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15 março 2024

Perturbador, "Zona de Interesse" usa o som como protagonista para retratar a banalização do sofrimento

A trama gira em torno da família Höss, que vive com indiferença em uma casa ao lado do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia (Fotos: A24/Divulgação)


Maristela Bretas


"Zona de Interesse (““The Zone of Interest”), vencedor do Oscar 2024 de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Som, é um filme que prende do início ao fim, não pela ação, mas pelo horror silencioso e banalizado que se desenrola diante dos nossos olhos. 

A trama gira em torno da família Höss, que vive em uma casa ao lado do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. O patriarca, Rudolf Höss (interpretado por Christian Friedel), é o comandante do local, um homem frio e calculista que comanda tudo e a todos com punho de ferro.

O que torna o longa tão perturbador é a maneira como retrata a banalização do horror. A família Höss leva uma vida normal, com seus afazeres domésticos, brigas e momentos de lazer à beira do rio ou da piscina no bucólico jardim da residência. 


A mãe, Hedwig Höss, é interpretada por Sandra Hüller, que arrasa também em outro vencedor do Oscar, "Anatomia de Uma Queda". Ela demonstra total indiferença ao sofrimento alheio, tratando a situação com frieza e desumanização, a ponto de usar roupas caras tomadas de famílias ricas judias que seriam exterminadas.

Os sons dos gritos, tiros e da fumaça das torres de incineração são apenas um pano de fundo para suas vidas. Mas são esses sons do horror que incomodam e causam mal-estar ao espectador. Não há nenhuma cena explícita, apenas o ruído macabro da morte e do sofrimento. Esta parte técnica foi muito bem trabalhada e mereceu o prêmio de Melhor Som no Oscar 2024.


Em meio à apatia e ao silêncio cúmplice, dois personagens se destacam: o filho caçula e a avó. O menino demonstra repulsa ao que está acontecendo, mas teme ser repreendido por ter tais sentimentos. Enquanto a avó que está visitando a filha, com sua sabedoria e experiência, tenta conscientizar a família sobre a crueldade dos atos praticados no vizinho ao lado.

O filme é sustentado por atuações memoráveis de todo o elenco. Christian Friedel transmite a frieza e a crueldade de Rudolf Höss com maestria, enquanto Sandra Hüller é impecável ao interpretar a indiferença e a hipocrisia de Hedwig Höss.


A produção, feita no Reino Unido, é um retrato implacável da indiferença humana diante do sofrimento alheio e não é fácil de assistir. O diretor e também roteirista Jonathan Glazer fez um trabalho meticuloso ao criar uma atmosfera claustrofóbica e angustiante. 

Utilizou-se de uma trilha sonora minimalista, composta pela britânica Mica Levi, e de uma cinematografia impecável na reprodução de detalhes, como a da casa onde viveu a família Höss ao lado do campo de extermínio.

Entre os pontos fortes temos as atuações impecáveis de Sandra Hüller e Christian Friedel, a direção meticulosa de Jonathan Glazer, a atmosfera claustrofóbica e angustiante (apesar de tudo) e a abordagem de um tema importante e necessário que voltou a ser atual. O ritmo lento em alguns momentos pode incomodar pessoas mais sensíveis.


Em entrevista à imprensa internacional, Glazer afirmou que se tratava de "um filme feito a partir de um profundo sentimento de raiva. Eu não estava interessado em fazer uma peça de museu. Não queria que as pessoas tivessem a distância segura do passado e saíssem sem se incomodar com o que vissem. Eu queria dizer não, não, não – deveríamos nos sentir profundamente inseguros em relação a esse tipo de horror primordial que está por trás de tudo."

"Zona de Interesse" é poderoso e perturbador, que nos faz confrontar a indiferença humana diante do sofrimento alheio. É um filme necessário, que nos faz refletir sobre a banalização do mal e a importância de nunca esquecermos os horrores do passado. Mas também nos convida a buscar a justiça e a compaixão em um mundo cada vez mais insensível.


Ficha técnica
Direção e roteiro: Jonathan Glazer
Produção: A24
Distribuição: Diamond Films
Exibição: no Cineart Ponteio e Cinemark Pátio Savassi; a partir de 31/03, no canal de streaming Prime Video
Duração: 1h46
Classificação: 12 anos
Países: Reino Unido, Polônia e EUA
Gêneros: drama, guerra

13 março 2024

"A Sala dos Professores" aborda as questões éticas e morais de uma escola que podem abalar uma comunidade

Leonie Benesch interpreta uma educadora que busca sempre uma relação de comunicação com seus alunos para melhorar o ensino (Fotos: Alamofilm/Divulgação)


Marcos Tadeu
Narrativa Cinematográfica


Apesar da indicação ao Oscar 2024 na categoria de Melhor Filme Internacional, infelizmente o longa alemão "A Sala dos Professores" ("The Teachers' Lounge") ficou pouco tempo nos cinemas de BH. A direção de Ilker Çatak e atuação da brilhante atriz Leonie Benesch fazem deste filme uma obra que merece ser assistida por professores, alunos e pais.

