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27 setembro 2024

"Ainda Somos os Mesmos" dialoga com a nossa atualidade

Drama baseado em fatos reais da década de 1970 no Chile foi filmado na Cordilheira dos Andes, Santiago, Porto Alegre e Novo Hamburgo (Fotos: Edson Filho)


Eduardo Jr.


Baseado nos relatos de brasileiros que se abrigaram na Embaixada Argentina no Chile após o golpe de estado dos militares chilenos, o longa “Ainda Somos os Mesmos” já está em cartaz nos cinemas. O filme é dirigido por Paulo Nascimento (que já realizou “Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos”, de 2016) e distribuído pela Paris Filmes. 

Além da temática interessante e das imagens da época na abertura, outro atrativo reside em uma curiosidade sobre o longa: o filme é inspirado em outra obra do mesmo diretor (“Em Teu Nome”, de 2010). 

Um dos relatos que auxiliaram na construção do longa veio de João Carlos Bona Garcia, gaúcho e ex-guerrilheiro da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) que ficou 42 dias abrigado na embaixada da Argentina em 1973 e sobreviveu. 


A história do revolucionário fez parte de “Em Teu Nome”, e Bona também participou das leituras do roteiro de “Ainda Somos os Mesmos”. Mas faleceu aos 74 anos, em março de 2021, vítima de Covid, poucos dias antes de poder se vacinar. 

No longa "Em Teu Nome", um estudante de engenharia entra para a luta armada, e teme por sua namorada e por sua família. Em “Ainda Somos os Mesmos”, o estudante de medicina Gabriel (Lucas Zaffari) vai para o Chile para fugir da ditadura no Brasil, mas é surpreendido pelo golpe de estado de Augusto Pinochet e se perde da namorada. 

Ao se abrigar na embaixada da Argentina, ele conhece Clara (Carol Castro) e também reencontra outros brasileiros, o que movimenta a trama em determinados momentos. 


O filme dialoga com a nossa atualidade. Fernando (personagem de Edson Celulari) é o pai de Gabriel, e vive um empresário apoiador do militarismo. Mas se arrepende quando fica diante do risco de perder o filho ao ouvir que aquilo é necessário, que os atos são feitos em nome de Deus. 

Cabe a ele a missão de tentar resgatar Gabriel e os outros brasileiros no Chile, que na época era considerado um dos países mais perigosos do mundo por conta da ditadura de Pinochet. A presença de crianças e gestantes naquele contexto de violência escancara a falta de escrúpulos dos regimes militares. 


Embora filmado na Cordilheira dos Andes e também em Santiago, Porto Alegre e Novo Hamburgo, que propiciam uma boa fotografia, o longa ganha ares de novela com as músicas guiando cenas e emoções. Além de algumas atuações que se mostram em outra frequência em relação ao restante do elenco. 

Outro ponto a se observar é que, em alguns momentos, o texto parece usar expressões modernas demais para os anos 1970. Ainda assim, a tensão marca presença e mantém o interesse do espectador no filme. 


O longa também chamou a atenção de julgadores. Ganhou o prêmio de Melhor Filme Independente no Montreal Independent Film Festival 2023, se tornando mais um na lista de premiados da Paris Filmes. A distribuidora tem em seu catálogo, entre outros títulos, “O Lado Bom da Vida” (2012), que rendeu um Globo de Ouro e um Oscar de Melhor Atriz para Jennifer Lawrence. 

E “Meia Noite em Paris” (2011), que ostenta o título de maior bilheteria de um filme de Woody Allen no Brasil. Além das franquias “John Wick” (de 2014 a 2023) e "Jogos Vorazes" (2012 a 2023), e de sucessos como “Minha Irmã e Eu” (2024) e "La La Land - Cantando Estações" (2017).


