Mostrando postagens com marcador @CinemanoEscurinho. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador @CinemanoEscurinho. Mostrar todas as postagens

24 dezembro 2025

“Tainá e os Guardiões da Amazônia - Em Busca da Flecha Azul" une aventura infantil e preservação da Amazônia

Animação usa linguagem educativa e divertida para conscientizar gerações sobre meio ambiente
(Fotos: Sincrosine Produções)
 
 

Maristela Bretas

 
Com estreia marcada para 25 de dezembro, em pleno Natal, "Tainá e os Guardiões da Amazônia – Em Busca da Flecha Azul" chega aos cinemas como uma animação brasileira que entende muito bem seu papel: entreter, educar e conscientizar, sem jamais perder o apelo lúdico necessário para dialogar com crianças — e também com adultos.

Dirigido por Alê Camargo e Jordan Nugem, produzido pela Sincrocine Produções e distribuído pela Paris Filmes, o longa tem classificação livre e se posiciona como uma obra pensada para todas as idades.  

Seu grande mérito está justamente no equilíbrio entre um tema urgente e delicado — a destruição da Amazônia — e uma narrativa leve, colorida e acessível, que transforma a conscientização ambiental em aventura.


Mesmo inserido em um contexto extremamente atual, marcado por mudanças climáticas, queimadas e desmatamento, o filme evita o tom panfletário. 

Os diretores apostam em uma linguagem educativa e bem-humorada, criando situações divertidas e diálogos simples, capazes de captar a atenção do público infantil sem subestimar sua inteligência. 

O resultado é uma animação que fala de preservação ambiental a partir da infância, entendendo que é ali que nasce a verdadeira mudança. 

A relevância do projeto ficou evidente com seu pré-lançamento durante a COP-30, em Belém, reforçando o compromisso da obra com a pauta ambiental e com a valorização da cultura amazônica. 


Essa conexão também se reflete no elenco de dublagem, que conta com nomes paraenses de peso. Fafá de Belém empresta sua voz à ancestral e sábia preguiça Mestra Aí, enquanto Juliana Nascimento dá vida à protagonista Tainá, trazendo carisma e energia à personagem.

Na trama, acompanhamos uma Tainá jovem, impulsiva e ansiosa, em pleno treinamento para se tornar uma Guardiã da Amazônia. Ao perder a Flecha Azul, artefato mágico que guia aqueles destinados à proteção da floresta, a heroína coloca seu próprio destino em risco. 

A partir daí, inicia-se uma jornada clássica de amadurecimento, repleta de encontros, aprendizados e desafios.


É nesse percurso que surgem alguns dos personagens mais carismáticos do filme. Catu, o macaquinho encrenqueiro dublado por Caio Guarnieri, é o grande responsável pelo alívio cômico; Pepe, o sábio urubu-rei vivido por Yuri Chesman, traz equilíbrio e reflexão; e Suri, a delicada e charmosa ouricinha rosa dublada por Laura Chasseraux, completa o grupo com ternura. 

A dinâmica entre eles funciona muito bem, especialmente nas cenas mais leves, garantindo ritmo e diversão. Unidos, eles aprendem a lidar com suas diferenças para formar os Guardiões da Amazônia, grupo que representa valores essenciais como amizade, cooperação e respeito à natureza. 


O filme ainda incorpora elementos do folclore brasileiro ao apresentar o temido Jurupari, figura lendária que assombra os animais da floresta, enriquecendo o universo narrativo. 

No entanto, a ameaça mais concreta e assustadora não vem da lenda, mas do mundo real: Jaime Bifão e seu trator, símbolo direto da devastação ambiental. 

É nesse ponto que a animação se mostra mais contundente, traduzindo em imagens simples e compreensíveis um problema complexo e urgente. Quando tudo parece perdido, resta gritar “Cru-cru” e confiar na coragem de Tainá — um gesto simbólico que reforça a esperança e o poder da ação coletiva.


Personagem criada nos anos 2000

Criada há 25 anos, Tainá retorna agora em um longa que foi idealizado antes da série exibida nos anos 2000, explicando suas origens, o início de seu treinamento e a formação do grupo que marcou uma geração. 

Para quem já conhece a personagem, há um agradável sentimento de nostalgia; para os novos espectadores, uma apresentação envolvente e atualizada. "Tainá e os Guardiões da Amazônia – Em Busca da Flecha Azul" é, acima de tudo, uma linda produção nacional, que honra sua proposta ao divertir enquanto educa. 

Um filme que fala sobre a importância de preservar a Floresta Amazônica sem perder a leveza, provando que o cinema infantil pode — e deve — ser também um espaço de reflexão e responsabilidade. 