Na história, conhecemos a professora Carla Nowak (Benesch), recém-chegada a uma escola, que ministra aulas de Matemática e Esportes, buscando sempre uma relação de comunicação com os estudantes para melhorar o ensino de maneira prática. Tudo vai bem até que uma série de furtos começa a acontecer e um de seus alunos se torna o principal suspeito. 


A protagonista decide investigar, mas acaba criando um movimento negativo na comunidade, com todos querendo saber o que se passa na escola. O longa acerta ao tratar questões morais de maneiras nada sutis. Até a cena do possível furto não dá resposta pronta.

Esse tipo de obra lembra muito "A Caça" (2012), de Thomas Vinterberg, no qual um professor de uma escolinha é acusado de abuso em sua cidade e acaba sendo "cancelado" de todas as formas. Aqui existe uma aproximação desse tipo de narrativa, onde Carla, que se apresenta como uma pessoa com valores éticos e morais inabaláveis por ser a correta, é confrontada até pelos próprios colegas.


Temos até um momento em que Carla se declara nascida na Polônia, o que dá a entender que talvez ela e sua família tenham sido perseguidas por nazistas e sofrido atrocidades. No entanto, nem esse argumento faz com que alunos e, principalmente, professores, acreditem em sua palavra.

Temas como notícias falsas, a intervenção da coordenação em sala de aula, o direito de imagem e até o ato de acusar alguém são importantes para a obra e Ilker Çatak faz uma boa mescla desses assuntos.

Faltou, no entanto, explorar a vida de Carla em escolas anteriores, o que daria mais força a sua personagem. Cabe ao telespectador julgar seus atos. "A Sala dos Professores" é aquele típico filme educacional para ser assistido por alunos e educadores, com questões que podem surgir em qualquer contexto universal de uma escola. Uma produção que, após o término, deixa muitas pautas a se pensar.


Ficha técnica:
Direção: Ilker Çatak
Distribuição: Sony Pictures
Exibição: sala Vip do Cinemark Diamond Mall (sessão das 18h40) e em breve no streaming
Duração: 1h40
Classificação: 12 anos
País: Alemanha
Gêneros: drama, ficção

12 março 2024

"As 4 Filhas de Olfa" mergulha na vida de uma mulher tunisiana

Indicado ao Oscar, documentário dirigido por Kaouther Ben Hania é baseado em um caso real ocorrido em 2010
(Fotos: Atomicalab/Divulgação)


Silvana Monteiro


Está em cartaz no Una Cine Belas Artes, o documentário "As 4 Filhas de Olfa" ("Les Filles d'Olfa"), dirigido por Kaouther Ben Hania (“O Homem que Vendeu Sua Pele” - 2020). Baseado em um caso real ocorrido em 2010, ele mergulha na vida da tunisiana Olfa Hamrouni, que teve quatro filhas, mas, misteriosamente, as duas mais velhas desapareceram. 

O filme adota uma abordagem única ao mesclar realidade e ficção, convidando três atrizes profissionais para interpretar a mãe e duas das filhas, permitindo uma exploração emocional e psicológica mais profunda dos eventos narrados. 

Vencedor do prêmio Golden Eye de Melhor Documentário do Festival de Cannes em 2023, foi um dos indicados ao Oscar 2024 na mesma categoria e tem 95% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes. 


Hend Sabri interpreta Olfa com uma profundidade que traz à tona reflexões sobre o feminino, maternidade, violência e complexidade das relações familiares, religião e perspectiva sociopolítica. Nour Karoui e Ichraq Matar fazem os papéis das filhas mais velhas.

Segundo a diretora, a ideia para o documentário surgiu em 2016, quando estava terminando outro projeto. A história de Olfa, que circulava na mídia na época, a deixou intrigada e emocionada. Logo, entrou em contato para convencê-la a participar de um documentário sobre sua vida. O projeto, no entanto, sofreu dificuldades e quase não foi finalizado.


Nas primeiras filmagens, que ocorreram apenas com Olfa e suas duas filhas mais jovens, Kaouther Ben Hania percebeu que não estava capturando um momento genuíno da história daquela família. Ela, então, pausou o projeto, e retornou anos depois com três atrizes — Nour Karoui, Ichraq Matar e Hend Sabri — para interpretar as filhas desaparecidas e a própria Olfa, respectivamente.