Ficha Técnica:
Direção, roteiro e produção: Paulo Nascimento
Produção: Accorde Filmes
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas das redes Cineart Del Rey e Cinemark Diamond Mall e Pátio Savassi
Duração: 1h30
Classificação: 14 anos
Países: Brasil e Chile
Gêneros: drama, história, suspense

23 setembro 2024

Perturbador, “A Substância” escancara os horrores da sociedade patriarcal

Demi Moore entrega cenas extremamente fortes e angustiantes, em uma de suas melhores atuações
(Fotos: Universal Pictures)


Carolina Cassese


A partir de determinada idade, mulheres são descartadas. É exatamente isso que acontece com a protagonista do filme “A Substância" ("The Substance"), novo longa da diretora francesa Coralie Fargeat. A história é centrada em Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma atriz de Hollywood que passa a trabalhar como apresentadora de televisão. 

Logo no começo do body horror, a protagonista descobre que será substituída na emissora, que agora busca uma mulher de 18 a 30 anos para apresentar a atração fitness comandada por Sparkle. Em uma das primeiras cenas do filme, a personagem principal incentiva as espectadoras a conseguir “um corpo de verão”.


Quando vê seu emprego ser ameaçado, Elisabeth decide buscar um programa de “aprimoramento” corporal, conhecido como “A Substância”. O tratamento oferece a possibilidade de você se tornar “uma melhor versão de si mesmo”. A partir de uma injeção autoadministrada, qualquer um pode se tornar uma alternativa mais jovem, bonita e perfeita de si próprio.

A personagem principal, então, recebe diversos equipamentos médicos em sacos plásticos (seringas, tubos, um líquido verde fosforescente e um alimento injetável branco) e é informada sobre o protocolo referente ao seu “novo eu”. 

Ao longo das semanas, porém, a nova versão de Elisabeth – uma garota chamada Sue, interpretada por Margareth Qualley – acaba se mostrando mais problemática do que a personagem principal poderia imaginar. 


Mesclando elementos de ficção científica com outros componentes frequentemente vistos em filmes de horror, o longa acompanha a nova vida da protagonista, que agora se divide em duas. 

Sue leva uma rotina de celebridade, apresentando o programa fitness e sendo filmada a partir de muitos ângulos objetificadores. Enquanto Elisabeth vive cada vez mais isolada, sem conseguir compreender qual é o propósito de sua versão fora dos holofotes.

Em determinado momento, vemos que Elisabeth começa a se comparar com Sue de uma maneira pouco saudável, o que a impede de sair para jantar com um pretendente. Ao observar as imagens do corpo “perfeito” de sua outra versão, a protagonista passa horas se maquiando e, em seguida, fica paralisada, sem conseguir sair de casa. 

É triste (e aterrorizante) perceber que aquela mulher se sente inferior a todos, até mesmo ao homem com quem ia jantar, que não parece ter sérias preocupações com a própria estética. Essa é uma das cenas mais violentas do longa, mesmo que não mostre sequer uma gota de sangue. 


Vale destacar que a discussão apresentada pelo filme é imprescindível para os dias atuais. Em primeiro lugar, porque vivemos numa sociedade repleta de imagens, em que nos deparamos constantemente com ideais de estética inalcançáveis. 

As estrelas de cinema agora dividem a atenção (e a tela) com influencers, especializados em exibir diferentes ângulos de uma vida instagramável. Em “A Substância”, a protagonista está disposta a sentir muita dor para que, por uma versão de si mesma, continue a ser jovem e apareça nas telas.

Além disso – e aqui vai uma perspectiva menos pessimista sobre o momento em que nos encontramos–, o filme dialoga com discussões contemporâneas sobre etarismo e outros tipos de preconceitos que inevitavelmente são associados com o sistema patriarcal. 

Debatemos cada vez mais acerca das imposições machistas dirigidas às mulheres e, nesse sentido, “A Substância” aborda um assunto muito atual (mesmo que não seja novo).


