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02 novembro 2025

“O Agente Secreto”: o olhar afiado de Kleber Mendonça Filho sobre o Brasil esquecido dos anos 1970

Filme estrelado por Wagner Moura é o indicado do Brasil na disputa pelo Oscar 2026 (Fotos: Vitrine
Filmes e CinemaScopio Produções)
 
 

Maristela Bretas

 
Após ser premiado e aclamado em festivais nacionais e internacionais, “O Agente Secreto” chega oficialmente aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (6). 

Dirigido por Kleber Mendonça Filho e estrelado por Wagner Moura, o filme será finalmente avaliado pelo público em geral — um passo decisivo para confirmar (ou não) sua indicação como representante do Brasil no Oscar 2026.

Em setembro, o colaborador Marcos Tadeu, do blog Jornalista de Cinema, assistiu ao longa no Festival de Cinema de Brasília e escreveu uma análise para o Cinema no Escurinho. Leia a crítica completa em https://tinyurl.com/mryttfza


Reconhecimento e identidade

Premiado em Cannes 2025 com os troféus de Melhor Direção e Melhor Ator (Wagner Moura), “O Agente Secreto” se destaca pela forma como valoriza a regionalidade nordestina e retrata o Brasil dos anos 1970 — um período sombrio, mas mostrado com sensibilidade e profundidade cultural.

O filme é um verdadeiro mosaico de memórias: as frases nas traseiras dos caminhões, o saudoso Fusca amarelo, as novelas e programas como "Os Trapalhões, as brincadeiras de rua, o orelhão e o telefone de fio, o carnaval recifense e, especialmente os cinemas de rua, como o lendário Cine São Luiz, já citado em outro filme de Mendonça, “Retratos Fantasmas” (2023).

Até mesmo o tubarão, figura recorrente até hoje nas praias pernambucanas, ganha presença simbólica na trama, ao ser mostrado ou mencionado em vários momentos do filme.


Enredo e personagens

A história acompanha Marcelo/Armando, interpretado por Wagner Moura — um professor que deixa São Paulo e retorna a Recife, sua terra natal, tentando escapar de um passado violento e misterioso e ficar perto do filho. 

Mas já na chegada, em meio ao animado carnaval da cidade, ele percebe que o passado continua à espreita e, mesmo usando uma nova identidade, ainda corre risco e representa um perigo para todos ao seu redor.

Wagner Moura, como Marcelo/Armando, merece todos os prêmios que vem recebendo como protagonista, mas contou com um time de atores e atrizes de apoio que fizeram a diferença na produção, especialmente com a atuação impecável de Tânia Maria ("Seu Cavalcanti" - 2025).  


Aos 78 anos, com seu forte sotaque potiguar, ela brilha no papel de Dona Sebastiana, uma mulher forte e combativa, que mesmo com os sofrimentos da vida, não perdeu a doçura ao abraçar como filhos os hóspedes de sua pensão. Sua atuação é carregada de emoção e autenticidade.

Outro destaque é o ator mineiro Carlos Francisco, que trabalhou com Mendonça em "Bacurau" (2019) e recentemente em "Suçuarana". Ele vive Seu Alexandre, o projecionista do cinema local. Ele e Dona Sebastiana protagonizam alguns dos momentos mais comoventes do longa, reforçando o tom humano e afetivo da narrativa.

Direção, ritmo e contexto histórico

Se a ambientação e as atuações são pontos altos, o ritmo do filme pode causar estranhamento. A trama se desenvolve de forma lenta em boa parte, ganhando fôlego e ação apenas na terceira parte — que, ainda assim, merecia mais tempo de tela.


Kleber Mendonça Filho retrata o Brasil de 1977 a partir do olhar de uma região muitas vezes marginalizada pelo eixo Sul-Sudeste, criando um espelho entre o passado e o presente. 

A ditadura militar é tratada não como um capítulo distante, mas como uma ferida ainda aberta, refletida na violência e nas omissões das “autoridades” da época que são reproduzidas ainda hoje.

O filme termina sem respostas fáceis: atentados e atrocidades cometidas pelos “agentes da lei e da ordem” são reduzidos a manchetes de jornal, sem investigação nem punição — um eco doloroso da realidade brasileira.