A decisão da diretora de incluir as três atrizes no documentário foi inovadora e reforça a originalidade da obra, possibilitando trocas emocionais intensas entre as seis protagonistas, algo como olhar-se no espelho ou ver-se com distanciamento, principalmente em relação à genitora.

A narrativa envolvente aborda temas como sonhos, crenças, revoltas, violência, transmissão e irmandade, questionando os valores e a estrutura da sociedade. Kaouther habilmente tece uma história que não apenas explora o desaparecimento das filhas, mas contextualiza-o na narrativa humanossocial, discutindo temas como fundamentalismo religioso, liberdade feminina, intergeracionalidade e conflito entre tradição e modernidade.


A fotografia impressiona, capturando a beleza e complexidade da Tunísia, refletindo a intensidade intimista e emocional dos personagens. A escolha de cenários e a maneira como as cenas são filmadas contribuem para a atmosfera envolvente e impactante do documentário.

"As 4 Filhas de Olfa" apresenta uma narrativa forte e comovente que vai além do tradicional documentário, ao explorar as nuances emocionais e psicológicas de sua história e ao ampliar vozes e identidades. 

É uma obra que não apenas informa, mas também emociona e provoca reflexão, tornando-se uma experiência cinematográfica marcante, tanto para amantes do gênero Doc. , quanto para pessoas que querem conhecer esse tipo de narrativa.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Kaouther Ben Hania
Distribuição: Synapse Distribution
Exibição: sala 3 do Una Cine Belas Artes (sessão 14 horas)
Duração: 1h47
Classificação: 14 anos
Países: Turquia, Alemanha, França, Arábia Saudita
Gêneros: drama, documentário

09 março 2024

"Ficção Americana" é uma crítica à exploração de clichês e estereótipos negros

Filme baseado no romance "Erasure" (2001), de Percival Everett, tem Jeffrey Wright como protagonista e concorrendo ao Oscar 2024 (Fotos: Amazon Prime)


Silvana Monteiro e Jean Piter


Com uma perspectiva étnico-racial, "Ficção Americana", disponível no Prime Vídeo, busca entreter por meio de sátira e crítica aos clichês e estereótipos negros explorados pela indústria cultural para atrair público e alcançar sucesso. As brilhantes atuações renderam reconhecimento do longa, dirigido por Cord Jefferson, em importantes categorias do Oscar 2024, com indicações para Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Trilha Sonora Original.

Com um enredo envolvente e peculiar, "Ficção Americana" retrata a luta de Thelonious "Monk" Ellison (interpretado por Jeffrey Wright), um brilhante escritor negro em busca da forma ideal para entrar no fluxo editorial que o leve a ser mais valorizado. 

A habilidade de Wright em dar vida a Monk é impressionante, o que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator. O diretor Cord Jefferson soube explorar com louvor as expressões, sentimentos e conexões sociais do protagonista.


Outro que merece destaque é Sterling K. Brown, indicado na categoria de Melhor Ator Coadjuvante. O ator é conhecido por sua excepcional performance como Randall Pearson na série "This is Us" (2016-2022), em exibição no Star+. 

São marcantes também as presenças de Issa Rae, a poderosa criadora da série da HBO, "Insecure”, de Erika Alexander (2016-2021), e Tracee Ellis Ross, da série “Black-Ish” (2014-2022), exibida no Disney+, que elevam a narrativa a outros patamares.

O filme é baseado no aclamado romance "Erasure" de Percival Everett, publicado em 2001. Monk cada vez mais frustrado com sua carreira e enfrentando desafios com sua mãe, recebe a ordem de escrever algo "mais negro" e decide redigir um livro sob um pseudônimo. 


Nessa obra, ele explora, ao extremo, todos os clichês e estereótipos negros, seguindo uma fórmula que observou ter funcionado para outros escritores negros, como Sintara Golden, interpretada por Issa Rae. 

No entanto, para sua surpresa e conflito moral, aquilo que ele escreveu com deboche, proporciona sucesso estrondoso a seu livro e faz com que ele se torne "a obra do ano".

"Ficção Americana" cativa os espectadores com uma narrativa poderosa, abordando críticas étnico-raciais e socio-raciais, além de dilemas moral e ético. É um filme que desafia convenções e levanta questões importantes sobre a representação do negro, sobretudo nos mercados editorial e cinematográfico, e a exploração dessa temática em busca de sensacionalismo e sucesso hollywoodiano.


A narrativa aborda, de maneira sutil, a questão da diversidade e inclusão, consideradas como a nova responsabilidade social. O chamado “tokenismo”, em que os mercados cultural e editorial enfatizavam a inclusão de negros, porém, muitas vezes, com a presença de apenas um indivíduo, e frequentemente retratado com estereótipos. 

