquina do Tempo” ("Lola", 2022), dirigido por Andrew Legge e distribuído pela Pandora Filmes. A obra aborda a criação de uma máquina que permite obter informações do futuro e, com isso, é utilizada por suas descobridoras para interferir na Segunda Guerra Mundial. 

A estética pode ser lida como ponto positivo ou negativo da obra. A filmagem no estilo “found footage” (ou “filmagem encontrada”, traduzindo do inglês) está presente em cenas que simulam gravações feitas pelas protagonistas, as irmãs Thomasina (Emma Appleton) e Martha (Stefanie Martini). 


O longa foi realizado com câmeras e lentes autênticas da década de 1930 e processado em um tanque de revelação de 16mm da era soviética. Por isso as imagens em preto e branco, granuladas – e, por vezes, escuras demais, impactando a leitura das cenas pelo espectador. 

Na trama, as duas irmãs constroem uma máquina que intercepta transmissões de rádio e TV do futuro. Após o fascínio com a produção cultural que ainda surgiria (entre as descobertas estão The Kinks e David Bowie), vem a ideia de utilizar a tecnologia como elemento transformador do cenário provocado pela Segunda Guerra, ocorrida entre 1939 e 1945. 


O espectador pode se lembrar de alguns títulos do passado diante da proposta de “Máquina do Tempo”: conhecer canções que não existem naquele mundo pode remeter a “Yesterday” (2019), filme em que o protagonista se torna ‘autor’ de clássicos dos Beatles, já que ninguém conhecia os quatro rapazes de Liverpool. 

Ver o futuro e intervir no que está para acontecer pode lembrar “Minority Report” (2002). Já a temática de alterar a realidade sem pensar nas consequências disso no futuro pode trazer à tona memórias de “Efeito Borboleta” (2004). 


É interessante ver na tela duas mulheres se colocando como donas do jogo, acompanhar o romance que se põe no fundo, e mais ainda, ser apresentado a cenários hipotéticos acerca do conflito entre a Alemanha de Hitler e o restante da Europa. Mas para além do resultado da guerra, todo mundo sai perdendo - afinal, o que seria de um mundo em que não há um David Bowie? 

Esta ficção científica é uma provocativa produção irlandês-britânica, que vem chamando a atenção. O filme, que é a estreia de Andrew Legge na direção de longas, foi indicado ao prêmio Swatch de Melhor Primeiro Filme no Festival de Locarno em 2022. 

Se podemos dar alguma dica sobre este filme, lá vai: não perca, pois não dá pra voltar no tempo e rever essa obra tão interessante. 


Ficha técnica:
Direção: Andrew Legge
Roteiro: Andrew Legge e Angeli Macfarlane
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h19
Classificação: 14 anos
Países: Irlanda, Reino Unido
Gêneros: Ficção científica, guerra, drama

08 março 2025

"Carcaça": suspense frágil e superficial

Paulo Miklos e Carol Bresolin formam o casal que vive uma relação abusiva durante a pandemia
(Fotos: California Filmes)


Silvana Monteiro


"Carcaça" se apresenta como um suspense psicológico ambientado em um cenário pandêmico, mas rapidamente se transforma em um labirinto de pesadelos e decisões questionáveis. Dirigido por André Borelli, o filme aposta em uma atmosfera claustrofóbica e na tensão entre um casal isolado, formado por Paulo Miklos e Carol Bresolin.

Infelizmente, a produção tropeça no que poderia ser seu maior trunfo: a descoberta e a libertação. O longa-metragem já está disponível nas plataformas de aluguel Vivo Play, Prime Vídeo, Claro Vídeo, Google Play, Apple, Net Now, Youtube e Total Play.


A trama, repleta de armadilhas narrativas, não serve para aprofundar a história ou conectar os pontos de maneira eficaz. Em vez disso, cria expectativas que se frustram repetidamente. A sinopse — “Durante uma pandemia, uma jovem descobre o segredo sombrio de seu parceiro possessivo, desencadeando uma luta desesperada por liberdade” — promete um mergulho nos segredos obscuros de um relacionamento abusivo em meio ao isolamento, mas não cumpre esse promissor objetivo. 

O que se vê na tela é uma sucessão de cenas oníricas que diluem a tensão, desviando-se do que se espera de um suspense consistente. A repetição exaustiva de sequências de pesadelo, onde a protagonista acorda abruptamente, mina a imersão e torna a narrativa previsível.


Para os aficionados por fotografia, assistir ao filme no mudo pode ser uma experiência satisfatória. O preto e branco bem trabalhado serve como pano de fundo para a falta de contexto narrativo. 

Embora a escolha da monocromia seja acertada, sua conexão com a história é frágil, marcada por lapsos e vácuos narrativos. As cenas em planos detalhe, plongée e contra-plongée que exploram as sensações dos protagonistas oferecem momentos visualmente interessantes, mas não o suficiente para sustentar a narrativa. 


A ausência de um contexto pandêmico claro — seja Covid-19 ou outra doença — desperdiça a oportunidade de explorar as angústias e paranoias específicas de uma determinada crise sanitária.

O segredo do personagem masculino carece de profundidade, não justificando o suspense pretendido. A hesitação do roteiro em explicitar esse segredo cria um vazio que dificulta a conexão do espectador com a angústia da protagonista. O resultado é uma sucessão de cenas que repetem os mesmos artifícios na tentativa de hipnotizar e intrigar, mas sem sucesso.