Uma ótima escolha para o período natalino e um passo importante para o fortalecimento da animação brasileira.


Ficha técnica:
Direção:
Alê Camargo e Jordan Nugem
Roteiro: Gustavo Colombo
Produção: Sincrocine Produções e coprodução Tietê Produções
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h28
Classificação: Livre
País: Brasil
Gêneros: animação, aventura

21 dezembro 2025

"Avatar: Fogo e Cinzas" - novo capítulo deixa apagada a grande novidade

No campo técnico, o filme segue sendo um espetáculo, como nos dois filmes anteriores do diretor James Cameron (Fotos: 20th Century Studios)
 
 

Marcos Tadeu
Blog Jornalista de Cinema

 
"Avatar: Fogo e Cinzas" ("Avatar: Fire and Ash"), em cartaz nos cinemas, chega com a missão de manter vivo e relevante o universo criado por James Cameron em 2009, que teve sua continuação somente 13 anos depois, em 2022, com "Avatar: O Caminho da Água". 

A grande promessa deste terceiro capítulo é a introdução do Povo das Cinzas, um grupo de Na’vi que vive em regiões vulcânicas de Pandora, além da ampliação dos conflitos internos do planeta. 


O elenco também cresce, com reforços como Oona Chaplin, Edie Falco, David Thewlis e Trinity Jo-Li Bliss, o que aumenta a expectativa por um olhar mais denso sobre esse mundo.

A proposta inicial funciona. Levar a história para um território dominado pelo fogo sugere um clima mais tenso e a chance de explorar disputas culturais e morais entre os próprios Na’vi. O problema é que o filme não sustenta essa ideia. 


O Povo das Cinzas aparece pouco, é pouco desenvolvido e acaba reduzido a uma ameaça genérica. Falta tempo (apesar das 3h15 de filme) ou interesse em mostrar sua cultura, seus conflitos e suas motivações, o que enfraquece bastante o impacto dessa “grande novidade”.

Outro ponto que pesa é a sensação de déjà-vu. A estrutura do roteiro repete fórmulas já vistas nos filmes anteriores, com conflitos que se alongam demais e cenas que impressionam visualmente, mas que pouco fazem a história avançar. 

O tempo de duração joga contra o longa, criando momentos de cansaço e a sensação de que faltou coragem para enxugar e arriscar mais.


No campo técnico, o filme segue sendo um espetáculo. O design de Pandora, as criaturas, os ambientes vulcânicos e a imersão sonora continuam em altíssimo nível, com destaque para o trabalho de som liderado por Brent Burge e Gwendolyn Yates Whittle, os efeitos visuais supervisionados por Eric Saindon e a equipe de VFX conduzida por Simon Franglen, que também assina a trilha sonora. 

É um conjunto que funciona perfeitamente para criar impacto sensorial, embora, desta vez, ele sirva mais como sustentação estética do que como motor narrativo.

O maior problema está na forma como os conflitos são resolvidos. O filme insiste em soluções baseadas em laços familiares, perdão e revelações emocionais que diluem a tensão. Em vez de assumir consequências mais duras, a narrativa frequentemente recua, transformando embates que poderiam ser mais fortes em resultados seguros e previsíveis.


No fim, "Avatar: Fogo e Cinzas" entrega exatamente o que se espera da franquia em termos de espetáculo visual e experiência de cinema. Para os fãs, isso pode ser o suficiente. Mas, narrativamente, fica a sensação de oportunidade perdida. 

A nova mitologia não se desenvolve como deveria, o roteiro se apoia demais no que já funcionou antes e falta ousadia para levar Pandora a caminhos realmente novos. Vale pela grandiosidade, mas deixa a impressão de que esse fogo poderia queimar bem mais alto.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: James Cameron
Produção: 20th Century Studios e Lightstorm Entertainment
Distribuição: Disney Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 3h15
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: ação, fantasia, ficção, drama

17 dezembro 2025

Comédia “Perfeitos Desconhecidos” ganha versão brasileira, mas contraria o gênero

Produção nacional sob a direção de Júlia Jordão tem elenco conhecido de TV e cinema (Fotos: Desirée do Vale)
 
 

Eduardo Jr.

 
A lista de comédias nacionais ganha mais uma obra. O filme “Perfeitos Desconhecidos”, em cartaz nos cinemas, apresenta um grupo de amigos que decide brincar de expor todas as mensagens e ligações que receberem no celular. 

O longa, dirigido por Júlia Jordão, é uma das 24 versões do sucesso italiano “Perfetti Sconosciuti”, dirigido em 2016 por Paolo Genovese.  

