31 maio 2022

"Romy, Femme Libre" mostra lado combativo de Romy Schneider, ícone do cinema europeu

Documentário foi um dos primeiros apresentados no 75ª edição do Festival de Cannes (Foto: Cannes Classic/Divulgação)


Carolina Cassese
Correspondente em Cannes


"Ao falar sobre Romy Schneider, geralmente as pessoas comentam sobre sua beleza. (...) Mas ela foi muito mais do que bonita". É esse comentário do narrador que abre o longa "Romy, Femme Libre" ("Romy, Mulher Livre"), um dos primeiros documentários a serem exibidos na 75ª edição do Festival de Cannes. “Eu queria me livrar da beleza de Romy Schneider. Por isso quis começar o documentário com a frase ‘Sempre começa com sua beleza.’ Uma vez que já colocamos isso, podemos entrar em nossa história”, explicou Lucie Cariès, que assina o filme junto com Clémentine Deroudille. 

As duas estavam presentes na pré-estreia do longa, que aconteceu em 18/5, no Palácio do Festival. Emocionada, Deroudille fez um agradecimento especial à emblemática Cinemateca Francesa, instituição que atualmente apresenta uma exposição sobre Schneider, idealizada justamente por ela. 

Lucie Cariès e Clémentine Deroudille (Photocall Cannes)

A diretora destacou que sentiu raiva ao realizar as pesquisas sobre a atriz. “Principalmente quando vi a maneira que a mídia falava sobre ela e a falsa leitura que apresentavam não apenas de Romy, mas de várias atrizes”. Para Deroudille, as narrativas veiculadas são muito focadas na aparência e apagam aspectos relevantes da trajetória das mulheres. 

Tanto o filme quanto a exposição, que fica em cartaz até 31 de julho, mostram um outro lado de Schneider, que foi um ícone do cinema europeu. Em primeiro lugar, o documentário privilegia uma visão de “Romy por ela mesma”, justamente por exibir inúmeros trechos, em sua maioria inéditos, de entrevistas da alemã que se naturalizou francesa. 


Ouvimos sobre suas angústias em tomar decisões, o tédio que a dominou depois de passar algum tempo como dona de casa, a frustração que sentiu com o cinema hollywoodiano. Fica evidente que a atriz tinha personalidade - e se arriscava com frequência.

Considerando que a proposta era se afastar do “olhar estereotipado dos outros” acerca de Schneider, o documentário acerta em mostrar primordialmente falas da própria atriz, e não de terceiros. Ao vermos ainda trechos de seus emblemáticos filmes, como "Sissi" (1955) e "As Coisas da Vida" (1979), temos a dimensão do talento da atriz e de como aqueles longas realmente marcaram uma época.

"Sissi" (Divulgação)

Inevitavelmente, a produção promove uma reflexão sobre o universo das celebridades e a pressão exercida em especial sobre as mulheres. Mesmo uma figura como Schneider, que era discreta e não fazia exatamente parte do universo hollywoodiano, foi alvo de muitos comentários acerca de seu corpo e de sua vida pessoal. 

A todo tempo, a atriz se esforçava para mostrar que poderia ser muito mais. Corria atrás de diretores, propunha projetos, topava se deslocar. “Romy era assim: uma mulher que não tinha medo de deixar lugares e homens para recomeçar sua vida em outro lugar”, conclui o narrador.

Exposição Romy Schneider (fotos Carolina Cassese)






A exposição em cartaz na Cinemateca Francesa também destaca o lado combativo da atriz. Um dos painéis mostra o seguinte pedido de Schneider para o diretor Claude Sautet: “Me faça um bom filme de mulher”. O que ela queria dizer com isso? Um filme em que as mulheres não são mais um objeto para os homens, mas sim estariam no comando da própria vida, decidiriam abortar, deixariam os homens com quem viviam porque querem ser livres. 

"Uma História Simples" (Divulgação)

O resultado de sua solicitação foi o longa "Uma História Simples", que inclusive lhe valeu o prêmio César de Melhor Atriz, em 1979. Na produção, Schneider contracenou com nomes como Sophie Daumier, Francine Bergé, Eva Darlan e Arlette Bonnard. Foi, definitivamente, um bom filme de mulher. 


