Mostrando postagens com marcador #drama. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador #drama. Mostrar todas as postagens

15 janeiro 2025

"Sol de Inverno" retrata, com delicadeza, relações sociais e laços afetivos

A fotografia do filme, em tons pastéis e texturas suaves, é uma ode à transitoriedade do inverno
(Fotos: Michiko Filmes)


Silvana Monteiro


"Sol de Inverno" ("Boku No Ohisama") é um dorama japonês que traduz com delicadeza a efemeridade dos momentos marcantes e a beleza das relações humanas. Sob a direção sensível de Hiroshi Okuyama, o longa perpassa a narrativa esportiva para se tornar um estudo poético sobre os laços sociais, as descobertas e os afetos que florescem mesmo no rigor do inverno.

A história segue Takuya (Keitatsu Koshiyama), um jovem introspectivo que descobre na patinação artística um refúgio para sua alma inquieta. Enquanto os colegas da pequena ilha japonesa se dedicam ao hóquei no gelo, ele encontra inspiração em uma pessoa. 


Orientados pelo experiente técnico Hisashi Arakawa (Sôsuke Ikematsu), Takuya e Sakura (Kiara Takanashi) formam uma dupla que reflete, com naturalidade, a profundidade de uma amizade que transcende o gelo.

A narrativa de Okuyama se constrói com ritmo pausado, como as mudanças sutis das estações, inicialmente, sem conflitos, tornando-se quase uma crônica. O diretor valoriza os silêncios, os olhares e os gestos mínimos, elementos que evocam a introspecção típica do cinema japonês contemporâneo. 

Sobre Takuya, por exemplo, é trabalhada uma dificuldade pessoal e neurotípica, como uma metáfora das barreiras emocionais que o personagem precisa superar. Sua relação com Sakura é desenvolvida de forma genuína e encantadora, equilibrando fragilidade e força.


A fotografia do filme, em tons pastéis e texturas suaves, é uma ode à transitoriedade do inverno. As paisagens gélidas e o contraste entre a luminosidade fria da neve e o calor emocional dos personagens criam um cenário estético que dialoga profundamente com a trama. 

Já a trilha sonora pungente, amplifica a experiência sensorial, guiando o espectador pelos momentos de alegria, contemplação, melancolia e superação dos personagens.


Um ponto de destaque na obra é a forma como Okuyama aborda a temática homoafetiva. A vida íntima do técnico Arakawa é tratada com respeito e sensibilidade, mostrando um contraste poderoso entre a afeição sincera do personagem e o preconceito ainda latente na sociedade retratada. 

Essa camada adiciona profundidade ao filme, ao mesmo tempo em que lança luz sobre questões sociais contemporâneas, sem jamais desviar o foco dos laços construídos entre os protagonistas.

O longa captura a essência dos momentos transitórios e nos relembra que a beleza da vida está, muitas vezes, no efêmero. E mesmo no inverno rigoroso, um raio de sol pode mudar tudo. 


O desfecho inconclusivo, longe de frustrar, sugere uma aceitação da impermanência, um conceito profundamente enraizado na cultura japonesa.

Em suma, "Sol de Inverno" é uma obra que encanta tanto pela forma quanto pelo conteúdo. É uma celebração da conexão humana, da superação de adversidades e da busca pela beleza em meio às dificuldades. 

Hiroshi Okuyama reafirma seu lugar como uma das promessas mais notáveis do cinema japonês contemporâneo, entregando uma narrativa tão delicada quanto poderosa. 


Ficha técnica:
Direção, roteiro, fotografia e montagem: Hiroshi Okuyama
Distribuição: Michiko Filmes
Música: Yoshinari Sato
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h30
Classificação: 12 anos
Países: Japão, França
Gênero: drama

14 janeiro 2025

Sensível e perturbador, "Redenção" trata da difícil arte de perdoar

Blanca Portillo tem atuação irretocável como a viúva que precisa se encontrar com os assassinos de seu marido (Fotos: Epicentre Films)


Mirtes Helena Scalioni


São sempre reveladores, emotivos e repletos de convites à reflexão, filmes que tratam da ingerência do terrorismo - seja ele do Estado ou não - na vida do cidadão. Exemplo típico é "Ainda Estou Aqui", que mostra como o governo ditatorial transformou para sempre a vida de uma família típica carioca no início dos Anos 1970. 