A experiência para a imprensa já começa negativa, pois o link enviado pela distribuidora para os profissionais traz uma marca d’água, em tamanho gigante, que fica no meio da tela durante os 90 minutos do filme. 


Se o original italiano foi um sucesso, entrando para o Guinness Book como o filme com maior número de remakes da história, na versão brasileira o churrasco dos amigos que tentam provar que não têm o que esconder fracassa na tentativa de arrancar risos.

No elenco, Sheron Menezzes, Danton Mello, Débora Lamm, Gisele Itié, Fabrício Boliveira vão acumulando cenas nas quais o drama ganha maior proporção. E a atuação do casal adolescente vivido por Madu Almeida e Luigi Montez consegue, no máximo, irritar o espectador.  

A história tem ares de adaptação teatral, poderia facilmente ser transportada para os palcos. Carla e Gabriel (Sheron e Danton) acabaram de se mudar para uma bela casa, e recebem os amigos para apresentar o espaço: o solteirão pegador João (Boliveira), e o casal vivido por Luciana (Gisele Itié) e Paula (Débora Lamm). 


O atrito começa quando a filha dos anfitriões, Alice (Madu Almeida), se irrita com o controle da mãe sobre sua vida e o uso do celular. Ela diz que não tem nada a esconder, e que duvida que os adultos tenham coragem de deixar os celulares desbloqueados com todo o conteúdo à disposição. 

Aí vem a sequência de apitos de mensagens que tentam criar tensão, apresentando pistas falsas e deixando no ar os possíveis segredos de cada um. Com sonoplastia discreta e a câmera atuando de forma quase didática em alguns momentos, a obra entrega zero momentos engraçados. 

Mais uma obra de comédia brasileira. Porém, na categoria de filmes esquecíveis. 


Ficha Técnica:
Direção: Júlia Jordão
Produção: Quitanda Filmes, coprodução Arpoador Filmes e Sony Pictures
Distribuição: Sony Pictures
Duração: 1h31
Exibição: salas da rede Cineart e demais cinemas
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gênero: comédia

12 dezembro 2025

"Sorry, Baby" reflete sobre o impacto de uma agressão sexual na vida de uma mulher

A cineasta e roteirista franco-americana Eva Victor também protagoniza este drama que narra sua própria experiência no passado (Fotos: A24)
 
 

Patrícia Cassese

 
No dia 19 de novembro deste ano, a Organização Mundial da Saúde divulgou dados apontando que cerca de 840 milhões de mulheres em todo o mundo já sofreram algum episódio de violência doméstica ou sexual ao longo da vida. 

Na ocasião, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da agência especializada da ONU, lembrou que, por trás de cada um desses corpos que compõem a estatística, uma vida foi alterada para sempre. 

O número, claro, pode ser muito maior, já que muitas vítimas sequer denunciam as agressões sofridas. Em cartaz no Cineart Ponteio e demais cinemas, "Sorry, Baby", primeiro longa-metragem da cineasta e roteirista franco-americana Eva Victor, tem como espinha dorsal justamente um caso de abuso. 


No caso, impetrado por um homem do círculo de convívio da vítima - o orientador da tese da personagem central, a estudante Agnes, interpretada pela própria Eva, hoje com 31 anos.

Embora o início da narrativa flagre a personagem passados alguns anos do fatídico episódio, não demora para que o espectador tenha a contextualização dos eventos que antecederam esse momento. 

Agnes é abusada pelo professor/orientador Preston Decker (Louis Cancelmi) durante um encontro na casa do docente, teoricamente articulado por uma revisão de alguns pontos do trabalho da garota - o qual, aliás, ele tece elogios. A câmara não mostra exatamente o que acontece ali dentro. 


O detalhamento possível (posto que um acontecimento desse impacto não raro turva a mente da vítima) chega ao público por meio do relato de Agnes à amiga com a qual divide a casa, Lydie (Naomi Ackie). 

De todo modo, a diretora marca pontos ao, no momento em que a violência se desenrola, fixa a câmera diante da parte frontal da residência de Decker, passando a sinalizar a passagem das horas pela variação cromática que marca o dia. 

A sequência encerra-se com a noite já caída, quando Agnes sai apressada e extremamente nervosa da casa, preocupada em amarrar os cadarços de suas botas e sem olhar para trás. 


Corroborando as palavras do diretor da OMS, citadas no início da matéria, naquele dia, a vida de Agnes é, pois, alterada para sempre. Ao contrário das mulheres que silenciam, porém, ela resolve sim, se submeter a um exame de corpo de delito até para ter subsídios em uma eventual denúncia contra o agressor. 