Podemos lembrar aqui de uma frase da atriz e ativista Jameela Jamil, que em 2018 publicou um texto sobre preconceito estético no site da Glamour: “E quantas mulheres você conhece, incluindo você mesma, que gastam mais tempo e dinheiro do que os homens com aparências? 

Esse é um dinheiro que poderia ter sido investido em nossas vidas ou negócios. E o que dizer das mulheres que comem menos calorias ou dietas balanceadas do que seus corpos precisam?”. 

Em “A Substância”, percebemos como as mulheres são frequentemente reduzidas a números e tamanhos. Até mesmo ao ligar para o programa de aprimoramento corporal, Elisabeth só é reconhecida quando fala um número que a identifica como participante do programa.


O filme evidencia ainda como a mídia contribui para a reificação das mulheres, mesmo em atrações que aparentemente valorizam o “feminino”, exibindo apenas uma série de corpos magros e padronizados. Quantas vezes já vimos vídeos extremamente objetificadores que chegam a usar uma linguagem de “empoderamento”? 

Essa crítica fica ainda mais explícita quando consideramos o nome do filme em inglês, já que “substance” também significa “conteúdo”. Em determinadas atrações midiáticas, pouco se discute sobre o que as mulheres pensam – elas estão ali primordialmente para enfeitar. 

Percebemos, então, que não é pequena a importância do tema que Coralie Fargeat se propõe a abordar. Nas primeiras partes da história, a crítica é especialmente bem construída e o horror se encontra em diferentes elementos da trama. 


Destacamos aqui o excelente trabalho de Demi Moore, responsável por cenas extremamente fortes e angustiantes. Além disso, é preciso elogiar o ritmo da história, que mescla diferentes gêneros e, definitivamente, prende a atenção do espectador.  

É o terceiro ato do longa que representa o momento mais contraditório de “A Substância”, já que parte do público pode achar que as cenas são demasiadamente violentas. O tom perturbador, porém, não chega a destoar das demais partes: pode-se compreender que o exagero é proposital e ajuda a reforçar a violência do processo vivido pela protagonista. 

É certamente um dos horrores da condição feminina se sentir exposta a uma constante plateia de homens brancos, dispostos a “avaliar” e comparar mulheres. 


Na última parte, Elisabeth está cada vez mais desamparada, enquanto Sue se obriga a estampar um sorriso (porque “meninas bonitas devem sempre sorrir”) e segue com a busca incessante de se tornar muito famosa. Nós sabemos, no entanto, que muito não é o suficiente: em Hollywood, ou no mundo do Instagram. 

Os padrões costumam se ajustar para que seja constantemente necessário realizar mais um tratamento como o da “Substância”. As injeções nunca acabam – e há sempre uma nova maneira de encontrar “a sua melhor versão”.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Coralie Fargeat
Produção: Universal Pictures, Working Title Films
Distribuição: Imagem Filmes e MUBI
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h20
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: terror, drama, ficção

18 setembro 2024

"Prisão nos Andes" discute a perpetuação de ideais da ditadura Pinochet

Baseado em fatos reais, filme conta a história de cinco torturadores que vivem uma vida de luxo numa penitenciária chilena (Fotos: Retrato Filmes)


Silvana Monteiro


Aos pés da Cordilheira dos Andes acontecem cenas inimagináveis. O que era para ser um ambiente de cumprimento de pena, com regras e ordem, tornou-se local de privilégios e curtição. Os agentes prisionais são qualquer coisa, menos guardas de presos. Esta é a história de "Prisão nos Andes" ("Penal Cordillera"), dirigido e roteirizado pelo chileno Felipe Carmona, que estreia nesta quinta-feira (19), nos cinemas.

Baseado em uma história real, o filme apresenta um olhar provocativo sobre os resquícios da ditadura do presidente Augusto Pinochet por meio da perspectiva de cinco torturadores que, após serem condenados, vivem em uma prisão que mais se assemelha a um resort de luxo. 