 Ficha técnica:
Direção: Lucie Cariès
Roteiro: Lucie Cariès e Clémentine Deroudille
Duração: 1h31
País: França
Gênero: documentário

27 maio 2022

“Top Gun: Maverick” - Um ótimo filme com muita ação e nostalgia

Tom Cruise retorna 36 anos depois com continuação de sucesso que marcou sua carreira (Fotos: Paramount Pictures/Divulgação)


Maristela Bretas


A volta ao passado com o mesmo sorriso que enche a tela. “Top Gun: Maverick” é a consagração de Tom Cruise para um de seus maiores sucessos no início da carreira. Com um forte apelo ao filme original de 1986 – “Top Gun: Ases Indomáveis” – que marcou uma geração, da qual faço parte, o ator reforça na nova produção, em cartaz nos cinemas, seu estilo de filmes no gênero muita ação. Mas desta vez, deixou a nostalgia representar um importante papel.


O longa repete cenas que marcaram o primeiro filme, especialmente as do ator “voando” em sua motocicleta. Fora os closes no rosto de Cruise, realçando seu sorriso encantador. O homem é conservado em formol, não envelhece e não perde o charme. 

Em “Top Gun: Maverick” é o passado que conduz a trama, formando um ótimo equilíbrio com as cenas de ação. O diretor Joseph Kosinski não economizou nesse quesito, principalmente as que mostram o treinamento dos pilotos e os ataques. Trabalho excelente. Só isso já vale o filme. 


Tom Cruise, o ator de 1001 aptidões, é um dos produtores do filme, junto novamente com o premiado Jerry Bruckheimer, das franquias "Piratas do Caribe" (2003 a 2017) e "Bad Boys" (1995 a 2020) e séries de TV como "Lúcifer" (2016 a 2021) e todas as franquias C.S.I. (desde 2000). Não tinha como não dar certo. Cruise, que também é piloto, desenvolveu um programa de voo para os demais atores que interpretaram os pilotos. 


Eles tiveram meses de treinamento de fundamentos e mecânica de voo e de Força G. Se há 36 anos, Cruise filmou no cockpit de um F-14 Tomcat, desta vez foi na cabine de um caça F/A-18E/F Super Hornet, onde foram feitas as tomadas de toda a equipe, em pleno voo. A aeronave foi emprestada ao estúdio pela Marinha por uma "bagatela" de pouco mais de US$ 11,3 mil a hora de voo. Mas o resultado foi excelente e deu maior autenticidade às cenas.


Bem saudosista essa continuação de Top Gun traz, além do protagonista Pete “Maverick” Mitchell, vivido por Cruise, o ator Val Kilmer interpretando o ex-piloto e agora almirante Tom “Iceman” Kazanski, amigo de Maverick. E Ed Harris, como o almirante Rear, que detesta o indomável piloto. 

No entanto, deixa de lado personagens importantes do passado, como Kelly McGillis (a instrutora Charlotte “Charlie” Blackwood), que formou par romântico com o “mocinho” no primeiro filme. Para esta sequência foi convidada a bela Jennifer Connelly ("Anita - Anjo de Combate" - 2019), muito bem no papel de Penny Benjamin, dona de um bar que teve um romance com o piloto no passado. 


Nesta continuação, temos Maverick, um piloto à moda antiga da Marinha que coleciona muitas condecorações, medalhas de combate e grande reconhecimento pela quantidade de aviões inimigos abatidos. Mas mantém a fama de rebelde, que rompe limites, desafia a morte e não acata ordens, o que o torna um oficial pouco querido no alto escalão. 

Rebaixado a instrutor e de volta à Academia Top Gun, ele terá de treinar os novos melhores pilotos da Marinha para uma missão quase suicida e provar que o fator humano ainda é fundamental no mundo das guerras tecnológicas.


“Top Gun: Maverick” apresenta rostos novos que vão compor a equipe dos melhores pilotos de caça da Força Aérea dos EUA. Destaque para Miles Teller (da franquia “Divergente” – 2014 a 2016, e "Whiplash - Em Busca da Perfeição" - 2014), como Bradley “Rooster” Bradshaw, filho de Nick “Goose” Bradshaw (Anthony Edwards), ex-parceiro de Maverick. 