As perguntas protocolares do médico - sim, um homem - encarregado do atendimento já deixam claro que Agnes não vai encontrar, ali, a guarida necessária. 

Mais tarde, ao tentar levar o caso à própria instituição de ensino, a jovem se depara com outra barreira: horas antes, a pretexto de ir morar em Nova Iorque, o agressor se desligou do quadro de funcionários da universidade. Assim, como o relato da dicente se dá após a saída dele, eventuais sanções profissionais não podem mais ser aplicadas por lá.


Em um misto de raiva, dor, impotência, Agnes chega a pensar em soluções extremas, embora não leve o plano que lhe acorre à cabeça a cabo. Resta-lhe, pois, seguir tocando a vida, ainda que as implicações do ocorrido sigam assombrando a garota, num compasso demarcado com muita sagacidade pela diretora. 

Inclusive na escolha dos figurinos pós-evento, severos, marcados por tons sombrios, fechados, e de modelagem ampla, inclusive "masculinizada" - como se fosse uma saída inconsciente para que seu corpo deixe de provocar desejo nos homens.

Neste percurso, várias nuances de uma agressão sexual são abordadas de forma muito competente. Caso da reconexão de Agnes com a possibilidade de afeto, ativada quando, no meio de um trajeto, se depara com um filhote de gato. Ou seja, um ser que demanda cuidados. 


Ou, ainda, de uma situação inusitada e específica que envolve o felino. Da mesma maneira, quando ela entende ser o momento de tentar reativar a pulsão sexual, que foi bruscamente interrompida. 

Há uma cena particularmente curiosa, quando a jovem, escolhida para compor um corpo de jurados, pede ao tribunal que seja dispensada, por ter vivido uma situação de violência que pode influenciar em suas deliberações. 

Ao ser instada a falar mais detalhes, ela pontua que não quer compartilhar o episódio que sofreu com estranhos. No entanto, em outra cena, é a um estranho - um homem que vende sanduíches - que a socorre em um ataque de pânico que ela resolve se abrir um pouco. Aliás, atenção para esse diálogo, muito contundente e assertivo.


A palavra "sorry", do título, é proferida durante o filme mais de uma vez, inclusive na já referida situação envolvendo o gato. Mas é no final, quando Agnes estabelece uma conversa com um interlocutor muito particular (não dá para citar pormenores), é que o filme endossa o que já de certa forma já estava no cerne da conversa com o vendedor de sanduíches, com a amiga de vida e mesmo com o vizinho de casa. 

Se não há nada que possa afastar o mal de nosso caminho, que pelo menos seja possível encontrar pessoas que possam nos ajudar a reunir forças para seguir adiante.


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Eva Victor
Produção: High Frequency Entertainment, Big Beach, Tango Entertainment, Pastel
Distribuição: Mares Filmes e Alpha Filmes
Exibição: Cineart Ponteio e rede Cinemark
Duração: 1h44
Classificação: 14 anos
Países: Espanha, França
Gêneros: drama, comédia

27 novembro 2025

Premiado documentário “Apolo” traz aos cinemas paternidade trans e violência institucional

Casal também faz do longa um registro para o filho que vai chegar, apresentando o mundo que o espera
(Fotos: Divulgação)
    
 

Eduardo Jr.

 
“O que eu era antes de eu ser?”. A provocação nos primeiros segundos de tela, que parece vinda de um bebê ainda no ventre, dá o tom do documentário brasileiro “Apolo”. 

O filme, produzido pela Capuri Filmes e distribuído pela Biônica Filmes, chega aos cinemas dia 27 de novembro e marca a estreia da atriz Tainá Müller na direção, realizada em parceria com a atriz e artista musical Ísis Broken, que também estreia como diretora e é protagonista da obra. 

O casal transgênero Ísis e Lourenzo apresentam o dia a dia da gestação de Apolo. A espera pelo bebê e a busca por cuidados arremessa na vida do casal uma série de episódios de preconceito e transfobia. Tudo porque a normatividade não está preparada para ver o pai, um homem trans, gerar uma criança.

Além de normalizar diferentes configurações familiares, alertar sobre práticas discriminatórias endossadas pelo Estado e valorizar o amor livre, o casal também faz do longa um registro para o filho que vai chegar, apresentando o mundo que o espera.    


E o mundo que Apolo vai encontrar é retratado de forma crua, sem filtros. Apesar de os parentes de Ísis e Lourenzo acolherem o casal, em outros ambientes as experiências vividas geram revolta no espectador (aquele com um mínimo de humanidade). 