Programado para entrar em cartaz em todo o país a partir do dia 16 de janeiro, o espanhol "Redenção" faz parte desse time de longas, ao contar a história real de Maixabel Lasa, cujo marido foi barbaramente assassinado por integrantes do ETA, grupo separatista basco que aterrorizou a Espanha entre 1950 e 2010.


E, neste caso, a diretora e roteirista Icíar Bollain vai além, ao refazer o encontro da viúva com algozes do seu marido. O resultado é emoção pura.

Há momentos em que "Redenção" parece mais um documentário, apesar de absurdo. Por ser baseado em fatos, o drama exala realidade ao retratar a violência do terrorismo, a quase inocência dos jovens militantes que aceitavam matar sem justificativas, apenas obedecendo suas lideranças. 

Foi num episódio desses que três homens mataram, praticamente à queima-roupa, Juan Mari, o marido de Maixabel. 


Como se não bastasse tanto absurdo, dez anos depois, a viúva é convidada a se encontrar com os assassinos e, quem sabe, perdoá-los, numa espécie de programa de reconciliação. 

É preciso salientar aqui a atuação irretocável de Blanca Portillo no papel da protagonista, que imprime uma pesada carga emocional ao filme, sem, contudo, torná-lo insuportável. 

Pelo contrário, a personagem, apesar de forte, é humanizada brilhantemente pela atriz, experiente e muito premiada. Um dos prêmios mais importantes ela recebeu em Cannes, em 2006, por "Volver", obra-prima de Pedro Almodóvar.  


O título original do filme, inclusive, é "Maixabel", já que o longa se concentra primordialmente nessa mulher que se tornou líder de uma entidade internacional, a Associação das Vítimas de Terrorismo.

Na verdade, todo o elenco de "Redenção" parece ter sido escolhido com muito critério. Luiz Tosar como Ibon, e Urko Olazabal como Luiz Carrasco, dois dos matadores, estão corretíssimos como militantes perdidos em meio a tanta violência, se perguntando por que escolheram a vida de clandestinos, mas esperançosos de poder tentar reescrever as próprias vidas. 


Destaque também para Maria Cerezuela como a jovem Maria, filha de Maixabel, que se viu órfã da noite para o dia, e Maria Jesus Hoyos, como a mãe do atormentado Ibon. 

Pode ter sido uma jogada de mestre fazer a versão do titulo do filme de Icíar Bollain para "Redenção", em vez de manter o título original. Em tempos de tanta violência e polarização, uma obra que trata da possibilidade do perdão como alternativa de resgatar a paz pode ser exemplarmente bem-vinda.


Ficha técnica:
Direção: Icíar Bollain
Roteiro: Isa Campo e Icíar Bollaín
Produção: Kowalski Films e Feelgood Films
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h56
Classificação: 12 anos
País: Espanha
Gêneros: drama

13 janeiro 2025

Comovente, “A Semente do Fruto Sagrado” reflete sobre drama político e enclausuramento feminino

Em meio ao caos político do país, o patriarca impõe restrições severas à vida de sua família
(Fotos: Mares Filmes)


Carolina Cassese


Segundo o princípio dramático de Tchekhov, se um revólver aparece no começo de uma história, ele eventualmente será disparado. Em “A Semente do Fruto Sagrado” ("The Seed of the Sacred Fig"), do diretor iraniano Mohammad Rasoulof, o objeto – presente em uma das primeiras cenas – é central para o desenrolar da história. 

O filme está em cartaz no Cine Una Belas Artes e se encontra na shortlist para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro como representante da Alemanha.

Uma das discussões mais importantes da trama gira justamente em torno do revólver de Iman (Misagh Zare), personagem que trabalha como juiz de instrução para o governo. Como a arma de um funcionário tão importante pode ter desaparecido? 


O protagonista, então, passa a ficar bastante desconfiado da esposa Najmeh (Soheila Golestani), e das filhas, Rezvan (Mahsa Rostami) e Sana (Setareh Maleki), que questionam algumas medidas do regime iraniano. 

Em meio ao caos político do país, o patriarca impõe restrições severas à vida de sua família. Logo acompanhamos diversos embates entre os personagens, que se esforçam para defender os respectivos ideais. A gravidade da situação é significativa já que, caso a arma – pertencente ao governo – não seja encontrada, Iman corre o risco de ir para a cadeia. 