Destaque também para Glen Powell (“Os Mercenários 3”), como o arrogante Hangman, além de Monica Barbaro (Phoenix), Lewis Pulmann (Bob), Jay Ellis (Payback) e Danny Ramirez (Fanboy), além de Jon Hamm, como Cyclone, comandante da Academia Top Gun e do simpático Bashie Salahuddin, como o mecânico Coleman, amigo do Maverick.


A trilha sonora é um dos destaques do novo longa. Está de arrepiar. Se em 1987 "Take My Breath Away", interpretada por Berlin e composta por Giorgio Moroder faturou um Oscar de Melhor Canção Original para "Ases Indomáveis", agora é a vez de Lady Gaga entrar na corrida da estatueta com a belíssima "Hold My Hand", ao lado do premiadíssimo Hans Zimmer.


Também chama a atenção a música-tema "You've Been Called Back to Top Gun", com a participação de Harold Faltermeyer e Lorne Balfe, em duas versões, tocadas no início e no final do filme. Tem ainda One Republic com "I Ain't Worried" e o ator Miles Teller mostrando seu lado cantor ao interpretar "Great Balls of Fire". 

Até "The Who", com "Won't Get Fooled Again" está entre as tocadas no longa, possivelmente uma contribuição de Jerry Bruckheimer, que utilizou a mesma música como tema de abertura da série C.S.I. Miami, produzida por ele de 2002 a 2012.  A trilha sonora está de arrasar, assim como todo o filme. Vale a pena conferir.


Ficha técnica:
Direção: Joseph Kosinski
Produção: Paramount Pictures / Don Simpson/Jerry Bruckheimer Films / Skydance Productions
Distribuição: Paramount Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h11
Classificação: 12 anos
País: EUA
Gênero: Ação

19 maio 2022

Sem tramas nem suspense, “A Felicidade das Coisas” trata com carinhosa tolerância um dos sonhos de consumo da classe média

Primeiro longa de Thais Fujinaga aborda maternidade e a posição da mulher numa cultural patriarcal (Fotos: Embaúba Filmes/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Talvez a melhor definição para “A Felicidade das Coisas” seja: trata-se de um típico filme autoral, sem que isso indique, a princípio, que seja bom ou ruim. Significa apenas que a diretora Thaís Fujinaga, que faz sua estreia em longas depois de alguns curtas, decidiu contar uma história de um jeito peculiar – do seu jeito. 

Junte-se a isso a participação de atores e atrizes desconhecidos do grande público, o que pode tornar a produção, embora lenta e sem ganchos e tramas, um trabalho no mínimo diferente e interessante.


Ao contar a história de Paula (Patrícia Saravy), que, aos 40 anos e grávida de um terceiro filho, está passando uma temporada na modesta casa de praia que acabou de comprar em Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo, a diretora parece querer nos mostrar um cotidiano corriqueiro e natural. É como se alguém tivesse decidido filmar uma parte das férias de uma família comum. 

“A Felicidade das Coisas” é um recorte do que ocorreu naqueles dias e há momentos em que o espectador pode se aborrecer porque nada acontece. Pelo menos nada de extraordinário.


Como toda família provinciana, Paula e seus dois filhos pré-adolescentes (as crianças Messias Gois e Lavínia Castelari) sonham com uma piscina que desejam instalar a todo custo na casa de praia. E é esse o objetivo daquele grupo familiar naquela temporada. 

Embora a casa careça de reformas mais urgentes, o filme já começa com pedreiros cavando o buraco onde a tão sonhada piscina deve ser colocada. A lentidão dos trabalhadores é apenas o começo dos problemas, já que o dinheiro anda cada vez mais curto. Quem nunca viu isso antes?


Além de “filme de autor”, “A Felicidade das Coisas” é também um “filme de atrizes”, porque é centrado principalmente na atuação de duas delas. Patrícia Saravy, que faz a mãe das crianças, é uma mulher triste, abnegada, às vezes revoltada com um marido ausente, mas sempre capaz de renovar as esperanças. Quem não conhece uma mãe assim? 