São situações que vão do não reconhecimento do nome social no sistema de saúde à violência de chamar uma pessoa gestante de “coisa”.   

Só quando o casal deixa o interior e se muda para a capital São Paulo é que o atendimento especializado humanizado se apresenta. Uma demonstração de que o Estado precisa educar e preparar os profissionais para exercer a empatia, principalmente os que estão fora dos grandes centros urbanos. 

Outro desconforto da obra reside no campo da imagem. Os enquadramentos para os depoimentos soam infantis. Obviamente, são planejados, mas os personagens centralizados parecem ter posições demarcadas, demonstrando estarem pouco à vontade com a câmera observando as conversas. 


Apesar desses pontos, o documentário é sintonizado na esperança. A mesma esperança que muitas mulheres chefes de família (como a avó, a tia e a mãe de Ísis) cultivam a cada dia. 

A fotografia com luz mais quente, as referências à espiritualidade que sustenta o casal e a metáfora do amor no centro do universo são elementos que riscam da obra o clichê do relato de dor de quem é colocado à margem. 

O roteiro e a montagem também demonstram sabedoria. A exemplo da sequência da visita à família, carregada de euforia, seguida dos desafios da vida a dois, da primeira casa, de administrar um futuro em transformação.  

O diálogo está sempre presente no documentário. E é ele quem se veste de solução, até para dilemas pessoais, como a interrupção do uso de hormônios por Lourenzo durante a gestação. 

A situação mexe com o corpo dele, que vislumbra uma regressão no processo de transição e se vê desafiado sobre a amamentação. A conversa sincera com Ísis facilmente se configura como um dos momentos mais emocionantes da obra — eu disse ‘um dos’, pois a obra reserva cenas importantes até o final. 


Em suma, esta é uma obra que fixa imagens que a sociedade não está habituada a ver. Propõe reflexões sobre nossa postura diante do afeto LGBTQIAPN+. Nos apresenta alguns dos dramas de um casal transgênero e expõe violências institucionais que precisam ser tratadas para, então, viabilizar um futuro de respeito e igualdade. 

A estreia ainda vai acontecer, mas os prêmios já começaram a chegar. “Apolo” Foi premiado no Festival do Rio nas categorias Melhor Longa-Metragem Documentário e Melhor Trilha Sonora Original, realizada pelo músico Plínio Profeta. 

No 33º Festival Mix Brasil de Cultura e Diversidade, a produção conquistou o Coelho de Prata (Prêmio do Público) de Melhor Longa Nacional e uma Menção Honrosa do Júri na categoria de Melhor Longa-Metragem. 

“Apolo” e sua proposta de fazer refletir merece ser visto na telona. Cada um de nós precisa responder ao questionamento inicial do filme e outros, do tipo: um casal trans não pode amar? O bebê nascido de um casal trans também merece sofrer as mesmas violências que o pai e a mãe? Se somos uma sociedade que despreza e maltrata o que difere da gente, quem somos nós?    


Ficha Técnica:
Direção: Tainá Müller e Isis Broken
Roteiro: Tainá Müller, Tatiana Lohmann, Isis Broken, Lourenzo Duvale
Produção: Capuri, Biônica Filmes e Puro Corazón
Distribuição: Biônica Filmes
Duração: 1h22
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: documentário

25 novembro 2025

Os dilemas da maternidade pautam o sensível "Amada"

Filme italiano aborda os temores e anseios sob o ponto de vista de duas mulheres de idades e realidades
bem distintas (Fotos: Divulgação)
 
 

Patrícia Cassese

 
Em curso até o dia 29 de novembro e com acesso gratuito pelo site https://festivalcinemaitaliano.com, o Festival de Cinema Italiano traz, como de praxe, produções recentes que valem muito ser vistas, até pelo fato de que nem todas efetivamente entrarão em cartaz nos cinemas do Brasil. 

Entre as opções, um título aborda os temores e anseios que a perspectiva da maternidade provoca sob o ponto de vista de duas mulheres de idades e realidades bem distintas. Estamos falando de "Amada" ("Amata"), que, vale assinalar, é uma adaptação do livro homônimo de Ilaria Bernardini, com direção de Elisa Amoruso.


Nunzia (Tecla Insolia) é uma jovem de 19 anos, solteira, enquanto Maddalena (Miriam Leone), uma bem sucedida engenheira na faixa dos 40 anos, casada. Ambas sem filhos. No curso da narrativa, o momento vivido pelas duas é contado paralelamente, sem um ponto concreto de tangência. 