Não é irrelevante o fato de o próprio diretor do filme ter sido condenado a oito anos de prisão pelo regime iraniano, que considerou os trabalhos de Rasoulof “ameaçadores para a segurança do país”. O realizador, então, precisou deixar o Irã para não ser detido. 


A ameaça do encarceramento – familiar para Rasoulof há anos – é importante para a história de “A Semente do Fruto Sagrado”, inclusive para as personagens femininas, que frequentemente se veem como prisioneiras do espaço doméstico. 

Em determinada cena, Najmeh demonstra preocupação com as filhas, argumentando que “lá fora é perigoso”. Não demoramos a perceber, porém, que a ameaça também se encontra dentro da casa, um ambiente significativamente violento.

Aqui, podemos estabelecer um paralelo com as justificativas de Iman para a manutenção do autoritarismo; segundo ele, é necessário lutar contra inimigos externos, já que “o mundo inteiro está contra o Irã”. Por outro lado, a violência contra os próprios cidadãos não parece ser levada em conta pelo protagonista. 


Em diversos momentos, as personagens observam os principais acontecimentos do país a partir de casa. Najmeh chega a ter medo de ser vista na janela de seu apartamento, pois, como esposa de um funcionário do governo, acredita que não deveria sequer observar os protestos contra o regime. 

Ao longo do filme, assistimos a uma mescla de imagens ficcionais com vídeos reais do Irã contemporâneo, em especial de manifestações contra o regime. Esses registros nos fazem compreender a relevância do tema abordado na tela: em 2022, a jovem Mahsa Jina Amini foi presa pela polícia iraniana sob a acusação de usar o hijab de maneira inadequada, descumprindo o código de vestimenta imposto pelo governo.

Segundo relatos, Amini teria sido espancada pelas autoridades e, três dias depois, foi encontrada sem vida. O ocorrido revoltou parte da população iraniana, que tomou as ruas em protestos contra a violência. Muitas das imagens reais são chocantes e evidenciam o caos político do país. 


O ato de filmar, aliás, também é importante para o universo ficcional da produção; o gesto é realizado por jovens que se manifestam contra o regime, ao passo que também é reproduzido pelo personagem Iman, numa tentativa de intimidar sua família. 

A partir do longa, podemos refletir que as mesmas imagens podem ilustrar narrativas díspares. Enquanto (parte dos) registros de repressão policial são mostrados pela mídia oficial como uma reação justa às ações de “vândalos”, veículos independentes exibem os vídeos e chamam atenção para a violência à qual os manifestantes são submetidos. 

Por motivos óbvios, o diretor tem consciência de que a câmera é uma ferramenta de poder, que pode ser utilizada para finalidades diversas. Em entrevista ao NYU Program Board, Rasoulof comentou sobre a produção e, ainda, sobre a importância de continuar a filmar: “Eu acho que você pode ser cineasta na prisão [...] Você ainda pode ser cineasta, mas então se torna um cineasta sacrificado pela censura. E eu pensei: tenho tantas ideias na minha cabeça que realmente quero realizar, e é isso que devo fazer”. 


O desenrolar do filme evidencia que o diretor de fato tem talento para contar histórias, já que torcemos muito pelas personagens e nos angustiamos a cada adversidade que elas devem enfrentar. Como mencionamos, a ameaça da prisão logo se transforma em realidade para as mulheres da história, que passam a se sentir encarceradas em ambientes familiares.

Com um ritmo eletrizante, “A Semente do Fruto Sagrado” é eficiente em prender a atenção do espectador ao longo de quase três horas. Nos encontramos vidrados em diferentes momentos do filme, que também promove reflexões sobre as particularidades de governos (e sujeitos) repressores ao redor do mundo. 

O tema não deixa de ser atual: precisamos pensar exaustivamente sobre as muitas violências contemporâneas, externas e domésticas. Bastante perspicaz, o olhar de Rasoulof com certeza ocupa um espaço significativo nesse processo.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Mohammad Rasoulof
Distribuição: Mares Filmes
Exibição: Cine Una Belas Artes - sala 3, sessão às 15h20
Duração: 2h46
Classificação: 14 anos
Países: Alemanha, França, Irã
Gêneros: drama, suspense

07 janeiro 2025

A histórica e inédita conquista do Globo de Ouro 2025

Elenco e diretor do filme na cerimônia de entrega do Globo de Ouro (Fotos: Globo de Ouro - Shayan Asgharnia)


Silvana Monteiro

Em 1986, Fernanda Torres alcançou um feito histórico ao conquistar o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes, tornando-se a atriz brasileira mais jovem a receber essa honraria. Sua performance visceral no filme 'Eu Sei Que Vou Te Amar", dirigido por Arnaldo Jabor, conquistou não apenas o coração dos jurados, mas também deixou uma marca indelével no cenário do cinema internacional. 