Completa a dupla a excelente Magali Biff, que interpreta a mãe de Paula e avó das crianças, sempre pronta a colocar panos quentes, proteger os netos, alimentar os sonhos, cuidar para que tudo dê certo. Os diálogos entre as duas enquanto cuidam da casa, cozinham, lavam pratos, falam das dificuldades e relembram do passado, se parecem com muitas conversas entre mãe e filha adulta num almoço de domingo.


Antes deste longa, a paulista Thaís Fujinaga, que também fez o roteiro, dirigiu “Os Irmãos Mai”, “Hoje é Seu Dia” e “A Visita”. Ganhou prêmios e, claro, alguma experiência. Um olhar mais atento vai perceber um certo traço de curta-metragem em “A Felicidade das Coisas”, principalmente pela forma quase doméstica das atuações, embora corretas e adequadas, inclusive das crianças. É o naturalismo levado às últimas consequências.

Sem tramas, conchavos, tensões, dramas ou suspense, a produção pode agradar aos que apreciam histórias em que nada de extraordinário acontece. Claro que sempre há espaço para metáforas e simbolismos no empenho e teimosia daquela família em torno de uma piscina. Mas talvez o grande mérito de “A Felicidade das Coisas” seja levar o espectador a se reconhecer na tela.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Thais Fujinaga
Produção: Filmes de Plástico / Lira Comunicação
Distribuição: Embaúba FIlmes
Exibição: Una Cine Belas Artes
Classificação: 14 anos
Duração: 1h27
País: Brasil
Gêneros: drama / comédia

17 maio 2022

Sesc Palladium abre espaço para o cinema nacional com ingressos a R$ 10,00

Programação de maio traz duas produções brasileiras contemporâneas de sucesso 


Da Redação


A programação do Sesc Palladium no mês de maio traz dois sucessos recentes do cinema brasileiro: "Eduardo e Mônica" (2022) e "O Segredo dos Diamantes" (2014). As sessões de cinema no Sesc Palladium oferecem um preço acessível para a população, com ingressos a R$10,00, e um desconto especial aos trabalhadores do comércio de bens, serviços, turismo e seus dependentes, com as entradas custando R$ 5,00. 

Nos dias 20, 21, 27 e 28 de maio e também no 4 de junho (sextas e sábados), será exibido o longa "Eduardo e Mônica", dirigido por René Sampaio. A comédia romântica ambientada em Brasília na década de 1980 conta a história do casal "nada parecido" que se apaixona e precisa amadurecer e aprender a superar as diferenças. 

A dupla dá nome à trama e à famosa música da banda Legião Urbana, que inspirou o roteiro. Com Alice Braga e Gabriel Leone nos papéis principais, o filme está entre as dez maiores bilheterias do ano até aqui. As exibições serão sempre às 19 horas. 
Duração: 1h54
Classificação: 14 anos
Gêneros: comédia / drama / romance


Nos sábados 21 e 28 de maio, a atração é destinada aos públicos infantojuvenil e adulto com a exibição, sempre às 16 horas, do longa "O Segredo dos Diamantes", dirigido pelo cineasta mineiro Helvécio Ratton. Ele conta a aventura de Ângelo, garoto interpretado por Matheus Abreu, que vai passar uma temporada na casa da avó, no interior de Minas.

Chegando lá, ele descobre um pequeno baú cheio de moedas e um enigma, supostamente deixado por um padre que, há 200 anos, teria escondido um punhado de diamantes na região. A produção foi indicada pela Academia Brasileira de Cinema ao Grande Otelo de Melhor Filme Infantil, em 2015. 
Duração: 1h26
Classificação: 10 anos
Gênero: aventura


SERVIÇO:
Maio no cinema do Sesc Palladium

Datas: 20 a 28 de maio
Horários: às 16 e às 19 horas
Endereço: Cinema do Sesc Palladium - Rua. Rio de Janeiro, 1046 - Centro.
Ingressos: R$ 10,00 (inteira / R$ 5,00 a meia-entrada), à venda no site Sympla - https://site.bileto.sympla.com.br/sescpalladium/

16 maio 2022

"Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" introduz o terror no universo da Marvel

 Produção esbanja nos efeitos visuais e nas ótimas interpretações (Fotos: Marvel Studios)

Jean Piter e Maristela Bretas


Segue lotando salas de cinemas brasileiros o mais novo filme da Marvel, "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" ("Doctor Strange in the Multiverse of Madness"). A história se passa depois de os eventos de "Vingadores Ultimato" (2019) e de "Homem-Aranha Sem Volta pra Casa" (2021). O mundo aparenta alguma tranquilidade, mas de repente, seres de outras dimensões chegam à Terra. Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) e seu parceiro Wong (Benedict Wong) percebem que algo muito ruim está para acontecer e vão unir forças novamente.