Essa abordagem pode confundir parte do público, especialmente diante das lacunas históricas que ainda cercam a ditadura militar. Nesse sentido, o longa poderia explorar o tema com mais clareza, como fez “Ainda Estou Aqui” (2024).

Kleber Mendonça Filho e Wagner Moura
(Foto: Reprodução)
Conclusão

Mesmo com essas ressalvas, “O Agente Secreto” é uma grande produção, digna de representar o Brasil no Oscar 2026. Além das premiações em Direção e Ator, o longa tem potencial para brilhar em outras categorias — Ator e Atriz Coadjuvantes, Trilha Sonora (de Mateus Alves e Tomaz Alves Souza), Fotografia, Figurino, Som, Direção de Arte e Maquiagem.

Um filme que reafirma Kleber Mendonça Filho como um dos grandes nomes do cinema brasileiro contemporâneo — e que nos faz lembrar, com beleza e dor, que certas histórias continuam vivas na memória do país.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Kleber Mendonça Filho
Produção: CinemaScópio Produções, com coprodução da MK2 Productions, Lemming, One Two Films
Distribuição: Vitrine Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h40
Classificação: 16 anos
Países: Brasil, França, Holanda e Alemanha
Gêneros: drama, thriller político

30 outubro 2025

"A Memória do Cheiro das Coisas" tenta ser poético enquanto aborda velhice, perdão e (o próprio) racismo

Longa português dirigido por António Ferreira tem José Martins e Mina Andala entregando ótimas interpretações (Fotos: Bretz Filmes)
 
 

Eduardo Jr.

 
A velhice é sempre digna de nossa piedade? O passado, por ser passado, merece perdão? Essas são questões que podem surgir do contato com o longa português “A Memória do Cheiro das Coisas”, que estreia nesta quinta-feira, no Centro Cultural Unimed-BH Minas.

Dirigido por António Ferreira, coproduzido pela brasileira Muiraquitã Filmes e distribuído pela Bretz Flmes, o longa tenta aplicar uma aura poética ao abordar velhice, passado, preconceito e memória. 


O ator José Martins dá vida ao Sr. Arménio, um octogenário que é levado pelo filho para morar em um lar de idosos. A você, que me lê e pode sentir pena do protagonista deixado no asilo, já aviso: dificilmente você conseguirá gostar dele. 

Nos primeiros segundos Arménio já exibe seu lado rude. E daí em diante o espectador vai conhecendo o passado e a personalidade daquele homem, ex-combatente da Guerra Colonial Portuguesa, em Angola. Mas a guerra continua com ele, na memória e nos cheiros que remetem a experiências do passado. 


Ele também carrega consigo o preconceito racial, que fica evidente quando seu cuidador no asilo deixa o trabalho e no lugar dele chega Hermínia, mulher negra a quem ele assedia e ofende. A personagem, vivida por Mina Andala, tem a chance de desconectar Arménio das ideias racistas. A direção, no entanto, revela que não sabe reconhecer e representar igualdade. 

No filme, a cuidadora até se defende das violências. Chega a dar pistas de que será o elemento capaz de oferecer alguma dignidade a quem atacou a dignidade dos africanos. Mas seu discurso é o de que, embora negra, é cidadã portuguesa e que seu pai também lutou na guerra. Parece precisar convencer que é uma pessoa digna de ser aceita pelo homem branco.  


Já em outros aspectos, como a tentativa de expressar uma velhice que parece acorrentar Arménio à margem do mundo, a obra obtém resultados melhores. Se o tempo passou, dificultando alguns atos do cotidiano e exigindo dele paciência, também vai cobrar isso do espectador, em cenas lentas, em que a câmera mal se move. 

Nos corredores apertados e ora escuros do lar para idosos é possível experimentar uma claustrofobia. A sensação é acentuada pela ausência de janelas abertas. Para ver uma passeata ou o cachorro que gosta o velho ex-combatente de guerra não pode fazer mais do que lançar seu olhar através da vidraça que o separa da vida pulsante. 


Resta a Arménio enfrentar seus fantasmas do passado. E ao espectador, se incomodar com a postura da direção, que aplica em um relato do passado do idoso a tentativa de fazer dele uma vítima, mesmo ele já tendo confessado os horrores praticados em nome de seu país. 

Observando mais atentamente as camadas do roteiro, a velhice pintada com as tintas do abandono, do constrangimento e do trauma parece uma merecida vingança. 