Quase quatro décadas depois, em 2025, Fernanda adicionou outro marco memorável à sua história ao vencer o Globo de Ouro. No domingo, 5 de janeiro de 2025, a atriz foi consagrada como Melhor Atriz em Filme de Drama no Globo de Ouro por sua interpretação de Eunice Paiva em "Ainda Estou Aqui". 

                  

Único filme nacional entre o top 10, com mais de 3 milhões de ingressos vendidos, fechou 2024 como a quinta maior bilheteria do ano. Leia a crítica no blog clicando aqui.

Essa conquista histórica foi celebrada com ares de festa nacional e gerou especulações imediatas sobre sua possível inclusão na lista de indicados ao Oscar. 

Embora o Globo de Ouro tenha perdido parte de sua relevância como termômetro para o Oscar - ultrapassado pelas premiações dos sindicatos de atores, produtores, roteiristas e diretores -, é inegável que a vitória trouxe visibilidade global para a atriz brasileira.

Fotos do filme "Ainda Estou Aqui": Alile Dara Onawale

A caminho do Oscar?

Historicamente, apenas duas vencedoras de Melhor Atriz em Filme Dramático no Globo de Ouro ficaram fora da lista final do Oscar: Shirley MacLaine por "Madame Sousatzka" (1989) e Kate Winslet por "Foi Apenas Um Sonho" (2009). 

No entanto, a ausência de Fernanda Torres nas indicações ao Critics Choice Awards e na pré-lista do BAFTA lança uma dúvida sobre sua presença na cerimônia da Academia de Hollywood. Ainda assim, sua atuação em "Ainda Estou Aqui" é amplamente reconhecida como uma das mais impactantes do ano. 


Uma carreira repleta de marcos

Filha das lendas da dramaturgia brasileira Fernanda Montenegro e Fernando Torres, Fernanda cresceu imersa em um ambiente artístico. Desde cedo, demonstrou que o talento corria em suas veias. Sua estreia no cinema aconteceu com "A Marvada Carne" (1985), obra que já evidenciava sua habilidade em interpretar personagens complexos e autênticos.

Foi em "Eu Sei Que Vou Te Amar", porém, que Fernanda consolidou seu lugar entre os grandes nomes do cinema mundial. Contracenando com Thales Pan Chacon, deu vida a uma mulher que revisita sua relação amorosa em uma narrativa crua e intensa. Sua atuação, cheia de nuances, encantou audiências e críticos, rendendo comparativos com grandes estrelas do cinema europeu.

"Eu Sei Que Vou Te Amar" (Divulgação)

Conexão pessoal com o Globo de Ouro

A vitória de Fernandinha no Globo de Ouro por "Ainda Estou Aqui" é um testemunho de sua versatilidade e habilidade de transitar entre gêneros como drama, comédia e teatro.

Além disso, a conquista carrega um simbolismo especial: 25 anos atrás, sua mãe, Fernanda Montenegro, esteve entre as indicadas ao mesmo prêmio por Central do Brasil, mas não levou a estatueta. Agora, a filha fecha esse ciclo com uma memorável vitória.

Walter Salles e Fernanda Torres

Multifacetada e inquieta

Ao longo de sua trajetória, Fernanda Torres acumulou experiências que vão além da atuação. Seja na TV, no teatro ou no cinema, ela continua sendo uma referência para novas gerações de artistas. Recentemente, também tem se destacado como escritora, trazendo ao público textos que combinam humor e reflexão sobre a sociedade contemporânea.

Se o Globo de Ouro celebra trajetórias icônicas e talentos únicos, Fernanda Torres representa exatamente isso. Com a estatueta agora em sua prateleira, sua experiência, respaldada pela conquista, de fato transcenderá o tempo e as fronteiras.