Para entender bem o filme é preciso saber algumas histórias anteriores. Em "Vingadores - Guerra Infinita" (2018), o vilão Thanos apagou metade da vida do universo. Em "Vingadores Ultimato", os heróis viajam no tempo e conseguem trazer de volta as pessoas que haviam desaparecido. 


Depois, no último filme do Homem-Aranha, o feitiço do Doutor Estranho abriu as portas do multiverso. Essa é mais uma etapa da Fase 4 do Universo Cinematográfico da Marvel (UCM ou MCU em inglês), iniciada nos cinemas com "Viúva Negra" (2021) e na TV com a ótima série "WandaVision" (2021), o que abre a possibilidade de diversos mundos se cruzando no futuro.  

Em "Multiverso da Loucura" temos a introdução da personagem America Chavez (Xochitl Gomez). Ela tem o poder de viajar de um universo para outro. Habilidade que é desejada por um ser muito forte, digamos, o “vilão” da história. Chavez é perseguida e acaba parando na Terra, onde Wong e Strange tentam ajudá-la. Sabendo que se trata de uma grande ameaça ligada à magia, eles procuram a ajuda de Wanda.  


Strange tenta proteger Chavez a todo custo. Assim eles acabam fugindo por várias realidades. Em mundos onde há outros Doutores Estranhos, outras Wandas... Uma cópia de cada mundo, podemos dizer.

Chiwetel Ejiofor interpreta uma versão do Mordo, Rachel McAdams volta a interpretar a Dra. Christine Palmer. E não são participações gratuitas. Cada um tem sua importância na história. E tem também a introdução dos Illuminati, o grupo de heróis mais fortes e inteligentes reunidos para proteger os mundos.  


O filme é do Doutor Estranho, mas poderia ser da Wanda. Ela aparece como Wanda e também em sua versão mais forte, a Feiticeira Escarlate, em uma caracterização maravilhosa. Há também mais de uma versão de Stephen Strange, como mostrado nos trailers. E as interpretações de ambos estão excelentes. 

Entretanto, o ponto alto de "Multiverso da Loucura" é o terror. Não que seja um filme do gênero, ele continua sendo de ação, aventura, mas agora em vez de pitadas de humor como nos filmes do Thor ou dos Guardiões da Galáxia, temos recursos de terror em boa parte das cenas.  

O estilo sombrio de Sam Raimi

Essa mudança tem nome: Sam Raimi. O diretor que era muito conhecido pela trilogia do "Homem-Aranha" de Tobey Maguire tem o início da carreira marcada pela franquia “Uma Noite Alucinante”. Ele também dirigiu outros filmes do gênero. Pesadelos, almas penadas, zumbis, feitiços, reflexo no espelho, velas se apagando, possessão demoníaca, portas batendo, cenários sombrios... Tem um pouco de tudo na nova produção da Marvel. Graças a Raimi. Isso deu uma nova cara ao filme e ao mesmo tempo abre possibilidades para as próximas produções.  


A Marvel tem entre seus personagens vilões como Mefisto (demônio que governa o mundo dos mortos), Coração Negro (vilão poderoso e sem batimentos cardíacos), Zarathos (Anjo da Justiça), Chthon (Mestre da Magia do Caos), e vários outros. 

E ainda heróis e anti-heróis sombrios como Blade, Motoqueiro Fantasma, Cavaleiro da Lua e o próprio Doutor Estranho. Com tantas opções, dá pra se esperar outras obras mais voltadas para o terror, o que seria ótimo para diversificar o multiverso das produções cinematográficas que estão por vir.  


São duas horas de filme e muitos acontecimentos. Apesar disso, há quem possa achar que a história ficou incompleta, vaga, superficial. Que os personagens não tiveram o desenvolvimento adequado. Que os problemas não foram bem construídos. 

