25 maio 2025

"Manas" – Um retrato doloroso e cruel de uma Ilha de Marajó exuberante

Destaque para a atuação de Jamilli Correa, como Marcielle, uma jovem sensível e corajosa, forçada a amadurecer antes da hora (Fotos: Divulgação)


Marcos Tadeu
Parceiro do blog Jornalista de Cinema


O longa-metragem de ficção de Marianna Brennand fez barulho nos festivais de Veneza e São Paulo e está em exibição no Cine Una Belas Artes, em BH. Com delicadeza e firmeza, o filme coloca o dedo na ferida da violência sexual presente na Ilha de Marajó, trazendo à tona um ciclo cruel que atravessa gerações de mulheres.

A protagonista Marcielle (Jamilli Correa), uma garota de 13 anos, vive numa realidade marcada pelo machismo e pela violência que fazem parte do cotidiano da periferia ribeirinha. 


Com a partida da irmã mais velha, Claudinha, Marcielle começa a perceber com mais nitidez os padrões de opressão que se repetem dentro de sua família. Cabe a ela agora, proteger a irmã mais nova e tentar romper com esse destino, tão comum quanto brutal.

Um dos grandes destaques do filme é a atuação de Jamilli Correa, que entrega uma personagem sensível e corajosa, forçada a amadurecer antes da hora. Marcielle, aos poucos, entende por que a irmã mais velha se afastou da família e passa a desconfiar da “troca” que os homens da comunidade parecem exigir constantemente das mulheres.


A direção de Marianna Brennand é cuidadosa e, ao mesmo tempo, incisiva. Ela denuncia as violências e o tráfico infantil nessas comunidades sem expor as meninas ou recorrer a cenas gráficas. 

Pelo contrário: é no silêncio, nos olhares, nos gestos e nos não ditos que o filme se torna mais poderoso. A brutalidade não precisa ser mostrada diretamente — ela é sentida.

Em uma das cenas mais simbólicas, o pai (interpretado por Rômulo Braga) convida a filha para caçar. A sequência, carregada de tensão, coloca a menina como presa e o pai como predador — uma metáfora que resume o desequilíbrio de poder e o perigo constante vivido por essas garotas. A atuação de Braga, aliás, é marcante por essa ambiguidade: um homem de aparência gentil, mas profundamente hostil.


O filme também explora com beleza as paisagens da Ilha de Marajó — rios, matas, o verde intenso do Pará e da Amazônia — criando um contraste entre o paraíso natural e a vida dolorosa das meninas que ali habitam. 

Dira Paes, como a policial Aretha, tem um papel que cresce com força do segundo para o terceiro ato, representando uma mulher que tenta proteger as demais ao denunciar os abusos e incentivar a quebra do ciclo. O elenco conta ainda com Fátima Macedo (como Danielle, mãe de Marcielle), atores e atrizes locais da região.


Até mesmo a religião, muitas vezes vista como acolhimento, é retratada de maneira crítica. Em "Manas", a igreja aparece como espaço que incentiva as mulheres a "lidarem com a dor em casa", perpetuando o silêncio e a submissão. 

A cena em que Marcielle e outras meninas dançam ao som de “Conquistando o Impossível” é simbólica: um pedido de socorro camuflado de fé e esperança.


Talvez o longa pudesse se aprofundar um pouco mais nos antecedentes do pai, explorando como a violência masculina se reproduz entre gerações e no próprio tecido social da comunidade. Ainda assim, isso não compromete a força da narrativa.

"Manas" é um filme necessário, feito com respeito, cuidado e precisão. Ele denuncia o que precisa ser dito, mas sem expor as feridas — nos mostrando que até o silêncio carrega gritos. Um longa que fala com mulheres que vivem essa realidade, e com todos nós que precisamos ouvi-las.


Ficha técnica:
Direção: Marianna Brennand
Produção: Inquietude, em coprodução com Globo Filmes, Canal Brasil, Prodígio e Fado Filmes (Portugal)
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: Cine Una Belas Artes - sala 2 - sessão 18 horas
Duração: 1h46
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gêneros: drama, ficção

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