15 maio 2025

Drama erótico e pitadas sobrenaturais compõem o estranho “Caiam as Rosas Brancas!”

A diretora Albertina Carri explica que a jornada de descobertas do grupo de mulheres inspira a estrutura do filme (Fotos: Boulevard Filmes)
 
 

Eduardo Jr.


Chega aos cinemas nesta quinta-feira (15) o longa argentino “Caiam as Rosas Brancas!”. Dirigido por Albertina Carri, com coprodução brasileira da Quarta-feira Filmes, o longa se define como um drama erótico, gravado parcialmente em São Paulo e Ilhabela. O filme não será exibido em salas de BH.

No longa, uma cineasta abandona o set de filmagem da produção após desistir da obra. Após fazer sucesso com um filme pornô, ela está em conflito com o conceito do atual projeto, e foge com as amigas lésbicas para o Brasil. 

O grupo chega a um lugar onde coisas estranhas acontecem. E esses acontecimentos vão alterando a percepção do grupo.


É possível enxergar uma militância no longa, já que o filme é recheado de mulheres que comandam seus próprios destinos, expressando amor e desejos sem pestanejar. Mas esta parece ser uma das poucas possibilidades (senão a única) de absorver algum sentido do roteiro.

Por mais que as cores vivas, o idioma espanhol e uma cena de sadomasoquismo possam fazer lembrar o cineasta Pedro Almodóvar, as atuações um pouco rígidas e a duração das cenas podem enfraquecer a paciência do espectador.


A promessa é de ação quando a aventura das quatro mulheres se aproxima de um road movie. Do nada, casais de mulheres se beijam como se não houvesse amanhã. 

No trajeto, o grupo se abriga na casa de um estranho, e entra em cena uma perseguição por motociclistas, e vem uma fuga da tal casa, e vem a perda (nada crível) de uma mochila… e por aí vai.

E vai de forma bem confusa - pois não deve haver outro termo além deste para definir uma mistura entre lésbicas, mistério, cinema e eventos sobrenaturais. 


A diretora já é conhecida por narrativas fora do comum (como “Géminis”, de 2005). E ela mesma declara que as descobertas e mudanças das mulheres no caminho percorrido em “Caiam as Rosas Brancas!” é que vão também transformando a narrativa.

O novo filme marca a segunda parceria da cineasta com a protagonista Carolina Alamino, com quem já tinha trabalhado no longa “As Filhas do Fogo” (2018). 


O elenco traz ainda a argentina Laura Paredes (Argentina1985” - 2022); a veterana espanhola Luisa Gavasa (“Maus Hábitos”, de Pedro Almodóvar - 1983); e a brasileira Renata Carvalho, atriz e militante trans, conhecida por seus papéis em “Os Primeiros Soldados” (2021) e “Salomé” (2024).  

O longa é distribuído pela Boulevard Filmes em codistribuição com a Vitrine Filmes. A brasileira Quarta-feira Filmes, uma coprodutora independente, sediada em São Paulo, tem como proposta reinventar processos e métodos de produção para criar filmes que celebrem a diversidade e a invenção.


Ficha técnica:
Direção:
Albertina Carri
Produção: Gentil Cine e El Borde (Argentina), Quarta-feira Filmes (Brasil) e Doxa Producciones (Espanha)
Distribuição: Boulevard Filmes em codistribuição com a Vitrine Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h03
Classificação: 18 anos
Países: Argentina, Brasil, Espanha
Gênero: drama erótico

07 maio 2025

"Virgínia e Adelaide" traz à tona a coragem e o pioneirismo de mulheres lutadoras

Longa-metragem é tão delicado, eficaz e didático que funciona quase como um documentário
(Fotos: Fábio Rebelo)
 
 

Mirtes Helena Scalioni

 
Adeptos da Psicanálise - sejam eles profissionais, pacientes ou meramente curiosos - certamente vão tirar proveito maior de "Virgínia e Adelaide", longa de Yasmin Thayná e Jorge Furtado produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre. 