A câmera, sob um olhar masculino, fetichiza a protagonista, Carol Bresolin, por meio de closes e ângulos que sugerem uma tentativa de aprofundar questões sociais relacionadas aos relacionamentos abusivos. Contudo, essa abordagem se desdobra como um mosaico desencaixado, sem uma história sólida para sustentá-la e sem transmitir uma mensagem social coerente.

"Carcaça" se perde em suas próprias ambições, resultando em um suspense inconsistente e superficial. A falta de coesão entre as escolhas narrativas e visuais, a repetição exaustiva de pesadelos e a objetificação da protagonista tornam a experiência frustrante. 

Em termos técnicos, o formato teatral, juntamente com as fisionomias cênicas e microexpressões de Miklos e Bresolin, ainda conseguem capturar a atenção.

E sim, mulheres, corram de segredos sombrios em parceiros abusivos.


Ficha técnica:
Direção: André Borelli
Distribuição: Califórnia Filmes
Exibição: nas plataformas de aluguel Total Play, Apple TV, Youtube, Vivo Play, Prime Video, Claro-Vídeo, Claro-TV, Google Play
Duração: 1h10
Classificação: 18 anos
País: Brasil
Gênero: suspense psicológico

06 março 2025

Robert Pattinson é um trabalhador totalmente descartável em "Mickey 17"

Novo longa do diretor Bong Joon-ho aborda a exploração do trabalhador, clonagem e doutrinação religiosa (Fotos: Warner Bros. Pictures)


Maristela Bretas


Não me interpretem mal, a intenção foi justamente dizer o contrário. Robert Pattinson está excelente como Mickey Barnes, o trabalhador que assina um contrato para se tornar descartável no filme "Mickey 17". 

A produção estreia nesta quinta-feira (6), com distribuição da Warner Bros. e traz no elenco Mark Ruffalo, Toni Collette e Steven Yeun. Todos sobre a direção do premiado Bong Joon-ho, de "Parasita" (2019).

Ambientado num futuro não determinado, com a Terra sofrendo as consequências da degradação ambiental, pesquisadores buscam outras opções na galáxia para iniciar novas colonizações. 


Mickey é um homem que perdeu tudo, deve a um mafioso, está ameaçado de morte e vê no projeto de recolonização sua única saída. Para acelerar o processo, candidata-se a ser um trabalhador "descartável". Mas faltou ler as "letrinhas" do contrato. 

Começa aí sua jornada de tarefas perigosas e mortais na colônia espacial. E a cada exemplar perdido, um novo clone de Mickey é criado a partir do DNA e das memórias do anterior, permitindo que o trabalho continue sem atrasos e indenizações, para alegria e sucesso dos contratantes.


Robert Pattinson ("The Batman" - 2021) está brilhante no papel, especialmente quando o Mickey de número 17 se depara com sua réplica posterior. Apesar de terem o mesmo DNA e pensamentos, os comportamentos dos clones são opostos e é ai que o ator mostra seu potencial.

Não bastasse a atuação do protagonista, temos os indicados ao Oscar, Mark Ruffalo ("Pobres Criaturas" - 2023), como o explorador e visionário Kenneth Marshall, e Toni Collette ("Hereditário" - 2018), no papel de Yifa, sua fiel esposa. 


Eles dominam as cenas quando aparecem, com personagens bem caricatos representando os patrões que consideram todo e qualquer trabalhador substituível de imediato. 

Para Marshall e Yifa, são dignos de entrar na colônia que estão criando apenas os brancos, ricos e de famílias que possam fazer grandes doações e aceitem os dogmas que pregam. Isso mesmo, "Mickey 17" fala de exploração do trabalhador e de seguidores por meio da doutrinação religiosa. 


Quanto mais apanham ou perdem bens ou pessoas, mais os fanáticos seguidores do pastor/empresário Kenneth Marshall acreditam que serão dignos de chegar ao planeta Niflheim (quase um Reino dos Céus). Por trás do pregador está a esposa que controla suas falas e domina toda a operação.

O elenco conta ainda com as boas interpretações de Naomi Ackie (“Star Wars: Episódio IX – A Ascensão Skywalker” - 2019), como a integrante da segurança da nave colonizadora e namorada de Mickey 17, e Steven Yeun ("Não! Não Olhe!" - 2022), no papel de Timo, único "amigo" de Mickey Barnes. Sem esquecer as criaturas alienígenas que habitam o novo planeta e que fazem toda a diferença na trama.


"Mickey 17" é uma produção intrigante, que reúne ficção científica, ação e comédia de humor ácido, adaptada do romance "Mickey7", de Edward Ashton. 

Além da doutrinação e da exploração do trabalho, a história também trata da questão moral da clonagem e dos perigos que a coexistência entre clones iguais pode representar para os planos dos criadores. 

Bons efeitos visuais, ótima direção e abordagem de temas bem atuais, mesmo sendo ambientado no futuro. E você, até onde iria para conseguir um emprego? Toparia ser "descartável" e morreria por ele? Confira "Mickey 17" nos cinemas e saiba onde sua escolha pode levar.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Bong Joon-ho
Produção: Warner Bros. Pictures, Plan B, Kate Street Picture Company
Distribuição: Warner Bros.
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h17
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: ação, ficção, comédia