A obra é uma crítica aberta à chamada “lavagem da diversidade”, quando essas iniciativas são tratadas de maneira superficial, como mera obrigação legal, sem um compromisso real com a diversidade e inclusão.

Há também o destaque à linha tênue entre o mercado cultural e de entretenimento, destacando que o segundo busca apenas lucro, sem preocupação com a quebra de estereótipos ou reflexões mais profundas. Isso é evidenciado na forma como as editoras e produtoras buscam apenas o lucro ao adaptar obras para o cinema, sem considerar aspectos culturais mais profundos.


O filme também critica a forma como se espera que as histórias escritas ou protagonizadas por negros sejam limitadas a estereótipos, sem espaço para narrativas que fujam desses padrões. 

A genialidade da trama reside nos recursos inventados por Monk para se manter oculto como autor da aclamada obra, e nos desafios complexos que ele enfrenta como consequência da piada que o torna famoso.

As cenas discursivas com diálogos afiados e satíricos são elementos marcantes que permeiam toda a narrativa. Laura Karpman, a mente por trás da trilha sonora, adotou uma abordagem inovadora ao se inspirar no livro que deu origem ao filme. Ela incluiu trechos instrumentais melancólicos conexos a pitadas de jazz. Uma escolha musical que se integrou perfeitamente à atmosfera do filme. 

"Ficção Americana" vale muito a pena, para negros e não negros, mas principalmente para aqueles que desejam ampliar seu letramento racial e apreciar enredos provocativos.


Ficha técnica
Direção: Cord Jefferson
Produção: MGM Studios
Exibição: Prime Video
Duração: 1h58
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: comédia, drama

06 fevereiro 2024

“Moneyboys” aborda prostituição masculina e drama particular

Filme dialoga com temas universais enquanto tenta emocionar público (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (8) o longa “Moneyboys”. Distribuído pela Pandora Filmes, o trabalho do diretor e roteirista chinês C.B Yi é de 2021. Já foi exibido em Cannes e só agora desembarca por aqui. E nele, um jovem que vive da prostituição carrega o preconceito da família, marcas de uma situação do passado e um desejo de recomeço. 

O filme se abre como um curta. O jovem Fei (Kai Ko) é recebido em um apartamento por Xiaolai (J.C. Lin), de roupas extravagantes, que já esperava por ele. O espectador até imagina que os dois vão se relacionar, mas, na verdade, os jovens estão ali para um programa a três com um cliente. Está dada a tônica do filme: há mais do que se imagina ou se vê.       


Vindo de um vilarejo, o inocente Fei se envolve com o já experiente ex-namorado. No entanto, a falta de maldade e de maturidade coloca o jovem em uma situação de risco. Apaixonado, Xiaolai toma uma atitude pra defender o namorado, que será crucial para o filme. 

A partir dali uma câmera nervosa, enquadramentos muito planejadinhos (em cenários falsos em demasia) e tons de lilás e vermelho acompanham a angústia de uma vida sem afeto e marcada pelo preconceito. E só então se tem o nome do filme na tela, como se um curta-metragem marcasse o ponto de partida da história. 


Mesmo sendo uma produção oriental, algumas abordagens são muito familiares a nossa cultura. Por exemplo, a violência associada à prostituição, a hipocrisia da família do protagonista, que aceita o dinheiro de Fei, mas não sua orientação sexual nem seu estilo de vida, o falso moralismo e a necessidade de manter as aparências perante a sociedade. 

Tais impressões podem sugerir um drama emotivo, ou talvez mais quente, mas este é um longa sem arroubos. E parece até haver dois filmes dentro de um só, quando um conhecido de Fei, Long (Bai Yu Fan) decide também sair do vilarejo e ir atrás dele na cidade. O foco da obra vai se direcionando mais para a entrada do novato no mundo da prostituição do que para a busca por soluções pelo protagonista. 


Mas o resgate da trama acontece, quando o passado vai ressurgindo e Fei precisa fechar algumas feridas, enxergar que vive de dar um afeto comprado aos clientes sem conseguir desfrutar de amor próprio ou envolvimentos sentimentais. 

O sentimento, inclusive, foi um dos propulsores do diretor para realizar o filme. De nacionalidade chinesa, C. B. Yi passou a adolescência na Áustria. Fez questão de ambientar sua história na China rural, falando da migração para a cidade, porque não conseguiria colocar as situações da trama em cidades europeias sem o mesmo contexto de violência. 