Com roteiro enxuto e certeiro de Furtado, o filme que conta a trajetória da pesquisadora negra Virginia Leone Bicudo e da médica alemã Adelaide Koch estreia dia 8 de maio nos cinemas, prometendo esclarecer e resgatar o pioneirismo de duas mulheres visionárias e lutadoras.


São apenas duas atrizes em cena - Gabriela Correa, como Virgínia, e Sophie Charlotte, como Adelaide - o que leva o espectador a se sentir, em alguns momentos, como se estivesse num teatro. Não há ação, suspense nem tramas, mas o filme é tão delicado e didático que funciona quase como um documentário. 

Quem não sabe, vai ficar sabendo, minimamente, como funciona uma sessão de psicanálise, com seus silêncios, divã, sonhos, transferência, tempo lógico e palavras. Muitas palavras.


Tudo começa quando a paulista Virgínia Leone Bicudo, talvez paralisada e traumatizada após anos de enfrentamento de preconceito racial, procura a médica alemã Adelaide Koch, judia que chegou a São Paulo fugida da perseguição nazista de Hitler. 

Depois de muitas dúvidas e senões, Adelaide topa aceitar a nova cliente e, ao longo das sessões, o espectador vai descobrindo que há muito mais em comum entre elas do que se imagina. 


E é assim, lentamente, durante longos cinco anos, que a relação entre elas vai sendo transformada. As duas se tornam amigas, Virgínia ganha forças para enfrentar tudo e todos, faz também sua formação em Psicanálise, vive um tempo em Londres e se torna a primeira psicanalista brasileira.

No início, o público pode até estranhar o sotaque de Sophie Charlotte como Adelaide, mas a interpretação da atriz é tão convincente e natural que os diálogos passam a transcorrer naturalmente. 

Os diretores Jorge Furtado e Yasmin Thayná

Não se pode esquecer que embora tenha vindo para o Brasil aos sete anos, ela nasceu em Hamburgo, na Alemanha, e alguma coisa deve ter ficado com ela - no inconsciente?  Confira o vídeo do making off do filme clicando aqui

Gabriela Correa também brilha numa interpretação contida de mulher negra vítima de racismo disposta a mostrar ao mundo do que é capaz enquanto seu tratamento vai evoluindo, palavra por palavra, como convém à Psicanálise. Destaque para os figurinos irretocáveis de época, que ajudam a criar o clima para a história.


Como o filme se passa em sua maior parte na década de 1930, em alguns momentos fatos históricos como a ascensão do nazismo e do Estado Novo no Brasil são mostrados, levando o espectador a, quem sabe, traçar alguma similaridade ou paralelo entre eles. 

"O ódio é uma doença contagiosa", uma delas sentencia num dos diálogos. E a certa altura, Adelaide conclui: "Cada um sabe a hora de lutar ou correr". Elas lutaram. 


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Yasmin Thayná e Jorge Furtado
Produção: Casa de Cinema de Porto Alegre, coprodução Globo Filmes e GloboNews
Distribuição: H2O Films
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h35
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gênero: drama

05 maio 2025

"Screamboat - Terror à Bordo": uma canoa furada de muito sangue e violência e pouco riso

Willie, o rato assassino, é a versão repaginada para o terror de "O Vapor Willie", primeira animação do personagem Mickey com imagem e som sincronizados, lançada há 97 anos (Fotos: Imagem Filmes)
 
 

Maristela Bretas

 
Imagine a inocência dos primeiros desenhos animados do Mickey sendo brutalmente subvertida por uma onda de terror slasher. Essa é a premissa ousada e mal-sucedida de "Screamboat - Terror à Bordo", uma reimaginação sombria e sangrenta do clássico curta de animação "O Vapor Willie" ("Steamboat Willie"), que caiu em domínio público e deve estar fazendo o criador, Walt Disney, revirar no túmulo. Especialmente por ser primeira animação do personagem Mickey com imagem e som sincronizados, lançada há 97 anos.

O filme, feito para transgredir o original, do qual ele utiliza imagens até mesmo de Walt Disney, navega por águas turbulentas de violência gráfica, entregando uma experiência chocante, mas ruim. Daquelas produções que dá vontade de parar de assistir nos primeiros 10 minutos de projeção. 