Em resumo, esta pode ser considerada uma obra de naturalizar preconceitos que se apresenta vestida de véu poético. Como aquele já conhecido patriotismo, que acredita serem válidas as piores das vilanias.


Ficha técnica:
Direção:
António Ferreira
Produção: Persona Non Grata Pictures, coprodução da brasileira Muiraquitã Filmes
Distribuição: Bretz Flmes
Exibição: Centro Cultural Unimed-BH Minas - sala 2
Duração: 1h40
Classificação: 14 anos
País: Portugal, Brasil
Gênero: drama

29 outubro 2025

Sufocante, "Novembro" revisita o ataque sanguinário ao tribunal colombiano

Nathália Reyes interpreta personagem inspirada em Clara Helena Enciso, única sobrevivente do grupo guerrilheiro M-19 (Foto: Divulgação/Vulcana Cinema)s
 
 

Silvana Monteiro

 
“Novembro”, longa-metragem dirigido e roteirizado por Tomás Corredor, mergulha na dolorosa história recente da Colômbia ao revisitar um de seus episódios mais sombrios: o cerco ao Palácio da Justiça, ocorrido em Bogotá, em novembro de 1985. 

A obra reconstrói, com intensidade e fusão internarrativa, a invasão do grupo guerrilheiro M-19 ao edifício da Suprema Corte. A resposta militar desencadeou um confronto devastador, que destruiu paredes e provocou dezenas de perdas humanas.


O filme entrelaça imagens de arquivo e cenas gravadas em locações no México, recriando o ambiente interno, opressivo e aterrorizante vivido por 35 reféns, entre guerrilheiros, juízes e civis, por mais de 27 horas no interior de um banheiro da corte judicial, naquele 6 de novembro. 

A fotografia aposta em tons densos e em uma luz rarefeita: há pouco ar, há muito suor, tensão, gente tentando sobreviver ao caos de uma invasão, choro e diálogos violentos. 

Esses elementos narrativos constroem uma atmosfera de asfixia, espelhando o medo e o desespero compartilhados por guerrilheiros, reféns e militares.


Com atuações de Natalia Reyes (também produtora executiva do filme), Santiago Alarcón, Juan Prada e Max Durán, "Novembro" é uma coprodução internacional da colombiana Burning, da mexicana Piano, da norueguesa Tordenfilm, e coprodução internacional com a produtora brasileira Vulcana Cinema. 

O longa, que chega nesta quinta-feira (30) aos cinemas brasileiros, teve estreia mundial, em setembro, na Discovery Section do 50º Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF) e foi selecionado para a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.


Destaque mais que merecido para Reyes que interpreta Clara Helena, "La Mona", uma personagem inspirada em Clara Helena Enciso, a única sobrevivente do grupo guerrilheiro M-19. Justamente por isso é perceptível sua ótica na história. 

A atuação de Santiago Alárcon no papel do magistrado Manuel Gaona Crus, também é outro ponto forte da obra. 

A narrativa que se estende em alguns trechos que poderiam ser mais dinâmicos, no entanto, enfraquece a trama. Ainda assim, no conjunto, trata-se de uma excelente opção para quem aprecia docudramas, filmes de guerrilha e produções de caráter sociopolítico. 

Especialmente no momento que estamos vivendo com a situação de caos e mortes no Rio de Janeiro após a megaoperação contra o narcotráfico. 


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Tomás Corredor
Produção: Burning, Piano, Vulcana Cinema, Tordenfilm
Distribuição: Vulcana Cinema
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h18
Classificação: 14 anos
Países: Colômbia, Brasil, Noruega e México
Gênero: drama histórico

16 outubro 2025

“O Último Rodeio": drama, redenção e a luta final de um campeão

Neal McDonough interpreta um experiente peão que abandonou a arena no passado e agora precisa
retornar para salvar seu neto (Fotos: Angel Studios)
 
 

Silvana Monteiro


Em "O Último Rodeio" ("The Last Rodeo"), um experiente e premiado peão de rodeio é confrontado com as circunstâncias do destino. E para impactar, o enredo prova que o raio cai duas vezes, sim, desta vez, sobre a casa de Joe Wainwright (interpretado por Neal McDonough, que também participou do roteiro e é um os produtores). 