Direção 

Se o diretor se apoia nas lembranças e na ligação de décadas atrás com o país de nascença, é justamente a conexão com o passado que falta ao roteiro e ao protagonista. Não se sabe quando ou por que Fei saiu do seu vilarejo, ou quem é o cafetão responsável por agenciar os garotos de programa. 

Sem um passado, sem a família, amigos nem amores, o protagonista tem lembranças de alegrias recentes (mas a tentativa de evocar um flashback falha na execução técnica, com uma viagem ao passado que não tem cara de lembrança). Filme que pode ocupar o tempo, mas não deixa saudade. 


Ficha Técnica:
Direção e roteiro:
C. B. Yi
Produção: Panache Productions, Arte France Cinéma, Zorba Production, KGP Kranzelbinder Gabriele Production
Exibição: nos cinemas
Duração: 2 horas
Classificação: 14 anos
Países: Taiwan, Áustria, França, Bélgica
Gênero: drama

04 fevereiro 2024

Premiado e emocionante, “Os Rejeitados” talvez seja apenas mais um conto de Natal

Elenco é formado pelo irretocável triângulo de atores Paul Giamatti, Da’Vine Joy Randolph e o estreante Dominic Sessa (Fotos: Focus Features/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Esta não é a primeira vez – e certamente não será a última – que um filme trata da relação conflituosa/amorosa entre professor e aluno. Desde o inesquecível “Ao Mestre, com Carinho” (1967) até o cult “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989), para citar apenas dois, o poder transformador do afeto na educação é tema recorrente e, quase sempre, de muito sucesso no cinema. 

Pois esse é o caso de “Os Rejeitados”, que conquistou prêmios no Globo de Ouro, Critics Choice Award e de Melhor Filme do Ano na AFI, além de ser um dos indicados ao Oscar de 2024 como Melhor Filme. O longa pode ser conferido nas salas do Una Cine Belas Artes e do Centro Cultural Unimed BH-Minas.


Uma das diferenças do longa dirigido por Alexander Payne é que, além da dupla professor irascível e/ou paciente versus aluno rebelde, há uma terceira figura que ajuda a elevar a emoção do espectador enquanto a trama avança. 

E o terceiro vértice desse triângulo, formado por Paul Giamatti como o mestre odiado Paul Hunham, e Dominic Sessa como o adolescente problemático Angus Tully, é a carismática Da’Vine Joy Randolph, que ilumina as cenas como a cozinheira Mary Lamb.


A história: em algum ano da década de 1970, num internato aristocrático próximo a Boston, um professor caolho e pedante de História Antiga é obrigado a passar as festas de fim de ano tomando conta do aluno rebelde Angus Tully, meio esquecido pela família. 

A cozinheira negra e gorda Mary Lamb também sobra na instituição naquela data talvez por não ter para onde ir. Detalhe: além de solitária, ela está de luto pela perda de um filho.


No fundo, “Os Rejeitados” não passa de um conto de Natal, que parece ter sido feito para emocionar. Estão em cena a solidão, os presentes, a carência, a neve, a família – ou a falta dela – os drinques, as reconciliações e, principalmente, a solidariedade. 

Mas o mérito dessa comédia dramática está, certamente, na atuação do trio principal. Paul Giamatti, Da’Vine Joy Randolph e o estreante Dominic Sessa estão impagáveis e irretocáveis.


Outra marca do longa é a melancolia – e não só pelo Natal, ausências etc. A trilha sonora, remetendo invariavelmente aos anos de 1970, provoca arrepios nos espectadores mais maduros, assim como a única referência, meio velada e com jeito de “por acaso”, da Guerra do Vietnã, marco indelével daquela década: a morte do filho de Mary Lamb aos 20 anos. Um negro.

É inegável que “Os Rejeitados” (originalmente “The Holdovers”) exala compaixão e empatia e provoca os melhores sentimentos no público. Mas, da metade do longa para o final, não é difícil prever o rumo da história. Fica, no finalzinho, uma incômoda sensação de déjà vu.


Ficha técnica:
Direção: Alexander Payne
Produção: Focus Features Pictures
Distribuição: Universal Pictures
Exibição: sala 3 do Una Cine Belas Artes (sessão das 20 horas) e sala 2 do Centro Cultural Unimed BH-Minas (sessão 10h40)
Duração: 2h14
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: drama, comédia

05 janeiro 2024

Aclamado pela crítica, "Folhas de Outono" impressiona pela sensibilidade

Novo longa de Aki Kaurismäki está na shortlist do Oscar 2024 e foi nomeado ao Globo de Ouro (Fotos: Pandora Film/Sputnik Oy)

Carolina Cassese


Comédias românticas geralmente apresentam uma estrutura similar: o par se conhece aleatoriamente, passa por uma série de desencontros e luta para finalmente ter uma chance de testar o tal do “felizes para sempre”. 