O valor histórico e social de "Ainda Estou Aqui"

Adaptado do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, "Ainda Estou Aqui" é uma obra que resgata a importância da memória, da família e da resiliência. Mesclando autobiografia e biografia, o filme retrata a história de Eunice Paiva, mãe do autor, enquanto reflete sobre o contexto histórico e social brasileiro.

A narrativa relembra os anos de chumbo da ditadura militar no Brasil, expondo o impacto pessoal e familiar da repressão. Eunice enfrentou a perda do marido, Rubens Paiva, um político torturado e desaparecido pelo regime militar. 

Mesmo diante dessa tragédia, ela mostrou coragem ao criar os filhos sozinha e lutar por justiça. A história ressalta o papel das mulheres na resistência e reconstrução social.


O filme também explora a relação de Marcelo com sua mãe durante sua batalha contra o Alzheimer, sensibilizando o público para a importância do cuidado com idosos e da empatia diante de doenças neurodegenerativas.  

Além disso, faz um apelo pela busca da verdade e reparação em relação aos desaparecidos políticos, reforçando a importância de manter viva a memória histórica para evitar a repetição de erros no futuro.

"Ainda Estou Aqui" transcende sua condição de uma história íntima e se torna um retrato do Brasil, da luta por direitos humanos e da capacidade de seguir em frente mesmo nas situações mais adversas.


01 janeiro 2025

“Encontro com o Ditador” mistura drama, suspense e documentário para disputar o Oscar 2025

Obra é mais uma na filmografia do diretor Rithy Pahn para não deixar esquecer um período de sofrimento
da história do Camboja (Fotos: Pandora Filmes)


Eduardo Jr.


O diretor cambojano Rithy Pahn traz aos cinemas seu mais novo longa, “Encontro com o Ditador” (“Rendez-Vous Avec Pol Pot”, 2024). Situado entre o suspense político e o documentário, a obra é mais uma na filmografia de Pahn a esmiuçar e combater o esquecimento de um período da história do Camboja. A estreia acontece nesta quinta-feira (2), com distribuição da Pandora Filmes. 

O filme é parcialmente inspirado no livro de não-ficção da jornalista norte-americana Elizabeth Becker, intitulado “When the War Was Over”. No longa, três jornalistas franceses são convidados para reportar ao Ocidente as maravilhosas mudanças políticas do Camboja no final dos anos 1970, período em que vigorava o Khmer Vermelho, a ditadura implantada por Pol Pot. 


Nas incursões por acampamentos e espaços públicos, guiadas pelos agentes do ditador (que apresentam cenários fabricados e delimitam o que pode ou não ser filmado), vai ficando mais evidente o incômodo e o perigo de se aproximar das verdades omitidas pelo regime do líder cambojano.   

O tirano foi o responsável por levar, à força, moradores de áreas urbanas para trabalhos no campo, visando implantar uma espécie de agrossocialismo. O dinheiro foi abolido e os inimigos do regime, assassinados. 


A desnutrição também colaborou para inúmeros óbitos nesse período. Aproximadamente um quarto da população do Camboja morreu, entre 1975 e 1979. 

Um genocídio ocultado pelo discurso de uma sociedade igualitária. Até faz lembrar os tempos atuais, onde a maldade se disfarça de moral cristã, e o ódio é praticado em nome de deus, pátria e família. 

No grupo dos visitantes está o fotojornalista Paul Thomás (interpretado por Cyril GueÏ), a repórter Lise Delbo (Ìrene Jacob) e o intelectual Alain Cariou (Grégoire Colin), que estudou na faculdade com o ditador e manteve essa amizade se correspondendo com ele por meio de cartas. 


O espectador é desafiado a não se enfurecer com a passividade de Alain, que parece ignorar as evidências das atrocidades cometidas para não desagradar o velho conhecido. Uma boa atuação.  

Paul e Lise também não são personagens com histórias profundas, mas expõem o suficiente de suas personalidades para aquele contexto. Um mais explosivo e a outra mais dissimulada para “jogar o jogo” e, assim, obter relatos e fotografias que capturem o que realmente acontece no país. 

A direção consegue imprimir também sensações intimidatórias e quase claustrofóbicas. Em diversos momentos a tela é recheada de elementos, figuras armadas, em constante clima de ameaça. A tensão de um regime ditatorial fica quase palpável. E frequentemente a imagem do ditador compõe a cena, observando tudo. 