Primeiro, quando perde a esposa Rose (Ruve McDonough, esposa do ator e também produtora do filme), e se entrega, abandonando as arenas. Quinze anos mais tarde, quando o neto Cody (Graham Harvey), com quem tem uma relação de muita cumplicidade, é acometido por algo que ele, o avô, considera aterrorizante e traumático.  


Joe é o cowboy durão, aquele que mesmo quando o corpo se parte em cima de toneladas de músculos e ossos em movimento, não se dá ao direito de sentir e chorar. Seu domínio na arena é premiado e ele, apesar de já ter desistido de montar, pode querer uma última vez, pelo prêmio, mas muito mais pela vida de quem ele mais ama. 

Agora, o fogo que o prova é o da fé e do amor. Embora tenha um relacionamento desafiador com a filha Sally (Sarah Jones), os dois são conectados pelo amor do neto que transcende qualquer desentendimento entre pai e filha. 


E para tratar esse neto, Joe vai ser colocado à prova.  Entre laços de família, perdas e reconciliações, a narrativa mostra o peso, muitas vezes silencioso, das dores que não vêm do esporte, das fraturas e contusões à flor da pele, e sim do convívio familiar. 

O filme tem uma linda e sofisticada fotografia. A poeira, a luz do entardecer e o close nas mãos calejadas transformam a arena em território de redenção. 

Em alguns momentos, as atuações poderiam ser mais profundas e emocionantes, mas a obra, na maioria do tempo, mantém a rigor a ambientação do universo árido e simbólico dos rodeios americanos, o que é compreensível.


A direção aposta em planos longos e uma paleta terrosa que traduz a energia dos conflitos. A trilha sonora discreta, composta por Jeff Russo, reforça o tom, ora empolgante das arenas, ora contemplativo, deixando o silêncio falar tanto quanto as quedas e reerguimentos. 

Joe volta à arena não apenas por dinheiro, mas para confrontar o passado e buscar um tipo de reconciliação com a fé e consigo mesmo. No fundo, sem tantas reviravoltas, mas como uma mensagem importante, "O Último Rodeio" é menos sobre vitórias, mas sobre amor, resiliência e recomeços.


Ficha técnica:
Direção:
John Avnet
Produção: The McDonough Company
Distribuição: Paris Filmes e Abgel Studios
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h58
Classificação: 12 anos
País: EUA
Gênero: drama

19 setembro 2025

"Sr. Blake ao Seu Dispor": um filme-conforto sem contra-indicações

John Malkovich entrega charme e um bom francês ao dividir o protagonismo com a sempre bela e 
excelente Fanny Ardant (Fotos: Ricardo Vaz Palma/Bidibul Productions)
 
 

Patrícia Cassese

 
O argumento de "Sr. Blake ao seu Dispor" (no original, "Complètement Cramé!", algo como "completamente louco", em tradução livre), roteiro e direção do francês Gilles Legardinier, que está em cartaz no Una Cine Belas Artes, não é necessariamente novo.

Um estranho chega subitamente a uma localidade de tal modo imersa em sua rotina que nem mesmo os incômodos dela decorrentes são suficientes para provocar questionamentos em quem por ali habita. 

A introdução de um novo elemento na dinâmica daquele ecossistema, como de praxe, acaba por desencadear pequenos sismos, que, desse modo, paulatinamente movimentam as rígidas estruturas que sustentam o microuniverso.


O estranho, no caso, é Andrew Blake, um britânico interpretado por John Malkovich (norte-americano, frise-se), com sua elegância habitual - trata-se de sua estreia como protagonista de uma produção francesa.  

Já a localidade em foco é uma imponente mansão no interior da França - belíssima, mas, no momento, destituída dos recursos necessários para sua eficaz manutenção. 

A atual proprietária, Madame Beauvillier (vivida pelo ícone do cinema francês Fanny Ardant - detalhe: cada dia mais linda), pensa em voltar a receber hóspedes, de modo a amenizar os custos. 


Aliás, se hospedar ali é justamente o propósito de Andrew Blake, que deixa a vida na Inglaterra para rever o lugar no qual, décadas atrás, conheceu aquela que se tornou sua parceira de vida, Diane, falecida há quatro meses. 