Apesar de dialogar com essa tradição, “Folhas de Outono” ("Kuolleet Lehdet"), o mais novo filme de Aki Kaurismäki, está longe de ser apenas mais um filme do gênero. O longa, que integra a shortlist do Oscar e foi indicado a diversas premiações da temporada, impressiona por tratar de temas densos e variados com uma sutileza ímpar.


Atualmente em cartaz no UNA Cine Belas Artes e Centro Cultural Unimed-BH Minas (e, em breve, disponível na plataforma de streaming Mubi), a produção é centrada nos personagens Ansa (Alma Pöysti) e Holappa (Jussi Vatanen), dois moradores de Helsinque. 

Eles se conhecem num karaokê e, a partir desse encontro, começam a se esbarrar em diferentes pontos da cidade. Ao longo da narrativa, nos deparamos com diversos quadros que exibem um esquema de cores impressionante e, ainda, cenas que referenciam clássicos como “Rocco e Seus Irmãos” - 1960 (Luchino Visconti) e “Pierrot, Le Fou” (“O Demônio das Onze Horas”) - 2002 (Jean-Luc Godard).


Kaurismãki é conhecido por tratar de temas sociais e, mais especificamente, assuntos relacionados ao mundo do trabalho. “Folhas de Outono” não é uma exceção: os protagonistas do filme vivem e trabalham em condições bastante precárias. 

Os acenos da narrativa a Charles Chaplin também podem ser entendidos como uma possível alusão a "Tempos Modernos" (1936), já que, em pleno século XXI, os personagens realizam tarefas bastante repetitivas em seus empregos e são frequentemente desrespeitados pelos patrões.

Em determinado momento, a personagem principal é humilhada na fábrica por comer um sanduíche que seria jogado fora; “Isso deveria estar no lixo”, diz o chefe. Ansa responde: “Pelo visto, eu também”.


Quando a protagonista liga o rádio para buscar alguma distração de seu duro cotidiano, acaba se deparando com os horrores da guerra entre Rússia e Ucrânia. Em diferentes momentos, Ansa demonstra incômodo e muda a estação para poder ouvir música. 

Ao ler críticas de “Folhas de Outono” em sites de notícias, é extremamente significativo o fato de logo nos deparamos com notificações das abas “Guerra Israel-Hamas”, “Explosões no Irã” e “Acidente de avião no Japão”. A guerra entre Rússia e Ucrânia agora fica sem destaque não por ter acabado, mas por infelizmente ter se tornado um acontecimento “banal” em meio a tantas outras tragédias. 


Nesse sentido, a perspectiva da personagem Ansa se torna ainda mais evidente: tentamos nos distrair com a arte, mas a dureza da realidade por vezes se impõe. Como escapar desse sentimento de impotência diante de sucessivos horrores?

Claro, o filme de Kaurismäki não está interessado em fornecer respostas prontas. Mas, ao longo da narrativa, os dois personagens conseguem encontrar bonitos momentos de respiro em meio aos problemas sociais e questões particulares, como a depressão e a dependência alcoólica.

Em comparação a longas-metragens de grande orçamento e com inúmeros efeitos especiais, “Folhas de Outono” pode parecer um filme pequeno - inclusive por durar “apenas” 81 min. No entanto, como pontuou a crítica Stephanie Zacharek na revista Time, “às vezes pequenos milagres aparecem em forma de filmes”. Ao considerarmos todos os méritos do longa e o quanto ele consegue nos tocar, essa fábula do cotidiano se torna grandiosa.



Ficha técnica
Direção e roteiro:
Aki Kaurismäki
Produção: Sputnik Films e Pandora Film Produktion
Distribuição: O2 Play
Exibição: sala 3 do UNA Cine Belas Artes (sessão 14 horas) e sala 2 do Centro Cultural Unimed-BH Minas (sessão 21 horas)
Classificação: 14 anos
Duração: 1h21
País: Finlândia
Gêneros: comédia, drama, romance

30 dezembro 2023

Novo longa de Sofia Coppola, “Priscilla” acerta em alterar as direções do holofote

Jacob Elordi e Cailee Spaeny entregam ótimas interpretações como Elvis Presley e sua ex-mulher (Fotos: A24)


Carolina Cassese


Vários veículos de imprensa mundiais indagaram a roteirista e diretora Sofia Coppola sobre como o projeto de dedicar um filme à relação entre Elvis e Priscilla, de seu despontar até o término, veio a sua mente. 

A resposta dela foi, com pequenas variações, a mesma: na adolescência, ela havia lido o livro "Elvis e Eu", lançado em 1985 por Priscilla Presley e Sandra Harmon, e a história nunca mais saiu de sua cabeça.