A direção opta por um jogo de luz e sombras para não revelar o ator que dá vida a Pol Pot. Cabe ao espectador captar os fragmentos, os atos cometidos por ele e criar a imagem daquele homem. 

Assim como a personificação do ditador é poupada, a violência explicita também. Não há sangue e carnificina na tela, mas o horror se faz presente.     

Vale destacar o desenvolvimento da história por meio de bonecos. Pahn adiciona ao filme cenários e personagens em miniatura, para ilustrar algumas situações. Mas não se trata de um stop-motion

É a câmera que se desloca e traz movimento (e apreensão) à cena. Um recurso criativo que casa bem com a narrativa, em alguns momentos. Em outros, são dispensáveis. 


Outro elemento a engrossar esse caldo é a trilha sonora. Os sons - e a ausência dele também - dão o recado na medida e levam o espectador por diálogos que ficam sem resposta e mesmo assim dizem muito. E por cenas mais longas (e tensas), que desembocam em um desfecho nada pacificador. 

O longa está selecionado como representante do Camboja no Oscar 2025. Mais um reconhecimento para um diretor que dedicou uma vida a filmar seu país e recebeu o prêmio Un Certain Regard, em Cannes, por “A Imagem que Falta” e o Urso de Ouro de melhor contribuição artística por “Everything Will Be Ok”. 


Ficha técnica:
Direção: Rithy Panh
Roteiro: Pierre Erwan Guillaume e Rithy Panh
Produção: CDP e Anupheap, TAICCA, Doha Film Institute, TRT Sinema, LHBx An Attitude, Obala Centar
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: Cinemark Pátio Savassi e Centro Cultural Unimed-BH Minas
Duração: 1h52
Classificação: 14 anos
Países: Camboja, Catar e Taiwan
Gêneros: documentário, drama


31 dezembro 2024

Cinco filmes de 2024 que o Cinema no Escurinho não indicaria



Nossa Redação


A equipe do Cinema no Escurinho preparou uma lista com os cinco filmes assistidos em 2024 que não recomendamos a nossos seguidores. Na postagem anterior indicamos as melhores produções deste ano. Para conferir, clique aqui. As duas listas respeitam a ordem de escolha dos colaboradores do blog.

A liderança disparada entre as produções que menos agradaram ficou para "Coringa: Delírio a Dois", musical estrelado por Joaquim Phoenix e Lady Gaga, que recebeu duras críticas do público e da imprensa especializada. Clicando nos links de alguns dos filmes é possível ler nossas avaliações sobre eles.

"Longlegs - Vínculo Mortal (Diamond Films)

Eduardo Jr.
- Terrifier 3
- Megalópolis
- O Dia da Posse
- Operação Natal
- Clube dos Vândalos

Filipe Mateus

Parceiro do blog Maravilha de Cinema
- Coringa: Delírio a Dois
- Longlegs - Vínculo Mortal
- Salamandra
- Arca de Noé
- Planeta Dos Macacos: O Reinado

"Salamandra" (Pandora Filmes)

Jean Piter
- Coringa: Delírio a Dois
- Amores Solitários
- Nosso Segredinho
- Silvio
- É Assim que Acaba


Marcos Tadeu
Parceiro do blog Jornalista de Cinema
- Coringa: Delírio a Dois
- Salamandra
- Arca de Noé
- Planeta dos Macacos: O Reinado

"Planeta dos Macacos: O Reinado" (20th Century Studios)

Maristela Bretas
- Mallandro, o Errado que deu Certo
- Planeta dos Macacos - O Reinado
- Não Fale o Mal
- Longlegs - Vínculo Mortal
- Silvio

A categoria em que foram incluídos alguns títulos pode agradar ou não vocês, seguidores do blog. Comentem aqui o que acharam de nossas escolhas, lembrando que não serão aceitas ofensas pessoais ou palavrões.



30 dezembro 2024

Cinema no Escurinho e parceiros escolhem os melhores filmes de 2024


Nossa Redação


O blog Cinema no Escurinho preparou sua tradicional lista com os cinco melhores e os cinco não recomendados que foram assistidos por alguns de seus colaboradores no ano de 2024. Neste primeiro post, vamos mostrar quais foram nossos preferidos. E deixar para divulgar na próxima postagem o que não indicamos

A lista dos longas que mais agradaram entre os exibidos no ano de 2024 ficou equilibrada. O brasileiro "Ainda Estou Aqui", pré-selecionado para entrar na disputa pelo Oscar 2025 de Melhor Filme Internacional, obteve o maior número de votos. 