A partir de uma ambientação robusta e de uma estética realista, a contradição entre a aparente paz do local e os horrores do passado, torna-se um dos pontos centrais da narrativa, evidenciando como regalias persistem mesmo em contextos de punição.

Uma coprodução entre Brasil e Chile que marca a estreia de Carmona em longas-metragens. O longa demonstra que nenhum cidadão chileno, prejudicado pelas feridas do regime que provocou a prisão de mais de 80 mil pessoas, a tortura de outras 30 mil e a morte de mais de três mil cidadãos, consegue imaginar o que se passa no pico daquela cordilheira.  

Nesse contexto, a obra consegue abordar questões complexas sobre a personalidade e os reflexos da impunidade nos perpetradores de crimes contra a humanidade. A história coloca em foco a banalidade do mal, revelando como esses homens desfrutam de certo conforto emocional e material, mesmo após suas ações violentas. 


O que poderia parecer uma situação de comédia de costumes se torna um retrato sombrio quando um acontecimento externo provoca uma desestabilização da dinâmica interna. 

Uma intervenção jornalística (repercussão do importante trabalho da imprensa) serve como gatilho para o desnudamento das arrogâncias e das realidades emocionais dos "presidiários". Isso leva a uma escalada de violência que reflete não apenas a psicologia dos personagens, mas também ao redemoinho social que assola o Chile.

A produção traz um elenco que, apesar de sua força, não consegue sempre desenvolver a profundidade que os papéis exigem. A atuação de Hugo Medina, um ator que foi vítima do regime, é um dos destaques, acrescentando uma camada de autenticidade ao filme. 


Contudo, a falta de desenvolvimento de alguns personagens torna mais complexa a identificação com suas histórias. Os prisioneiros, como indivíduos, carecem de nuances, o que pode tornar o espectador confuso em meio às angústias e delírios desses homens.

O filme foi bem recebido em diversos festivais internacionais, o que evidencia sua relevância e potencial impacto. As vitórias em festivais são elogiosas, mas também sublinham a expectativa em torno da obra, que não se concretiza plenamente em termos de coesão narrativa. 

A mescla de gêneros — um pouco de drama, suspense e sátira — parece confusa, e a transição entre esses elementos nem sempre é fluida.


Apesar dessas críticas, "Prisão nos Andes" propõe reflexões pertinentes sobre a memória coletiva e os efeitos de uma ideologia que ainda permeia a sociedade chilena. 

Ao abordar o passado de maneira crítica, e analisar o presente, o filme traça um paralelo entre o que foi e o que é, com foco em um dos períodos mais sombrios da história da América do Sul. 

A obra, com seus pontos fortes e fracos, consegue sublinhar a necessidade de confrontar a história para entender as dinâmicas sociais contemporâneas. 

Se o filme conseguisse sustentar a intensidade de suas melhores ideias ao longo de toda a narrativa, teria certamente alcançado um status mais elevado. Entretanto, em sua forma atual, ele permanece como um esforço válido na exploração de uma temática delicada e política.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Felipe Carmona
Produção: Multiverso Produções e Cinestación
Distribuição: Retrato Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h45
Classificação: 16 anos
Países: Brasil e Chile
Gênero: drama

10 setembro 2024

O bem realizado "O Bastardo" revela mais do potencial de Mads Mikkelsen

Protagonista com carreira marcada por vilões dá vida a um capitão em uma jornada dramática (Fotos: Henrik Ohsten Zentropa)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas brasileiros no dia 12 de setembro o longa "O Bastardo" (Bastarden"). O drama, distribuído pela Pandora Filmes, traz Mads Mikkelsen, famoso por dar vida a vilões na série "Hannibal" - 2013 a 2015 e "007 - Casino Royale" - 2006, e por seu papel em "Druk - Mais uma Rodada" - 2021. Ele agora sai do papel de antagonista e explora uma interpretação diferente. Além disso, o filme é a escolha da Dinamarca para disputar o Oscar de Melhor Filme Internacional.