Descrito assim, o filme pode sugerir, ao leitor, tratar-se apenas de um drama.  Mas não, a história inclusive abre espaço para o riso, ainda que o elemento humor, aqui, concentre-se mais nas tiradas sutis que saem da boca do personagem citado no título dado pela distribuidora brasileira. 

Detalhe: o original repete o do livro homônimo escrito pelo próprio Legardinier, lançado em 2012 e, desde então, traduzido para 17 idiomas.


Como dito, Blake chegou até a mansão no afã de reavivar as memórias do tempo em que conheceu aquela que foi a sua cara-metade, mãe de sua única filha. 

No entanto, uma pequena confusão se instala: é que, na verdade, a casa ainda não está aberta a receber hóspedes e, naquele momento de preparativos para tal, uma vaga para o posto de mordomo foi aberta. 

Com isso, Odile (Émilie Dequenne, ótima), cozinheira e governanta da casa, julga ser o Blake nada mais que um candidato à vaga, e, assim, o instala na ala dos empregados. 


Mesmo quando a confusão se desfaz entre os dois, Blake segue se passando por um aspirante a mordomo perante Madame Beauvillier, posto que só assim conseguiria permanecer por lá.

Nesta "encenação", claro, ele conta com a cumplicidade de Odile, personagem que, no curso do tempo, ergueu um muro em torno de si para se proteger do outro. Aliás, aos poucos, ela acaba revelando a Blake os motivos que a tornaram, assim, tão rígida quanto pouco permeável a estranhos. 

Um comportamento que inclusive a faz dar tudo de si no preparo das refeições do seu gato, Mephisto, mas, em contrapartida, se resumir ao trivial para os demais. 


A interação de Odile com Blake a faz rever comportamentos - e desanuvia suas feições. E o mesmo acontece com os demais personagens que compõem a trama, incluindo a jovem Manon (Eugénie Anselin), responsável pelos serviços gerais da casa, e que está grávida, tendo sido abandonada pelo parceiro e expulsa de casa pela mãe.

E Phillipe (Philippe Bas), o arisco caseiro, que prefere que seus interesses pessoais (como a construção de miniaturas de casas) não sejam do conhecimento das demais pessoas por ali.


Em meio aos acontecimentos provocados pela chegada de Blake, despontam também belas falas, como quando o personagem reflete que os arrependimentos por decisões que tomou no curso da vida, hoje, não o afetam tanto quanto o impacto diante da perda das pessoas que amava. 

O filme também aponta como o dar as mãos, diante de certas situações da existência, é um passo importante até mesmo para mudanças de ordem prática, como arrumar um quarto para a nova habitante da casa central ou um acesso mais inteligente para o gato adentrar a casa.


O fato de o diretor e roteirista (função dividida com Christel Henon) ser também o autor do livro adaptado, claro, garante a fidelidade ao conteúdo da obra e às reflexões - pertinentes - que coloca ao leitor/espectador. 

Um outro chamariz é observar Malkovich se esmerando no francês para fazer bonito - e, voilà, ele vence o desafio! Certo, algumas partes meio non sense (como o enfrentamento aos corretores que visam a venda da mansão) poderiam ser limadas. 

Mas, no frigir dos ovos, "Sr. Blake ao Seu Dispor" insere-se na categoria dos "filmes conforto", o que, em tempos tão bélicos, não é pouca coisa.


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Gilles Legardinier
Produção: Universal Pictures
Distribuição: Mares Filmes
Exibição: Una Cine Belas Artes - sala 1
Duração: 1h50
Classificação: 12 anos
Países: França, Luxemburgo
Gêneros: comédia, drama

18 setembro 2025

"A Grande Viagem da Sua Vida" - uma jornada mágica ao passado para mudar o futuro

Colin Farrell e Margot Robbie são os protagonistas desta comédia dramática sobre solidão e desafios nos relacionamentos (Fotos: Sony Pictures)
 
 

Maristela Bretas

 
Colin Farrell com seu olhar de menino carente. Margot Robbie com seu sorriso aberto e contagiante. Como não se apaixonar e torcer por esse casal? Mesmo quando os fantasmas do passado de ambos ameaçam colocar tudo a perder. Essa é a história de "A Grande Viagem da Sua Vida" ("A Big Bold Beautiful Journey"), em cartaz nos cinemas.

O diretor sul-coreano Kogonada conduz a trama com delicadeza e sensibilidade, equilibrando romance e poesia para falar de amor, sem deixar de lado uma energia vibrante, sustentada pela química dos protagonistas.