"Robô Selvagem" - DreamWorks Animation

Na sequência estão a linda animação “Robô Selvagem" e o polêmico "Guerra Civil", com Wagner Moura e Kirsten Dunst. As duas listas respeitam a ordem de escolha do colaborador. Clicando nos links de alguns filmes é possível saber mais sobre eles e ler as críticas da equipe do blog.

Carol Cassese
- O Quarto ao Lado
- A Substância
- Ainda Estou Aqui
- Wicked
- Inverno em Paris

Eduardo Jr.
- Ainda Estou Aqui
- Wicked
- Robô Selvagem
- Guerra Civil
- Não Solte


"Guerra Civil" - Diamond Films

Filipe Matheus

Parceiro do blog Maravilha de Cinema
- Guerra Civil
- Robô Selvagem
- Sorria 2
- Ainda Estou Aqui
- As Polacas


Jean Piter Miranda
- Robô Selvagem
- Guerra Civil
- Deadpool & Wolverine
Alien: Romulus

"Deadpool & Wolverine" - Marvel

Marcos Tadeu
Parceiro do blog Jornalista de Cinema
- Robô Selvagem
- Ainda Estou Aqui
- A Substância
- Mufasa: O Rei Leão
- Guerra Civil


Maristela Bretas
- Robô Selvagem
- Guerra Civil
- A Substância
- Ainda Estou Aqui
- Deadpool & Wolverine

A categoria em que foram incluídos alguns títulos pode agradar ou não vocês, seguidores do blog. Comentem aqui o que acharam de nossas escolhas, lembrando que não serão aceitas ofensas pessoais ou palavrões.


14 dezembro 2024

Almodóvar e seu "O Quarto ao Lado" trazem, mais uma vez, um assunto espinhoso

Julianne Moore e Tilda Swinton são duas amigas que resolvem enfrentar a morte juntas (Fotos: El Deseo)


Eduardo Jr.


É errado escolher como se deseja morrer após ser diagnosticado com uma doença terminal? Essa é a pergunta que ecoa do filme "O Quarto ao Lado" ("The Room Next Door"), do diretor espanhol Pedro Almodóvar, em cartaz no UNA Cine Belas Artes. Distribuído pela Warner Bros. Pictures, este é o primeiro longa realizado em língua inglesa pelo cineasta. 

Baseado no livro "O Que Você Está Enfrentando", de Sigrid Nunez, o filme traz o tema da eutanásia. A escritora Ingrid (Julianne Moore) descobre que sua antiga colega de trabalho, Martha (Tilda Swinton), tem um câncer incurável. 

Ao visitá-la, se prontifica ao gesto humanitário de acompanhar a amiga, que pretende tomar uma pílula comprada na deep web e antecipar sua morte. Curiosamente, Ingrid acaba de lançar um livro sobre sua dificuldade de lidar com a morte. 


Além da finitude humana, pautas como a criminalização da eutanásia, relações familiares, escolhas de vida e fundamentalismo religioso integram o roteiro do longa. Mas os temas sérios não excluem as tradicionais pitadas de humor do diretor espanhol. 

Falas sobre aquecimento global e neoliberalismo também parecem expressar opiniões de Almodóvar. Apenas o tom com que o personagem Damian (vivido por John Turturro) dá a suas percepções é que soa professoral demais em alguns momentos. 


Apesar dessa crítica, vale destacar a interessante escolha do diretor para filmar sua Martha. A protagonista, que conta com serenidade seus planos de autoextermínio, em vários momentos é vista pelo espectador já na posição de um cadáver, na horizontal. 

Mas nada enche mais a tela do que o figurino escolhido para Tilda e os cenários de Almodóvar, com elementos vermelhos e tons terrosos. 


Embora este seja um filme mais "flat", sem as tradicionais personagens espalhafatosas, é possível identificar o velho e bom Almodóvar em "O Quarto ao Lado". As mulheres fortes estão lá, assim como as pautas incômodas para alguns, e a acidez para tirar sarro de determinadas situações. 