A obra se baseia no livro "The Captain and Ann Barbara", de Ida Jessen. Na telona, o diretor dinamarquês Nikolaj Arcel explica o porquê do título e nos apresenta a história do capitão Ludvig Kahlen, que decide colonizar uma terra inóspita - Jutlândia - e fundar uma colônia em nome do Rei da Dinamarca.

Na jornada do protagonista estão um solo difícil, temporais e solidão sob um sol causticante. Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Um juiz arrogante deseja se apropriar daquela terra e, tendo seus planos frustrados, não poupa esforços para destruir o projeto - e a vida - do protagonista.  


Sabotagens e vilanias que podem parecer exageradas na atuação, combinam com o antagonista, o nobre Frederik De Schinkel (vivido por Simon Bennebjerg). Uma execução tão interessante que rapidamente estamos resmungando e odiando esse vilão.

Como o trabalho de colonizar um território hostil é tarefa para muitas mãos, e esse drama reserva muitos contratempos, vale destacar no elenco de apoio a pequena cigana Anmai Mus (personagem de Melina Hagberg), que traz alívio cômico e emoção para a frieza que o capitão carrega consigo.


No longa, o espectador está sempre acompanhando tudo a dois passos da ação, observando até as coisas que o protagonista observa. Embora uma ou outra situação possa ser pressentida pelo público, as escolhas do diretor se mostram acertadas. No meio dos altos e baixos da jornada do protagonista, a obra consegue deixar a pergunta: será que vai dar certo?

A busca por essa resposta o espectador poderá fazer nos cinemas, e ouso dizer que dificilmente vai se decepcionar com a história que o aguarda. Para usar um termo da moda, ali estarão muitas 'pautas': idealismo, embate entre afeto e convenções sociais, formação de família, relações de poder e vingança. 

Tudo isso em um longa que não se torna cansativo em suas duas horas de exibição, e que traz uma fotografia bem pensada. Um filme de época com um desfecho bem amarrado - e tão satisfatório que pode até levar pra casa a tão sonhada estatueta do Oscar.  


Ficha técnica:
Direção: Nikolaj Arcel
Produção: Zantrops Productions
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h08
Classificação: 18 anos
País: Dinamarca
Gêneros: drama, ação, histórico

28 agosto 2024

Longa “Zé” retrata vida de militante na ditadura, sem apelar para sangue e violência

Filme do mineiro Rafael Conde aborda impactos pessoais na vida do biografado (Fotos: Luis Abramo)


Eduardo Jr.


Se você acha que o tema “ditadura” já teve suas abordagens esgotadas, pode se ver fisgado pelo novo filme do cineasta mineiro Rafael Conde. “Zé” chega às telonas nesta quinta-feira (29), distribuído pela Embaúba Filmes, e resgata a história verídica de José Carlos Novais da Mata Machado, uma das lideranças do movimento estudantil que foi perseguido e morto pelo regime militar.

O filme é baseado no livro de mesmo nome, escrito pelo cearense Samarone Lima, que investigou documentos da época e entrevistou familiares, amigos e outros militantes. Mas o longa se destaca dos demais por ser quase asséptico. Não espere encontrar soldados de farda, sangue ou cenas de tortura. O impacto na vida do protagonista e das pessoas ao redor é que estão em foco.  


Caio Horowicz dá vida a Zé e emoção às cartas que o militante enviava à família. Morto aos 27 anos, o jovem se dedicou a levar alfabetização e conscientização política a camponeses no Nordeste. Pagou com a própria vida.

No elenco principal estão também Eduarda Fernandes (Bete), Samantha Jones (Grauninha), Rafael Protzner (Gilberto), Yara de Novaes (Dona Yedda), Gustavo Werneck (Edgar) e Alexandre Cioletti (Hélio), além das crianças Richard Paes, Henrico Kneip, Miguel Dias e Ravi Oter.