Embora o tema não seja original, a direção de Kogonada, o roteiro bem amarrado de Seth Reiss e as atuações carismáticas de Farrell e Robbie garantem uma experiência envolvente e boa diversão.

Farrell interpreta David, um solteirão bonito e charmoso, mas de pouca conversa que não consegue se acertar com ninguém. Até conhecer Sarah, personagem vivida por Margot Robbie, que também tem problema com relacionamentos amorosos duradouros. 


Os dois são apresentados em uma festa de casamento de amigos em comum e não imaginam a reviravolta que o "destino" armou para ambos. Ao aceitarem fazer juntos a "grande viagem" de suas vidas, David e Sarah embarcam numa aventura fantástica e imprevisível. 

Perdidos entre memórias e escolhas, eles têm pendências do passado que os fazem ter medo do presente e acreditar num futuro com alguém. Para seguirem em frente terão de abrir velhas portas e revisitar lembranças, boas e dolorosas, que os fará repensar em tudo o que já passaram até o presente. E, quem sabe, ganhar uma oportunidade de mudar seus futuros. 


"A Grande Viagem de sua Vida" também conta com uma dupla premiada e muito especial no elenco: Kevin Kline e Phoebe Waller-Bridge formam um casal estranho e engraçado, responsável pelos momentos mais cômicos e que vai fazer toda a diferença na narrativa.

Essa viagem pelo tempo fica ainda mais encantadora com os cenários deslumbrantes, que vão de um pôr-do-sol arrebatador a estradas que cortam vales e campos floridos. Um espetáculo visual de muita cor e suavidade que intensifica o clima romântico, sem falar na lua especial criada sob medida.


Para completar, o diretor escolheu uma emocionante trilha sonora para embalar cada passo da jornada e contar essa história de amor quase impossível.

Mas será que tantas mágoas e desencontros do passado vão permitir que Sarah e David fiquem juntos? Só assistindo e torcendo por eles para descobrir. Sem esquecer o lencinho, porque cai muito cisco nos olhos.


Ficha técnica
Direção: Kogonada
Roteiro: Seth Reiss
Produção: Columbia Pictures, Original Films, Imperative Entertainment, 30West
Distribuição: Sony Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h19
Classificação: 12 anos
País: EUA
Gêneros: drama, romance

15 setembro 2025

"O Agente Secreto" é o retrato crítico de uma sociedade sem memória

Filme estrelado por Wagner Moura, com direção e roteiro de Kleber Mendonça Filho, estreia em 6 de novembro nos cinemas brasileiros (Fotos: Vitrine Filmes e CinemaScópio Produções)
 
 

Marcos Tadeu
Parceiro do blog Jornalista de Cinema

 
"O Agente Secreto", novo filme de Kleber Mendonça Filho, foi selecionado para representar o Brasil no Oscar 2026 na categoria de Melhor Filme Internacional. O longa vem chamando atenção nos festivais internacionais e já coleciona prêmios como  Melhor Ator para Wagner Moura e Melhor Direção para Kleber em Cannes, além de Melhor Filme em Lima. 

Depois da vitória de "Ainda Estou Aqui" (2024) como Melhor Filme Internacional, cresce a expectativa de novas conquistas. Com estreia marcada no circuito comercial em 6 de novembro, com pré-venda a partir de 16 de outubro, assisti ao filme na abertura do Festival de Brasília, no último sábado.


A trama se passa em 1977. Marcelo (Wagner Moura), professor universitário especialista em tecnologia, que tenta deixar para trás um passado violento e misterioso, mudando-se de São Paulo para Recife em busca de recomeço. 

Ao chegar à capital pernambucana em plena semana de Carnaval descobre que está sendo espionado pelos vizinhos. O refúgio que esperava encontrar se revela um labirinto de perseguições.

Kleber Mendonça Filho (que também dirigiu "Bacurau" - 2019)  constrói uma estética pulsante para abordar um tema ainda atual: o apagamento de pessoas e memórias durante a ditadura. 

Desde as primeiras cenas, evoca ícones como Os Trapalhões, Chacrinha, Tarcísio Meira e Glória Menezes, situando o espectador num Brasil nos anos 1970, marcados por tensões políticas e culturais.