E não porque muda a proposta da animação de 1928, mas por oferecer um protagonista que enjambrado, que parece um boneco de marionete dos Muppets. Só falta aparecerem as cordinhas. Uma figura mal feita, mesmo sendo o rato maligno interpretado por David Howard Thornton, conhecido por seu papel como Art, o Palhaço, da franquia “Terrifier”. 

A atuação de Thornton é boa e salva a produção em parte, mas o personagem é difícil de engolir. Ele não é aterrorizante, é somente muito feio. A maquiagem e as próteses usadas no ator não causam medo, apenas conseguem deixá-lo repulsivo. A produtora de "Screamboat - Terror a Bordo", a Fuzz on the Lens Productions, também é responsável por "Terrifier 2" (2022) e "Terrifier 3" (2024), além de outros longas do gênero. 


Na trama, vários passageiros e tripulantes da última balsa Staten Island da noite em Nova York são caçados pelo rato Willie, que transforma a travessia em um massacre sangrento, matando um a um dos ocupantes das formas mais bizarras e diferentes. Cercados pela água e pelo medo, eles precisam encontrar um jeito de sobreviver até que chegue o socorro. 

O diretor Steven LaMorte (sobrenome bem apropriado) tentou ousar, como seu colega Damien Leone, responsável pelos filmes de Art, o Palhaço, mas errou feio. A proposta de transformar Mickey, um ícone da infância, em uma criatura sinistra com sua inconfundível silhueta, perseguindo um grupo de jovens desprevenidos em um barco a vapor isolado, poderia ser muito melhor aproveitada. 

Mas a condução do roteiro não foi bem sucedida, nem mesmo quando cria familiaridade do cenário de horrores com as cenas infantis do original.


Um ponto que pode ser chamado de positivo é a trilha sonora. Ao remeter para as melodias alegres de "Steamboat Willie", ela ganha tons ameaçadores, reforçando a perversão da inocência. E só.

Os próprios personagens, ao se depararem com a ameaça, parecem conscientes daquela situação absurda. Tomam atitudes tão bobas que chegam a ser cômicas, ideais para uma produção do tipo terror/comédia, que tornam os acontecimentos previsíveis, tirando o suspense e fazendo o longa ficar ainda mais difícil de ver. Além de não provocar risos.

A narrativa, focada na perseguição e nos assassinatos, não aprofunda nos personagens e menos ainda na transformação do Mickey no malvado Willie. O filme parece mais interessado na violência absurda do que em construir um suspense psicológico. 


O roteiro é ruim do início ao fim, mesmo quando brinca com a nostalgia, transformando o inocente em algo brutal, provando que até mesmo ícones da infância podem se tornar um sangrento pesadelo. Uma produção totalmente esquecível e dispensável. É dinheiro de ingresso jogado fora. 

Para os apreciadores deste gênero que buscam uma experiência que promete chocar pela violência, "Screamboat: Terror a Bordo" entrega um banho de sangue pelas paredes Além de apresentar mais um personagem reformulado no final e deixar claro que haverá um segundo filme. Que sofrimento!


Ficha técnica:
Direção: Steven LaMorte
Produção: Fuzz on the Lens Productions
Distribuição: Imagem Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h42
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: terror, comédia

01 maio 2025

"Homem com H" faz brilhar na telona a inventividade e a coragem de Ney Matogrosso

Jesuíta Barbosa encarna os olhares e trejeitos do cantor de forma quase perfeita (Fotos: Marina Vancini) 
 
 

Eduardo Jr.

 
Estreia nos cinemas, neste dia 1º de maio, a cinebiografia do homem que ousou ser livre: Ney Matogrosso. Distribuído pela Paris Filmes, "Homem com H", longa escrito e dirigido por Esmir Filho, expõe na telona a vida e a formação de um dos maiores artistas do Brasil e dono de uma das mais belas vozes do mundo. 

A apresentação do artista com uma sequência de imagens que o compara a um bicho se mostra acertada. O próprio Ney se define assim, em alguns momentos. Quando menino, ao se ver diferente dos irmãos, buscava se encontrar. 