Mas a verdade é que tudo se encaixa. Longe de ser uma produção perfeita. Mas é muito bem construída. Tem início, meio e fim. E, claro, ficou tudo mais evidente pra quem assistiu as séries "What If...?", "Loki" e "WandaVision", todas ano passado.  


Havia muita expectativa com a introdução de dezenas de personagens. Muitas foram as teorias criadas na internet com as análises dos trailers, com supostos vazamentos. Ainda mais depois das aparições em "Homem-Aranha Sem Volta pra Casa" (2021). A maior parte disso não se concretizou, o que deixou muitos fãs relativamente frustrados e que acabaram não conseguindo enxergar os pontos positivos trazidos no novo filme do Doutor Estranho.  

Essa é uma boa oportunidade para rever a relação do público com os youtubers, influencers e sites voltados para o mundo nerd e de entretenimento. Esse monte de spoilers, especulações e supostos vazamentos têm estragado a experiência do cinema? É preciso refletir.  


Magia X feitiçaria

"Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" reforça a parte visual do mundo de cabeça para baixo, com dimensões se intercalando, como foi apresentado em "Homem-Aranha Sem Volta Para Casa". O filme começa com muita ação e se mantém assim até o final, com muita disputa entre magia e feitiçaria, numa viagem alucinante que abusa da computação gráfica e dos efeitos visuais, dignos de prêmios. 

Uma das cenas que mais merece aplausos é das notas musicais (não vou além para não estragar a surpresa). Um verdadeiro clássico, entregue pelas mãos do compositor Danny Elfman, responsável pela trilha sonora.


Além de apresentar personagens dos quadrinhos, pouco conhecidos da maioria do público e que podem ganhar futuramente versões solo para o cinema, o longa faz uma inversão de papéis, mostrando que heróis também podem se tornar vilões. E que até vilões podem ter momentos de razão e coração. A aparição desses novos personagens da Marvel, no entanto não causou (pelo menos na sessão em que eu estava) o impacto desejado, como foi com os três Homens-Aranhas do filme de 2021,

Elisabeth Olsen tem uma interpretação assustadoramente ótima, dominando as cenas. Uma continuação perfeita da sua personagem da série "WandaVision", da Disney+. Ela surgiu em "Vingadores: Era de Ultron" (2015) como Wanda Maximoff e foi crescendo no MCU e como super-heroína, entregando sua melhor atuação neste segundo filme do Doutor Estranho.


Sobre Benedict Cumberbatch não há muito que falar. Ele é o equilíbrio perfeito do longa, mostrando mais uma vez o excelente ator que é. Ele mantém a arrogância, a prepotência (e o charme) de sempre de seu primeiro “Doutor Estranho” (2016) e dos filmes dos Vingadores, mesmo quando está em desvantagem. Cumberbatch brilha, não importa se como super-herói e Mago Supremo dos Vingadores, ou como o vaqueiro Phil Burbank, do premiado "Ataque dos Cães" (2021), da Netflix.

"Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" tem como grande marco a abertura de outros mundos e outras realidades. Isso é muito importante para o que há de vir. Quem ainda não viu, vale a pena ver. Ao que tudo indica, essa é porta para uma nova fase em universos que vão se colidir. Quem já viu, vale a pena ver de novo e observar essa nova estética e todos os detalhes e referências que estão espalhados pelo filme.


Ficha técnica:
Direção:
Sam Raimi
Produção: Marvel Studios
Distribuição: Walt Disney Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h06
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: Ação, aventura, fantasia

12 maio 2022

"Águas Selvagens" - drama policial sem ação e com poucos diálogos

A brasileira Leona Cavalli e o argentino Roberto Birindelli estão no elenco desta coprodução multinacional (Fotos: Imagem Filmes/Divulgação)


Maristela Bretas


Longas sequências e ótimas imagens aéreas como fundo para um assassinato a ser desvendado são os primeiros atrativos de "Águas Selvagens", coprodução entre Brasil e Argentina que estreou nesta quinta-feira no Una Cine Belas Artes. A região escolhida para locação do filme foi o Sul do Brasil, na fronteira com Argentina e Paraguai. E já seria um ótimo cartão de visitas para o filme, dirigido pelo argentino Roly Santos, baseado no livro  "El Muertito", do escritor Oscar Tabernise.