"Priscilla" foi um grande trunfo para a diretora por ter recebido o aval da própria Priscilla, que assina como produtora do filme. Para o papel da ex-mulher de Elvis Presley, a atriz escalada foi Cailee Spaeny. Já para Elvis, o nome escolhido foi Jacob Elordi.


O novo filme, que já pode ser visto em alguns cinemas da capital mineira, traz o recorte específico do relacionamento de Elvis e Priscilla, que teve início na Alemanha, em 1959. Na época, Elvis estava servindo o exército, assim como o pai da jovem. O cantor já tinha alcançado a fama, enquanto ela era uma adolescente de 14 anos. 

Na base militar, a jovem é convidada para ir a uma festa na qual Elvis estaria e, apesar da recusa inicial dos pais, acaba conseguindo comparecer. A partir desse primeiro encontro, Priscilla passa a ser constantemente convidada para os eventos e se envolve com o cantor.


Após algum tempo, Elvis chama a jovem para ir morar em Graceland, a casa do astro em Memphis. Priscilla deixa os pais e chega aos Estados Unidos, onde passa a viver uma realidade bem diferente da que idealizou. Para se “adaptar”, a jovem acaba sacrificando muito de si.

Um dos principais acertos do filme é o de não cair na tentação de direcionar demasiado destaque a Elvis, inegavelmente uma das figuras mais icônicas da história do show business. Por essa razão, boa parte do longa se passa no ambiente doméstico, já que Priscilla vivia solitária, muitas vezes à espera de seu companheiro.


Essa diferença de cenários é eficiente em ilustrar a disparidade entre as duas figuras: enquanto o cantor estava constantemente em turnê e filmava em diferentes lugares dos Estados Unidos (já que também era ator), Priscilla passava boa parte do tempo em casa. Além disso, ele impede que sua esposa trabalhe fora e ainda busca controlar sua aparência.

Para ilustrar a passagem do tempo e o isolamento da protagonista, vemos folhas de calendário arrancadas e inúmeras bandejas de comida sendo tiradas de seu quarto. As histórias também são contadas por meio de recortes: manchetes de jornais e bilhetes assinados por Elvis desencadeiam eventos que são importantes para a narrativa.

O ritmo do longa é bastante eficiente; por mais que muitas cenas não contem com os típicos “grandes acontecimentos” de filmes estadunidenses, o espectador provavelmente permanecerá atento e interessado no desenrolar da trama. Nesse sentido, vale também destacar as performances dos atores, que entregam cenas intensas e comoventes.


Ao longo da história, podemos também nos lembrar da canção de uma das cantoras mais célebres da nova cena musical. Em "All-american bitch", Olivia Rodrigo fala das expectativas direcionadas às jovens mulheres estadunidenses: “Eu sei meu lugar, eu sei meu lugar/E é esse aqui/Eu não fico com raiva quando estou irritada/Sou a eterna otimista/Eu grito por dentro para lidar com isso”. Priscilla definitivamente entende esse sentimento, já que é chamada de “maluca” a cada vez que se revolta.

Se considerarmos que a maioria das narrativas são centradas nos poderosos (ou seja, naqueles que necessariamente saem para “conquistar o mundo”) é, sem dúvidas, um ganho termos acesso a outra perspectiva - de uma mulher que, ao decidir deixar Graceland, está dando um passo bem mais grandioso do que poderia imaginar.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Sofia Coppola
Produção: Stage 6 Films e A24
Distribuição: O2Play e Sony Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h53
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: romance, drama

28 dezembro 2023

"Love Victor", a série que inspira pais e filhos

Michael Cimino interpreta o protagonista que teve de aprender a lidar com suas descobertas e encontrar respostas (Fotos: Hulu/Star+)


Filipe Matheus
Youtube Comentando Sucessos


Tem momentos de nossa vida em que ficamos confusos e sem saber como reagir às descobertas de nossa trajetória. Original da plataforma Hulu, a série "Love Victor", em exibição no Star+, mostra a realidade de uma geração que sofre por não entender os seus sentimentos, que busca a aceitação e o direito à liberdade, longe da opinião alheia. 

Victor é um estudante do ensino médio que teve de aprender a lidar com suas descobertas e encontrar respostas na raça, especialmente aos 16 anos. 

A história da série se torna ainda melhor graças à surpreendente atuação de Michael Cimino como Victor. Ele passa emoção ao telespectador. É a ficção mostrando a vida real. Rachel Hilson (Mia), George Sear (Benji), Antony Turpel (Felix), Bebe Wood (Lake), Mason Gooding (Andrew) também estão na série.