Morando em Milão, vinda da Sicília, Nunzia se divide entre os estudos, o convívio com as amigas com as quais partilha um apartamento e, coerentemente à idade, com os momentos de prazer desfrutados na pista de casas noturnas ou nos mais íntimos, com eventuais ficantes. 

Já Maddalena vivencia a frustração de não conseguir realizar o sonho de ser mãe. Não que não consiga engravidar, mas, sim, por conta dos sucessivos abortos espontâneos que sofre. 


Casada com Luca (Stefano Accorsi), um virtuose do piano, ela passa a se questionar quanto ao real desejo de ter um filho, aventando se as várias (e desgastantes) tentativas de gerar um ser em seu ventre não estariam vinculadas à expectativa de realizar o sonho do parceiro - e, por que não dizer, de se alinhar às regras tácitas da sociedade.

A um dado momento, Nunzia descobre estar grávida, acontecimento que se recusa a aceitar e até mesmo a compartilhar com o pai da criança, com quem, na verdade, não pretende estabelecer um compromisso. 

Sua primeira decisão é, pois, abortar, mas, ao chegar à clínica para realizar o procedimento, é informada que, de acordo com a legislação vigente no país, não poderá concluí-lo por vias legais, já que está na 13ª semana de gravidez (a Lei italiana 194 eventualmente permite o requerimento do procedimento até a 12ª). 


No entanto, Nunzia é informada quanto à existência de uma alternativa. Uma opção que, vale pontuar, se configura como uma nova versão da antiga "roda dos expostos". 

Trata-se do projeto La Culla Pela Vita ("O Berço Pelo Vida"), iniciativa real na qual a mãe pode entregar seu bebê anonimamente para a adoção, em certos hospitais ou paróquias da Itália. 

A dinâmica é simples: ela deposita a criança em um compartimento, que, na verdade, é rotatório. Naturalmente, o compartimento é totalmente preparado para este fim, constituindo-se internamente como uma espécie de "berço". 

Ao fechar a portinhola, um sensor avisa à instituição do ocorrido, fazendo com que o acolhimento ocorra em pouquíssimo tempo. A criança é, pois, de pronto encaminhada a uma unidade neonatal para exames e cuidados iniciais. Posteriormente, encaminhada à adoção.


Enquanto a hora do parto não chega, Nunzia vai burilando a ideia de se separar ou não da criança, enquanto Maddalena se debruça sobre as vantagens e riscos de recorrer à adoção, já que seu corpo, como um médico avisa, não aguentaria mais uma nova gestação. 

Neste percurso de angústia e indecisões, as duas se deparam com uma série de situações bastante familiares às mulheres, independentemente do argumento central do filme, a maternidade. 

Assim, se em alguns momentos encontram acolhida no interlóquio com outras companheiras de sexo, em outros, esbarram na incompreensão, na cobrança e na culpabilização. 

Grande parte do êxito do filme sem dúvida reside no fato de a direção ser de uma mulher, dada a necessidade precípua de uma compreensão acerca da miríade de sentimentos que invadem Nunzia e Maddalena no curso de suas respectivas jornadas. 



Com seu inequívoco lugar de fala, Amoruso oferece, ao espectador, um filme sensível e tocante, que vai fazê-lo torcer, pensar, refletir. O que, convenhamos, em se tratando do tema, não é pouco.

Vale dizer que, em entrevista à publicação Cinecittà News, voltada ao cinema, a diretora contou que foi precisamente a mensagem de grande solidariedade e irmandade entre duas mulheres que nunca se encontraram que a levou a escolher o livro como base do filme. 

"É precisamente para dizer às mulheres que devemos ajudar-nos umas às outras, que ainda vivemos tempos difíceis por uma série de razões; ainda não atingimos um nível de emancipação completa", declarou. Contradizê-la, quem há de?


Ficha técnica:
Direção: Elisa Amoruso
Roteiro: Ilaria Bernardini
Produção: Memo Films Indiana Production e Rai Cinema
Distribuição: Rai Cinema International Distribution
Exibição: gratuita pelo site https://festivalcinemaitaliano.com
Duração: 1h40
Classificação: 14 anos
País: Itália
Gênero: drama

24 novembro 2025

"Caçador de Marajás" resgata com graça e leveza a ascensão e queda de um presidente super-homem

Minissérie sobre Fernando Collor de Mello expõe disputas familiares, sexo, traições, poder, ciúmes, drogas, mentiras e muito dinheiro (Fotos: Globoplay)
 
 

Mirtes Helena Scalioni

 
Em um certo momento da minissérie "Caçador de Marajás", em cartaz no Globoplay, o conhecido escritor Eduardo Bueno, o Peninha, dispara: "Dessa vez, o roteirista carregou a mão. São dois irmãos poderosos brigando publicamente, sendo um deles o presidente do Brasil, enquanto a mãe agoniza num hospital, vítima de um AVC". E Bueno tem razão. 