O longa conta a história do investigador particular e ex-policial Lúcio Gualtieri (o argentino radicalizado no Brasil Roberto Birindelli) contratato para  solucionar o assassinato de um morador influente numa pequena cidade argentina, na fronteira com o Brasil e Paraguai. Durante a investigação, ele acaba se envolvendo com uma rede de prostituição, tráfico de bebês e abuso sexual de crianças. Passa então a ser perseguido pela organização criminosa, colocando a sua vida e a das vítimas em perigo.

Contando assim, parece um filme eletrizante e o trailer também leva o espectador a essa conclusão. Mas "Águas Selvagens" é o contrário disso. Tem uma narrativa arrastada, com pouca ação para um filme que se classifica como policial - a primeira das duas cenas com tiros acontece após 1h23 e a segunda 26 minutos depois. E só. 

A trama explora mais a investigação, mas mesmo essa é cheia de furos mal explicados. O investigador Gualtieri, do nada, consegue uma pista de um fato que ele nem estava investigando. Não há uma explicação de como essa pista surgiu e assim como veio é esquecida ou a história não aprofunda. São vários crimes  levantados, mas apenas um é tratado até o final, mesmo assim de uma maneira bem fraca.


Apesar de ter uma boa proposta, especialmente por reunir atores de três países, o longa peca também nos poucos e curtos diálogos, intercalados com legendas em português para as falas dos intérpretes argentinos e uruguaios que dividem o elenco com alguns brasileiros. 

Entre eles estão Mayana Neiva (a misteriosa Rita Benitez, com quem Gualtieri se envolve), Leona Cavalli (que interpreta muito bem a prostituta Débora Shuster), Allana Lopes (a jovem prostituta Blanca), Luiz Guilherme (como o empresário Dalmácio Quiroga, que contrata Gualtieri para investigar a morte do irmão), entre outros. 


Do lado argentino, além de Roberto Birindelli, destaque para Juan Manuel Tellategui, como o garçom Fábian, muito importante na trama, e Daniel Valenzuela, como Fabro, um policial argentino corrupto. Por mais que o elenco se  esforce, a trama não consegue causar impacto. 

As cenas de lutas e de crimes também deixam muito a desejar. "Águas Selvagens" poderia ter focado em um tema e explorado melhor o assunto e o talento dos protagonistas, mas isso não aconteceu. Uma pena.


Ficha técnica:
Direção: Roly Santos
Produção: Laz Audiovisual / Romana Audiovisual / De La Tierra Produtora
Distribuição: Imagem Filmes
Exibição: Una Cine Belas Artes - Rua Gonçalves Dias, 1581 - Lourdes - sessões 16h20 e 18h20
Duração: 1h43
Classificação: 16 anos
Países: Argentina e Brasil
Gêneros: drama / policial

05 maio 2022

"Klondike - A Guerra na Ucrânia", um longa sobre mulheres, resistência e solidão

Oksana Cherkashyna é o destaque da produção interpretando Irka, uma ucraniana grávida vítima do conflito de seu pais com a Rússia (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Marcos Tadeu - blog Narrativa Cinematográfica


Angustiante, sem dúvida essa é a palavra que define "Klondike: A Guerra na Ucrânia", longa de Maryna Er Gorbach, ganhadora do Prêmio de Direção para filmes estrangeiros no Festival de Sundance e do Prêmio do Júri Ecumênico no Festival de Berlim deste ano. A obra, distribuída pela Pandora Filmes, estreia nesta quinta-feira em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Recife, Porto Alegre, Aracaju e Balneário Camboriú.

No filme, somos situados, no ano de 2014, na cidade de Donetsk, nas proximidades da fronteira entre Ucrânia e Rússia, onde vive o casal Irka (Oksana Cherkashyna) e Tolik (Sergey Shadrin). O território é palco de disputa desde o começo da Guerra em Donbas. A queda de um avião civil na região, abatido por mísseis e que deixou quase 300 mortos, deixa ainda mais tenso o casal que aguarda o nascimento do primeiro filho. Um rastro de tristeza e luto toma conta de todos.