A trama fala sobre sexualidade e como se entender é importante para a autoaceitação. Além de abordar laços familiares, os episódios levam o espectador a pensar como tem agido com os filhos e como a forma correta é importante para a construção de uma família feliz e sem rótulos. 

Mostra ainda que adolescentes têm sentimentos e sofrem com perdas, traumas e as novidades que aparecem em suas vidas. 


A sequência, que é adaptação do filme "Com Amor, Simon" (2018), apresenta depoimentos e vitórias que fazem o protagonista mergulhar na procura da tão desejada felicidade. 

Faço aqui uma crítica ao cancelamento da série na terceira temporada. Se a produção trata de um tema tão real e atual, por que acabar? Como fica o telespectador que se identifica com o personagem? Deixou um vazio estranho. Faltam respostas às perguntas de pessoas que se deparam com a mesma realidade de Victor.


Curiosidades não faltam na produção. Nick Robinson, que atuou no longa inspirado na série, é um dos produtores dessa obra-prima e também tem participação como Simon Spier. 

Segundo o site Rolling Stones, Michael Cimino se inspirou no primo homossexual para a construção do personagem. "As experiências e lutas de meu primo me fizeram entender melhor o que é passar por isso e, assim, construir o caráter de Victor". 


Incredible, dynamic, and marvelous. Usei o inglês pra falar como a série é positiva, ela não só mostra a realidade, ela entrega. Sua estreia foi em 16 de junho de 2020, e até hoje mantém fãs apaixonados e com a vontade de quero mais. 

Eu fico por aqui, meu caro leitor, mas não se esqueça da importância de como é bom ser você mesmo e viver o agora. Até a próxima.


Ficha técnica:
Criação: Isaac Aptaker e Elizabeth Berger
Produção: The Walk-Up Company, Temple Hill Entertainment, 20th Century Fox Television
Distribuição: Star+
Exibição: Star+ e plataforma Hulu
Duração: 3 temporadas
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: drama, comédia, série de TV

21 novembro 2023

“Um Pai, Um Filho” aborda perdas e relações familiares dentro da cultura chinesa

Road movie que mistura drama e comédia é parte da programação de festival gratuito de cinema chinês (Fotos: Gabriela Vargas Mor/Divulgação)


Eduardo Jr.


Se você se pergunta o que esperar de um filme chinês, a resposta pode ser “emoção”, caso a obra escolhida seja “Um Pai, Um Filho” (“Like Father and Son” - 2023). O longa do cineasta Bai Zhiqiang chega ao Brasil como um dos títulos da 8ª Mostra de Cinema Chinês de São Paulo. 

A exposição, online e gratuita, é realizada pelo Instituto Confúcio, na Unesp - Universidade Estadual Paulista, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, e está disponível na plataforma da Spcine Play: https://www.spcineplay.com.br 


Vencedor do Beijing International Film Festival na categoria “Excellent Product in Progress Award”, o longa mistura drama e comédia. Nele, Gouren (Hui Wangjun) toca a vida enquanto tenta sufocar o sofrimento da perda do filho. Até que seu caminho se cruza com o do endiabrado Mao Dou (Ba Zeze), que sonha reencontrar o pai. 


Neste road movie, Gouren viaja de caminhão por vilarejos, vendendo produtos e tirando fotografias. Uma de suas clientes fotografada é a avó de Mao Dou (Ma Guilan). 

Na apresentação das personagens fica implícito que ela esconde do neto o que realmente aconteceu ao pai do garoto, que idolatra a única foto que tem do homem que deveria criá-lo. 


A revolta e inadequação do menino parecem ser o combustível para que ele deixe o vilarejo o quanto antes para encontrar o pai. A solução está justamente em Gouren. 

O encontro dos dois rende momentos cômicos e tocantes. Junta-se a isso momentos em que a fotografia salta um pouco aos olhos do espectador.  


Embora o roteiro não traga originalidade, na reta final a história parece crescer e encontrar seu eixo. E aí o título da obra passa a fazer sentido, não se referindo estritamente aos protagonistas na tela. Um longa que arranca risos e lágrimas daqueles mais atentos aos aspectos românticos da obra. 


“Um Pai, Um Filho” integra a seleção de 12 obras do Festival, que mistura ficções e documentários, inéditos no país. Os títulos exibidos em cinemas de São Paulo entre 6 e 15 de outubro podem ser conferidos online. Após se cadastrar no site do Instituto Confúcio, o espectador recebe o acesso à programação. A mostra se encerra dia 30 de novembro.  


Ficha Técnica:
Direção: Bai Zhiqiang
Exibição: online e de graça, até 30/11, pelo site https://mostracinema.institutoconfucio.com.br
Duração: 1h37
Classificação: livre
País: China
Gêneros: drama, comédia