"O Agente Secreto" também remete à questão da identidade: a alternância entre Marcelo e Armando confunde o espectador, revelando como a repressão política forçava mudanças de nomes e vidas. O frevo e o Carnaval atravessam a narrativa, ora como festa popular, ora como pano de fundo de violências e possíveis assassinatos.

Com 2h40 de duração, divididas em capítulos, o longa mescla narrativa calma e peso histórico. A devoção ao cinema aparece em detalhes afetivos — como o filho de Marcelo, fascinado por tubarões, mas impedido de assistir ao clássico de Steven Spielberg — reforçando a relação íntima entre lembranças, família e a sétima arte, algo já presente em "Retratos Fantasmas" (2023).


Outro recurso marcante é o uso da morte de uma figura importante mostrada apenas por meio de jornais, um gesto que reforça a memória documental e abre margem para que o espectador imagine as circunstâncias do crime. 

Kleber já declarou apreciar esse tipo de recurso, pois permite dar continuidade à história sem precisar mostrar tudo em cena.

Se há um elemento que pode dividir opiniões, é o fato de Wagner Moura se desdobrar em mais de um personagem. Essa estratégia, embora potente, pode afastar parte do público da imersão. 


A escolha lembra o que M. Night Shyamalan fez em "Fragmentado" (2017), ao explorar como o tempo e as memórias moldam identidades distintas em um mesmo corpo.

Além de Wagner Moura, o elenco conta ainda com nomes conhecidos do cinema brasileiro, como Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, o mineiro Carlos Francisco. Alice Carvalho, entre outros.

"O Agente Secreto" reafirma o olhar político e sensível de Kleber Mendonça Filho, transformando a jornada de um homem em espelho da memória coletiva brasileira.


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Kleber Mendonça Filho
Produção: CinemaScópio Produções, com coprodução da MK2 Productions, Lemming, One Two Films
Distribuição: Vitrine Filmes
Exibição: estreia dia 06 de novembro nos cinemas
Duração: 2h40
Classificação: 16 anos
Países: Brasil, França, Holanda e Alemanha
Gêneros: drama, thriller político

11 setembro 2025

"Suçuarana" - a força e a coragem de uma mulher peregrina

A ficção acompanha Dora, vivida por Sinara Teles, em suas andanças por um país de paisagens devastadas
pela mineração (Fotos: Embaúba Filmes)
 
 

Silvana Monteiro

 
Em "Suçuarana", com estreia nesta quinta-feira no Cine Una Belas Artes e no Centro Cultural Unimed-BH Minas, Clarissa Campolina e Sérgio Borges desenham uma narrativa que é menos sobre destino e mais sobre deslocamento. 

Dora (Sinara Teles) surge como uma figura marcada pelo nomadismo: mochila nas costas, coragem nos pés e na cabeça, que passa a ser acompanhada por um cão que a guia silenciosamente. 


O filme a acompanha em suas andanças por um país de paisagens atravessadas pela mineração, onde os tons terrosos da fotografia de Ivo Lopes Araújo, cores dos verdes secos e úmidos, do barro, da poeira e da chuva, dos puxadinhos e construções improvisadas traduzem a natureza nua e crua do desgaste provocado pelos homens.

Dora é apresentada como alguém sempre a caminho, quase nunca em repouso. Seu percurso não é apenas físico, mas também existencial. Esse é o maior trunfo do filme: ver no rosto, nos cabelos, nas roupas marcadas pela sujeira dos assentos e nos olhos fundos de nossa peregrina, a poética de uma vida marcada pelo incerto. 


Cada encontro na estrada, seja com pessoas, histórias, fragmentos, ruínas e comunidades improvisadas, vai compondo a tessitura de uma vida fragmentada, em busca de uma promessa antiga, a terra sonhada com a mãe. 

O deslocamento constante carrega a ambiguidade entre exílio e liberdade, entre o desejo de pertencer a algum lugar e a vocação para pegar uma carona, caminhar longas distâncias de forma solitária ou lavar as roupas em um riacho à beira das matas.


A narrativa, digo isto porque o filme transmite uma sensação de fragmentação, se passa em uma paisagem também transitória, devastada pela mineração, uma fábrica abandonada, um vilarejo que insiste em existir e rostos receptivos ou móveis deteriorados pelo tempo. É nesse choque entre destruição e resistência que Dora encontra respiros de afeto. 