É muito rica a construção do roteiro nas cenas iniciais de Irka e Tolik. Eles descrevem não só com palavras a questão do sonho ideal, mas também por seus papéis de parede com uma bonita praia de fundo. O início é um ponto forte do roteiro: ao mesmo tempo em que o casal sonha com a vida ideal, entra em choque com a chegada da guerra, com seus mísseis e explosões. Mesmo não mostrando claramente, apenas com o som do combate ao fundo da narrativa, é possível sentir que o sonho dos futuros pais começou a desabar.


Oksana Cherkashyna interpreta Irka com maestria e traz todas as suas camadas, principalmente por mostrar as dores e dificuldades, não só da gravidez, mas do contexto do caos instaurado ao redor. Sua dualidade é um fator que chama a atenção. Enquanto sonha em sair com seu marido daquele lugar e daquelas condições, ela também tem demonstra um forte sentimento de pertencimento. Mesmo a casa estando em total desordem, Irka ainda se preocupa em realizar tarefas básicas, como tirar a poeira e, de alguma forma, tentar reconstruir, aquele lar. 


Tolik, por outro lado, apresenta um lado quase racional. Mesmo não querendo ficar ali, ele não sabe lidar com os sentimentos da esposa. No desespero, tenta oferecer afeto de maneira quase brusca e quando sua esposa o rejeita, ele começa a beber. É a forma encontrada para lidar com os conflitos internos e externos e não estar sóbrio em meio a todo esse contexto cru escancarado pela guerra.

A trama começa a ganhar mais força quando o irmão de Irka, Yaryk (Oleg Scherbina), um contraste com Tolik, chega à casa do casal e desconfia que o marido de sua irmã esteja ligado a grupos separatistas pró-Rússia. Muitas vezes, Yarik chama o cunhado de traidor, trazendo para dentro de casa o conflito e disputa entre ucranianos e russos. O filme mostra que cada um tem suas razões e consegue que nos tornemos solidários com os irmãos, mas quem acaba enfrentando tudo sozinha é Irka.


Os aspectos técnicos do longa também reforçam a guerra, a solidão, a tensão por meio do designer de produção. A fotografia de Svyatoslav Bulakovskiy é cirúrgica ao capturar o clima frio e cortante desses sentimentos. 

Também temos a bela trilha sonora de Zviad Mgebry, que consegue captar clima sombrio e cru que a todo o momento deixa o telespectador angustiado pelos personagens que ali estão. O roteiro é também assinado pela diretora Maryna Er Gorbach que, em determinado momento conduz a câmera de forma suave para teletransportar o telespectador por aquele cenário.


O conflito

"Klondike - A Guerra na Ucrânia" nos mostra que o conflito entre Rússia e Ucrânia não é de hoje e nada mais é do que a decisão dos russos de mandar sua força militar para a região Leste do país vizinho para dominar vilas e cidades. Os rebeldes pró-Rússia chamaram a região de Dombas de Luhansk e República Popular de Donetsk. 

Mas o governo ucraniano afirma que os russos ocuparam o local e se recusa a negociar com qualquer república separatista. A Ucrânia chama os rebeldes de "invasores", enquanto a Rússia trata os separatistas de "milícia" em defesa de Kiev. 


Em meio a isso tudo, a força maior é a de Irka, com seu instinto de sobrevivência e de não deixar de seguir em frente, mesmo com a ameaça de ter seus sonhos desfeitos por uma guerra que ela não pediu e da qual não pode fugir. 

O que mais chama a atenção nesse cenário caótico é a falta de esperança e de perspectiva de mudança de vida. Fico pensando qual futuro terá aquela criança que está para nascer e como será criá-la? Esses são alguns dos questionamentos com os quais a diretora nos provoca. 

Trata-se de uma obra forte, com caráter de urgência a ser debatido, onde imperam o a guerra, o medo e, principalmente, a solidão. Torço para que todos esses aspectos chamem a atenção para outros grandes festivais e, principalmente, o Oscar. 


Ficha técnica:
Direção: Maryna Er Gorbach
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h40
Países: Ucrânia / Turquia
Gêneros: drama / guerra