No entanto, o caminho foi difícil, o único apoio vinha da mãe Beita (interpretada por Hermila Guedes). O maior dos obstáculos era a figura do pai (vivido por Rômulo Braga), um militar conservador e violento, que não tolerava os dons artísticos do jovem e dizia que não queria um filho gay.    

Sob a condução de Esmir fica fácil uma identificação com histórias da vida real. O público pode encontrar, inclusive, elementos que expliquem a dureza do pai, a conduta de colegas de banda e ‘otras cositas más’. 


Em uma das cenas, Ney sai de casa de cabeça em pé, dizendo ao pai que não era viado, mas que, quando fosse, o Brasil inteiro iria saber. Começava ali a trajetória de descobertas e autoconhecimento de Ney Pereira da Silva, que mais tarde se tornaria Ney Matogrosso. 

A direção mostra a passagem do artista pela Aeronáutica (isso mesmo, Aeronáutica). E curiosamente, naquele ambiente castrador, Ney viveu um amor platônico. Foi na corporação que ele se reconheceu e vislumbrou uma autoaceitação. 


Ao sair dali foi que se deparou com o que o destino reservava: a morte do jovem para se tornar, então, o homem com H dos dias atuais, além do contato com o artesanato. 

A atividade permitiria posteriormente a ele criar alguns de seus próprios acessórios e figurinos - que inclusive foram utilizados por Jesuíta Barbosa (que encarna os olhares e trejeitos de Ney de forma quase perfeita). 


A interpretação elogiável de Jesuíta vai além do trabalho de corpo. Se deve também a uma impetuosidade que o ator imprime e que adere à personalidade do cantor, já conhecida por entrevistas e posicionamentos ao longo da vida. 

No entanto, o biografado não é força bruta o tempo todo. A sensibilidade se apresenta no longa, entre outras coisas, pela insegurança do cantor em certas escolhas, enquanto a classe artística via nele uma potência que o próprio Ney parecia não se dar conta.  


O público ganha uma forcinha para comprovar que certos artistas, quando em cena, crescem. A câmera faz questão de mostrar, nas primeiras apresentações da banda que se tornaria o fenômeno Secos e Molhados, que as provocações do público faziam Ney Matogrosso se agigantar no palco. 

Uma demonstração metafórica da força do artista que, desde cedo, sabia o que estava fazendo e o quão poderosa era sua liberdade. E claro, tem muito brilho, 'sex appeal' e atuações provocativas.  


A liberdade para o amor também marca presença no longa. A tão falada relação entre Ney e Cazuza (papel de Júllio Reis) também é apresentada, mas vestida de forma mais robusta de sentido se em comparação com as demais obras que já abordaram essa passagem da vida de Ney. 

Mais clara também é a abordagem de um dos relacionamentos mais importantes da vida de Ney. O namoro com o médico que traz para o longa um recorte do drama da AIDS nos anos 1980 e a incredulidade de Ney Matogrosso sobre nunca ter se contaminado (algo que o cantor já mencionou em diversos depoimentos). 


Não dá pra deixar de destacar a riqueza desta produção - em diversos aspectos. Alguns dos figurinos utilizados em cena não são réplicas, e sim peças originais, garimpados no acervo do cantor e que serviram com perfeição no corpo de Jesuíta Barbosa. 

Ney Matogrosso gravou canções para que Jesuíta dublasse. Como na cena do coral e a versão de “O Mundo é Um Moinho” - que provocam arrepios, tamanha a qualidade vocal registrada. 


Gostar ou não do artista pode ser algo muito particular - e como devem ter notado, este que vos fala, gosta. Mas independente disso, ir aos cinemas assistir "Homem com H" é, além de mais uma chance de privilegiar o cinema nacional, uma oportunidade de conhecer e entender um pouco mais sobre um personagem importante da história da música brasileira. 

Porque, pra fazer o que Ney Matogrosso fez e vem fazendo até aqui, com seus 82 anos, só sendo um homem com H maiúsculo. 


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Esmir Filho
Produção: Paris Entretenimento
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h09
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gêneros: drama, documentário