Ex-repórter do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, ele foi um dos jornalistas que acompanharam de perto a ascensão e queda de Fernando Collor de Mello e, como todos, concorda que a vida do ex-presidente tem tintas de ficção, com todos os ingredientes que não podem faltar numa produção assim: disputas familiares, inveja, sexo, traições, poder, ciúmes, drogas, mentiras, mulher bonita e dinheiro - muito dinheiro. 


Além de Eduardo Bueno, a nata da crônica política da época está presente no documentário dirigido por Charly Braun, que assina o roteiro com Bruno Passeri, Guilherme Schwartsman e Miguel Antunes Ramos. 

Estão lá os grandes medalhões do jornalismo daquele tempo como Mônica Waldvogel, Mário Sérgio Conti, Dora Kramer, Joyce Pascowitch, Ali Kamel, Bob Fernandes, Eduardo Oinegue, Boris Casoy e o folclórico Sebastião Nery, entre outros. 

Também comparecem os amigos do ex-presidente como Luiz Estevão e Leleco Barbosa, o filho do Chacrinha, e até um desconhecido Stephany, o cabeleireiro de dona Leda.  


A forma leve - quase divertida - como a trajetória de Fernando Collor é contada faz com que o espectador reaja como se estivesse assistindo a uma série como "Succession", "Dallas" ou qualquer outra sobre disputa de poder. 

Numa sacada genial, os depoimentos das personalidades envolvidas e dos entrevistados são intercalados com pequenas incursões do debochado "Casseta e Planeta", grande sucesso daquele tempo. 

Sem falar de uma oportuníssima trilha sonora e de falas proféticas de uma ialorixá alagoana chamada Mãe Mirian. Para incrementar, informações de bastidores insinuam que o homem, embora bonito, chique e poliglota, era chegado sim em sessões de bruxaria com direito a sacrifícios de animais na famosa Casa da Dinda. 


O distanciamento é um ingrediente que agrega valor ao longa "Caçador de Marajás", que conta com detalhes como um desconhecido playboy alagoano se transforma em um forte candidato à Presidência da República em 1989, na primeira eleição por voto direto no Brasil depois do fim da ditadura. 

Estão lá a relação conflituosa com o irmão Pedro desde sempre, a união com a ricaça socialite Lilibeth Monteiro de Carvalho, a separação, o casamento com a quase debutante Rosane, a chegada de P.C Farias no esquema como tesoureiro de campanha, a correria desenfreada por todo o país a bordo de jatinhos ou helicópteros, a disputa com Lula e o famoso debate que o fez vencer as eleições. 


Parênteses para contar que a Rede Globo reconhece, hoje, que fez sim uma edição marota do confronto dele com o metalúrgico na noite anterior. 

Depois vieram as reformas e festas nababescas na Casa da Dinda, as mensagens das camisetas, os passeios de jet-ski, as corridas dominicais e, claro, o inesquecível e desastroso Plano Collor, que apresentou ao Brasil uma confusa economista chamada Zélia Cardoso de Mello, que confiscou a grana de todo brasileiro que tivesse no banco mais de 50 "dinheiros". 

Tinha também Cláudia Raia e Alexandre Frota, o casal que vestiu a camisa do candidato do PRN defendendo a ideia de que "ele não rouba porque já é rico e bem-nascido e não precisa do dinheiro do povo". E o ministério de notáveis - quem se lembra?


Como é que o Brasil foi cair nessa? - é o que se pergunta o espectador da série quando a máscara do presidente super-homem começa a cair assim que o país acorda com a entrevista bomba de Pedro Collor à revista Veja, uma das publicações mais respeitadas e confiáveis de então. 

A imprensa, aliás, é quase onipresença no documentário, com jornalistas contando como chegavam aos fatos, como investigavam às vezes mais do que a polícia, a concorrência em busca de furos, as vaidades. Na ocasião, Veja e Isto é disputavam a preferência dos leitores ditos esclarecidos.


Mesmo sabendo o final dessa história, vale muito a pena assistir ao documentário, nem que seja para recordar - sem saudade - que o nosso presidente foi o primeiro da América Latina a sofrer impeachment e que, aparentemente, nem se abalou com isso. 

