![]() |
Hafsia Herzi e Isabelle Huppert protagonizam o instigante longa francês dirigido por Patrícia Mazuy (Fotos: Autoral Filmes) |
Patrícia Cassese
Logo nos primeiros momentos de "A Prisioneira de Bordeaux" ("La Prisionnière de Bordeaux"), filme da diretora e roteirista francesa Patrícia Mazuy em cartaz no Cine Una Belas Artes, os acontecimentos vistos em tela suscitam um ponto de interrogação na mente do espectador.
Numa penitenciária, vemos o encontro fortuito de duas mulheres de classes sociais distintas, que, no entanto, estão ali pelo mesmo motivo: visitar os maridos. Mas se são eles, os cônjuges, a estarem ali, encarcerados, por que o título cita "a prisioneira" - ou seja, no feminino e no singular?
A resposta só poderá ser obtida mais ao final da trama que, embora parecesse até dispensável pontuar, por estar evidente no nome da obra, se passa na cidade localizada a sudoeste da França.
Unidas pelo crime alheio
As duas personagens são vividas por Isabelle Huppert e Hafsia Herzi. A primeira encarna Alma Lund, uma mulher rica que, desde a prisão do parceiro, Christopher Lund (Magne Brekke), vive sozinha em uma casa recheada de obras de arte e memórias. O marido, diga-se, foi condenado após uma tragédia no trânsito.
Já a franco-tunisiana Hafsia Herzi dá vida a Mina Hirti, cujo companheiro Nasser (Lionel Dray), por seu turno, cumpre pena por um assalto sucedido por um confronto com a polícia que resultou na morte de seu comparsa.
Com dois filhos pequenos, ela tenta se desdobrar para dar conta de sustentá-los, driblando também os preconceitos que recaem sobre pessoas de ascendência árabe na Europa.
O encontro das duas se dá logo nas cenas iniciais, quando, ao se dar conta de que errou o dia da visita (estava, na verdade, agendada para o seguinte), Mina ensaia passar mal para tentar comover os funcionários da prisão de modo a deixá-la entrar. Assim, evitaria uma viagem em vão - mesmo porque, trata-se de um percurso longo, já que não mora nas cercanias.
Porém, a encenação de um desmaio, pífia que só, só faz despertar o olhar condoído de Alma, que, na sequência, vê Mina dormindo no banco da parada de ônibus e para o carro. A reação de Alma soa inusitada quando pensamos no mundo atual, em que desconfiamos das nossas próprias sombras e fugimos do contato com estranhos.
Amizade pouco crível
No entanto, inesperadamente ela convida Mina a passar a noite em sua casa (os filhos, pondera Alma, poderiam ficar sob os cuidados de alguma amiga), de modo a, no outro dia, ela não ter que enfrentar o desgastante deslocamento para, enfim, ver o marido.
Após hesitar, Alma assente e, daí, nasce uma amizade que, na vida real, nas condições colocadas na história, parece pouco, pouquíssimo crível. Não tarda e Mina propõe a Alma que se mude de vez para sua casa, levando também os filhos.
Com a presença dos três em casa, o cotidiano de Alma adquire cores. Em vez do silêncio vigente, a algazarra dos meninos, a quem Alma também acompanha na escola e com quem brinca. Radiante, a milionária trata de garantir um emprego para Mina na empresa do marido.
Tudo caminharia para uma convivência pacífica de uma nova configuração familiar não fosse a presença de Yacine (William Edimo), irmão do companheiro de Nasser morto no citado roubo.
Yacine empareda Mina e cobra dela uma posição quanto à localização de relógios que teriam sido obtidos por meio do assalto, mas que, com a prisão de Nasser, desapareceram, e com os quais ele poderia ganhar muito dinheiro. Acuada, Mina trama uma solução para se ver livre desse fantasma e poder seguir em frente.
O que se dá a partir daí fica reservado para quem for assistir ao filme. No entanto, cumpre analisar que, no material enviado pela assessoria de imprensa da distribuidora do filme, uma frase da diretora lembra que a amizade entre as duas personagens centrais foi desde o início pensado como o pilar da narrativa. "Mina defende Alma quando as mulheres na sala de visitas querem silenciá-la. Alma convida Mina para sua casa.
Relações construídas sob regras
Conduzido com delicadeza e, ao mesmo tempo, tensão, "A Prisioneira de Bordeaux" entra em cena no Brasil com um potencial enorme de atingir profundamente o público feminino.
E isso, não apenas por abordar a amizade entre duas mulheres de classes sociais bem distintas, mas, principalmente, por questionar a validade de algumas relações construídas sob regras de uma sociedade hoje em desconstrução.
Regras as quais muitos insistem em seguir por razões como o comodismo (mesmo inconsciente) e o receio justificável que atrela-se ao ensejo de grandes mudanças.
Não menos importante, a cena em que os amigos de Alma se dão conta da presença de Mina na casa, o que dá vez a uma série de comentários que demarcam bem o preconceito estrutural que paira sobre os imigrantes.
Vale reparar, ainda, na bela música que toca ao final, "Je Sens tu Mens", de Amine Bouhafa e Sarah McCoy, e que foi composta para o filme de Mazuy.
Ficha técnica:
Direção: Patrícia MazuyProdução: Rectangle Productions, Picseyes, coprodução ARTE France Cinéma
Distribuição: Autoral Filmes
Exibição: Cine Una Belas Artes
Duração: 1h48
Classificação: 14 anos
País: França
Gêneros: drama, ficção
Nenhum comentário:
Postar um comentário