Afetos esses demonstrados em garfadas de comida, bate-papos rápidos, acolhidas para pernoites bem inóspitas e, finalmente, onde se demora um pouco mais em uma comunidade tradicional. 


Nesse lugar temos as manifestações da simplicidade: a benzedeira, os vizinhos que se juntam para um jogo e, sobretudo, para o trabalho em uma fábrica abandonada. 

A força de "Suçuarana" está na forma como conecta estética e percurso. A fotografia privilegia planos abertos que ressaltam tanto a solidão da personagem quanto a vastidão que a envolve. 


O cachorro, quase uma entidade mítica; o som, com trilha de Ajítenà Marco Scarassatti e Djalma Correia, em uma mistura de ruídos da natureza, percussões orgânicas, a poluição sonora das estradas, e os diálogos fortuitos dos rápidos e sofridos pousos de Dora. 

Mais do que contar a história de uma busca, "Suçuarana" expõe o paradoxo de existir sempre em trânsito. Dora está sempre partindo e, ao mesmo tempo, sempre chegando a algum lugar. 

O filme não oferece um destino final; oferece, sim, a percepção de que caminhar também é um modo de existir. E sobre o existir, sabemos só dos segundos a seguir, se é que sabemos. Não mais.


Ficha técnica:
Direção:
Clarissa Campolina e Sérgio Borges
Produção: Anavilhana Produções
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: Cine Una Belas Artes e Centro Cultural Unimed-BH Minas
Duração: 1h25
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: ficção

08 setembro 2025

“Dormir de Olhos Abertos” apresenta, sem emoção, a visão de imigrantes sobre viver no Brasil

Filme foi dirigido pela alemã Nele Wohlatz e produzido por Emilie Lesclaux e Kleber Mendonça Filho
(Fotos: Vitrine Filmes)


Eduardo Jr.


Apresentar, em uma hora e meia, a percepção de estrangeiros sobre o Brasil, terra onde buscam reconstruir suas vidas. Esta é a temática do filme “Dormir de Olhos Abertos”. O longa, dirigido pela alemã Nele Wohlatz e produzido por Emilie Lesclaux e Kleber Mendonça Filho, estreia dia 11 de setembro nos cinemas;

Com o perdão do trocadilho, o ponto de partida é um aeroporto, onde uma jovem oriental espera seu companheiro, que decide não viajar mais. Ali se imprime a solidão que vai acompanhar a protagonista Kai (Liao Kai Ro) por toda a trama.


Chegar a outro país, onde o idioma se coloca como barreira e nem o ar condicionado fala sua língua, é algo difícil de suportar. Mas Kai segue tentando, buscando parecer uma cidadã local e se aproximando de um vendedor de guarda-chuvas. Como a chuva não chega, a loja fecha e o possível amigo também desaparece. Mais uma vez ela está sozinha.

Kai (e a câmera, escura demais em certos momentos) começam a observar o cotidiano de chineses que se agrupam na cidade e moram em prédios de luxo. E é na observação desses imigrantes que a história começa a causar estranhamento.


A jovem parece deixar de ser a protagonista, dando lugar à rotina diária desses estrangeiros, muitas vezes permeada de inseguranças e medo. Daí o título do longa, já que a recomendação entre eles é de que se mantenham atentos, não baixem a guarda, não durmam profundamente.

Algumas frases até soam engraçadas, como o estranhamento quanto ao hábito de o brasileiro “colocar farofa em tudo”. Mas os momentos de comédia não salvam a sensação de suspensão na qual o espectador é colocado. O filme é silencioso e consegue a façanha de só revelar que a história se passa em Recife após 25 minutos de exibição.


O público é instigado a experimentar a solidão, a aflição e a incredulidade diante da situação de se entregar a empregos sem contrato e nem garantias trabalhistas, realidade que afeta inúmeros imigrantes que chegam ao Brasil.

No entanto, é pouco para avaliar positivamente o longa, que padece de emoção. Enquanto produto audiovisual, esta poderia ser considerada uma obra “estranha”.
 

Ficha técnica:
Direção:
Nele Wohlatz
Produção: Cinemascópio
Distribuição: Vitrine Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h37
Classificação: 14 anos
Países: Brasil, Argentina, Taiwan e Alemanha
Gênero: drama