Ou lembrar - com saudade - que a juventude foi às ruas vestida de preto para derrubar o homem que pedia dramático: "Não me deixem só". 

Vale até pipoca para maratonar os sete episódios e conhecer a desenvoltura da bela Maria Tereza, mulher de Pedro e, portanto, cunhada de Fernando, que rasga o verbo sem cerimônia em seus depoimentos. E também para relembrar que, no frigir dos ovos, o presidente acabou caindo por causa da compra de um inocente carro chamado Fiat Elba. 


Ficha técnica:
Direção: Charly Braun
Roteiro: Charly Braun, Bruno Passeri, Guilherme Schwartsmann, Miguel Antunes Ramos
Produção: Boutique Filmes e Waking Up Films
Distribuição: Globoplay
Exibição: Globoplay
Duração: 1ª temporada - 7 episódios - média de 60 minutos por episódio
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gêneros: série, documentário, política, história, biografia

23 novembro 2025

"Frankenstein", de Guillermo del Toro, discute solidão e busca por pertencimento

Longa dá um novo significado à criatura, longe da brutalidade que outras versões insistiram em perpetuar (Fotos: Netflix)
 
 

Silvana Monteiro

 
A mais recente adaptação de "Frankenstein", lançada pela Netflix, desloca o olhar tradicional para algo mais íntimo do que a mera oposição entre criador e criatura. Em vez de repetir o clichê do “monstro que aterroriza”, o filme investe naquilo que sempre foi seu núcleo mais humano: a busca pelo sentido da existência.

O grande mérito da obra está na forma como ressignifica a criatura. Longe da brutalidade que tantas versões insistiram em perpetuar, o ser renascido em laboratório pode estar vivo e pode estar morto, mas qual é o sentido de viver ou morrer, de fato? 


Sem se apoiar em explicações excessivas, o diretor Guillermo del Toro constrói um ritmo que abraça a contemplação. O que poderia ser apenas uma história sobre criação científica torna-se um ensaio visual sobre pertencimento. 

As escolhas de fotografia, sempre entre a penumbra e a luz filtrada, ajudam a materializar o sentimento de estar “entre mundos”: vivo, mas não nascido; consciente, mas sem raízes.

Em busca de respostas

Quando o médico Victor Frankenstein (Oscar Isaac) decide extrapolar seus conhecimentos e buscar uma sabedoria além da vida e da morte, ele não imaginava que as coisas poderiam sair do controle. Pelo contrário, embora testando, ele achava que dominava as práticas. 


Uma das maiores surpresas é a relação que se estabelece — ainda que fragmentada — entre a criatura (interpretada por Jacob Elordi), Victor Frankenstein e os demais personagens da história. Com dois deles em especial, há ainda desdobramentos muito mais incríveis que vão mexer com os sentimentos do telespectador. 

Em relação a Victor e o monstro, a obra tenta mostrar que, a sua maneira, cada um representa dois seres igualmente perdidos, ambos tentando lidar com a própria incapacidade de preencher o vazio que carregam. 

O filme sugere, com extrema sutileza, que há ainda um gesto final, uma forma de romper a cadeia que prende as almas e os corações, dos vivos e dos mortos. 


Nuances dos personagens

O interessante é que o roteiro se equilibra para não empurrar o espectador nem para a pena, nem para o medo. Em vez disso, é convidado a enxergar nuances: a criatura que observa o mundo com cuidado; o criador que tenta decifrar os danos que causou; a vida que escapa a qualquer forma de controle. 

A força da crítica social — presente em toda história de "Frankenstein" — aparece não como discurso, mas como camada: o que fazemos com quem não se encaixa? O que acontece com aqueles que não foram desejados, mas existem?


É nesse ponto que a obra conquista sua singularidade. O filme transforma a narrativa em uma reflexão sobre autonomia e humanidade. Sem recorrer a grandes revelações ou reviravoltas explícitas, a adaptação da Netflix entrega um filme que respira poesia nos intervalos das monstruosidades, seja dos humanos, seja das invenções criadas por mãos insanas.

Curiosidade

Acompanhando o lançamento do filme, o clássico absoluto da literatura gótica e do horror escrito pela jovem Mary Shelley em 1816 ganha nova edição ilustrada. O livro chega pelo selo Planeta Minotauro, com ilustrações de Amanda Miranda e apresentação de Cláudia Fusco. Reconstituído, como a própria criatura, esta edição especial quer atrair uma nova geração de leitores.


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Guillermo del Toro
Produção: Columbia Pictures e Netflix
Distribuição: O2 Filmes e Netflix
Exibição: Netflix
Duração: 2h30
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: drama, ficção, terror