Neste longa, o espectador em alguns momentos é colocado mais próximo das ações. As câmeras e sequências conseguem provocar suspense, e até antipatizar com algumas personagens. Mas vale a dica para manter os ouvidos atentos, pois o áudio pode deixar a desejar em algumas cenas. 

No geral, é uma obra diferente, que nos enriquece sobre o debate moral e político desse período da nossa história a ser lembrado e nunca mais repetido.  


Ficha técnica:
Direção:
Rafael Conde
Roteiro: Anna Flávia Dias e Rafael Conde
Produção: Filmegraph
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: sala 2 do Centro Cultural Unimed-BH Minas e sala 2 do Cine UNA Belas Artes
Duração: 2 horas
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gênero: drama

20 agosto 2024

“O Último Pub”: preconceito, xenofobia e alguma esperança no ar

Longa se passa num vilarejo da Inglaterra preste a desaparecer, que recebe a chegada de imigrantes sírios com seus costumes
(Fotos: Why Not Productions)


Mirtes Helena Scalioni


Brilhante, atento e comprometido com as causas sociais, o diretor britânico Ken Loach entrega ao público mais uma obra que leva à reflexão. Em cartaz no Centro Cultural Unimed Minas-BH e no Cine UNA Belas Artes, “O Último Pub” toca em mais uma ferida atual e dolorida: a xenofobia. 


Depois de obras-primas como “Eu, Daniel Blake” (2016), sobre a perversidade da burocracia, e “Você Não Estava Aqui” (2018), sobre o que alguns chamam de uberização do trabalho, Loach continua certeiro e crítico. Com roteiro bem amarrado e sem firulas de Paul Laverty, a história se passa num vilarejo ao nordeste da Inglaterra, no Condado de Durham.

Praticamente falida e prestes a desaparecer desde que as minas da região deixaram de ser exploradas, a vila se vê diante de uma novidade: a chegada de imigrantes sírios com seus costumes, suas dores e disposição para recomeçar.


Enquanto a presença dos “cabeças de pano” acende preconceitos entre a maioria dos habitantes de Durham, o proprietário do único pub do lugar, T.J Ballantyne, decide atuar na contramão e, após fazer amizade com a jovem síria Yara, se junta a ela num trabalho de assistência aos refugiados. 

A dobradinha entre o velho e a jovem, interpretados na medida por Dave Turner e Ebla Mari, incomoda os moradores na mesma medida em que enternece o espectador.


O título original do filme em inglês é “The Old Oak” – "O Velho Carvalho", em tradução literal, exatamente o nome do pub de T.J Ballantyne. Suas janelas e portas são reabertas para a caridade pública após anos abrigando apenas antigas fotografias e memórias dos áureos tempos de exploração das minas com suas greves e conquistas.

Além da dupla Dave Turner e Elba Mari, destacam-se no elenco Claire Rodgerson, como Laura, que se junta aos dois, e Trevor Fox, como Charlie, o mais falante da turma de amigos que passa os dias tomando litros de cerveja no The Old Oak. 


Outro destaque é a beleza do lugar, com paisagens lindas e bucólicas, com direito a uma visita ao interior da catedral de Durham, em momento de muita emoção. Para quem gosta de animais, é preciso registrar que Ken Loach incluiu uma participação cheia de sensibilidade de Marra, a cachorrinha de Ballantyne.

Como o diretor chegou aos 87 anos, há quem diga que “O Último Pub” seja o derradeiro filme de Ken Loach. Tomara que não. Mas, se for, pode-se dizer, sem medo de errar, que ele encerra sua carreira deixando uma nesga de esperança. “O Último Pub” é, sem dúvida, sua produção mais otimista.