O longa agradou ao público no Festival de Veneza e rendeu ao espanhol seu primeiro Leão de Ouro. Talvez porque, embora a mortalidade seja tema central, tudo é apresentado com leveza, sem traços de terror ou exageros. 


Ficha técnica
Direção e roteiro: Pedro Almodóvar
Produção: Pathé Films e El Deseo Productions
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Duração: 1h50
Exibição: Una Cine Belas Artes, sala 2, sessão 14 horas
Classificação: 14 anos
Países: Espanha e EUA
Gêneros: drama, comédia

12 dezembro 2024

"Agente das Sombras" e "211: O Grande Assalto" entram no catálogo do Adrenalina Pura

Catálogo do canal reúne quase 400 produções originais com grandes astros de Hollywood (Fotos: Divulgação)


Maristela Bretas


O canal de streaming Adrenalina Pura passa a contar em seu catálogo com dois filmes de ação: "Agente das Sombras" (2022), protagonizado por Liam Nieeson, e "211: O Grande Assalto" (2018), com Nicolas Cage. 

Nos próximos dias, outros longas protagonizados por grandes astros de Hollywood serão inseridos na programação de dezembro. O Adrenalina Pura está disponível na Prime Vídeo, Apple TV e Claro TV+, com assinatura mensal de R$ 14,90. O canal reúne em seu catálogo quase 400 produções originais de ação, aventura e suspense.


Em "Agente das Sombras" ("Blacklight"), Liam Neeson interpreta o agente Travis Block que trabalha para o FBI com a função de extrair outros agentes em apuros. Até que descobre um programa sombrio chamado Operação Unidade, sob o comando de seu chefe Robinson (Aidan Quinn), com agentes matando cidadãos comuns inocentes. 

A partir daí, ele se torna alvo, juntamente com as pessoas próximas e uma jornalista (Raver-Lampman) que resolve investigar as mortes.


Sob a direção de Mark Williams, Liam Neeson segue o estilo que adotou em outros filmes de ação e espionagem, com muito tiro, porrada e bomba. Ele é aquele espião com cara de avozão, com poucas falas, mas que não tem escrúpulos em colocar uma bomba num acampamento ou descarregar pentes de balas de metralhadora nos inimigos.

"Agente das Sombras" tem muita ação em seus 108 minutos de duração, mas não apresenta nada de novo, tudo muito previsível. Ele deixa vários furos, especialmente o final, após uma cena com Neeson e Quinn, que do nada pula para um "felizes para sempre". Sem explicação do que realmente aconteceu. 

Não espere muito do roteiro, que entrega um filme comum como outros do gênero protagonizados por Liam Neeson. O longa atende como entretenimento para quem gosta do ator.


211: O Grande Assalto

A outra estreia, "211: O Grande Assalto" ("211"), com Nicolas Cage, desmerece o ator. Ele está apático, com cara de cachorro que caiu da mudança. Participa da ação, mas o roteiro não permite que entregue todo o seu talento. 

Apesar de ser inspirado em fatos reais, o diretor e roteirista York Alec Shackleton não aprofunda na história, deixa muitas pontas soltas e aproveita mal o elenco. 

Cage é o policial Mike Chandler, que junto com seu parceiro e genro Steve MacAvoy (Dwayne Cameron) tem de levar um aluno negro, Kenny (Michael Rainey Jr,) como passageiro durante uma ronda diária, como uma punição imposta pela escola. 


No entanto, os policiais, despreparados e sem armas suficientes, são surpreendidos com um assalto a banco em andamento cometido por um grupo de mercenários. A dupla policial terá de enfrentar os bandidos e salvar o jovem.

O elenco tem ainda o ator búlgaro Velizar Binev, que participou de filmes como "Os Mercenários 3" (2014) e "Dupla Explosiva" (2017). Mas como Cage, é só mais um nas cenas de ação. O restante do grupo é pouco. Tem até uma agente da Interpol, que não acrescenta muito à trama.


Tiros e explosões de sobra, mas chega a irritar a total falta de pontaria, tanto dos bandidos quanto da polícia. Há também dramas familiares, mas são pouco explorados, chegando a ser dispensáveis quando, na verdade, deveriam dar força ao enredo. 

A duração de 1h26 do longa, pelo que entrega, poderia ser menor. Vale para os fãs de Nicolas Cage, que até tenta, mas não consegue salvar a produção.