Ficha técnica:
Direção: Ken Loach
Roteiro: Paul Laverty
Produção: Why Not Productions, Sixteen Films, StudioCanal UK
Distribuição: Synapse Distribution
Exibição: sala 2 do Centro Cultural Unimed Minas-BH, sessão às 16h10; e sala 2 do Cine UNA Belas Artes, sessão às 20h30
Duração: 1h53
Classificação: 14 anos
Países: Bélgica, França, Reino Unido
Gênero: drama

19 agosto 2024

"Família", um filme sobre imigração, paternidade e a importância da fraternidade

Produção japonesa que retrata a luta do cidadão por sobrevivência é baseada em fatos reais e tem no elenco o premiado ator Koji Yakusho (Fotos: Sato Company)


Silvana Monteiro


Imigração, laços familiares, construção socioafetiva das relações, culturas brasileira e japonesa, são temas explorados em "Família" ("Famiria"). Dirigido por Izuru Narushima, o filme, lançado em 2023 no Japão, aborda a questão da imigração de brasileiros no Japão, os chamados dekasseguis, que já ultrapassam os 300 mil no país. 

A produção oferece ao público uma narrativa que entrelaça histórias de cidadãos comuns em busca de sobrevivência, seja no país de origem, seja em terras estranhas. O longa está em exibição no Cineart Ponteio, Centro Cultural Unimed Minas-BH e Cine Una Belas Artes.


O protagonista Seiji, vivido por Koji Yakusho, o mesmo de "Dias Perfeitos" (2024), é um solitário ceramista japonês que se vê, inesperadamente, diante de um dilema, quando seu filho, Manabu (Ryô Yoshizawa), retorna ao Japão acompanhado de sua esposa Nadia, uma sobrevivente de guerra. Manabu, que trabalha em uma das regiões mais conflituosas da África, expressa ao pai o desejo de recomeçar a vida em sua terra natal. Porém, Seiji o desencoraja, temendo que seu filho repita seu falido estilo de vida.

A trama ganha novos contornos com a introdução de Marcos, interpretado por Lucas Sagae, um jovem brasileiro que vive em um conjunto habitacional de imigrantes. A conexão entre a vida de Marcos e Seiji se dá de maneira repentina após um incidente. A partir desse encontro, a vida do ceramista começa a se entrelaçar com as de Marcos e sua companheira Erika, criando uma teia de relações que desafiam as barreiras da idade, da cultura e dos laços sanguíneos. 


O filme se aprofunda ainda mais quando Manabu, de volta ao seu trabalho na África, é surpreendido por uma grande tragédia ao tentar enviar ao pai uma importante notícia sobre Nádia, sua esposa. Enquanto isso, no Japão, Marcos enfrenta perseguição, xenofobia e violência que colocam à prova sua resiliência e os laços recém-formados com Seiji. 

O contraste entre as experiências de Manabu e Marcos reforça a ideia de que as adversidades, sejam elas no campo de batalha ou nas ruas de uma cidade estrangeira, são parte de uma mesma luta universal por pertencimento e segurança. O filme mostra que a solidariedade e a fraternidade entre as pessoas podem mudar as situações e dar um novo sentido à vida.


A dedicação de Seiji à sua arte, enquanto espera ansiosamente por notícias de seu filho, reflete a persistência dos laços afetivos, mesmo quando confrontados com a distância e o perigo. O moldar do barro, a fornalha para curar a cerâmica e o acolhimento ao outro, são trazidos no filme de uma forma muito sensível para falar das conexões socioafetivas construídas entre aqueles que não compartilham o mesmo sangue. 

O envolvimento de Seiji com os jovens brasileiros e sua decisão de tomar medidas arriscadas para ajudá-los e também para tentar salvar o filho e a nora, demonstra uma evolução em seu personagem, que passa de um homem fechado em seu próprio mundo para alguém disposto a abrir sua vida a novas atitudes e conexões. 

"Família" não é apenas um filme sobre imigração ou paternidade. É uma obra que nos lembra de que os laços humanos mais profundos são forjados não apenas pelo sangue, mas pelas experiências compartilhadas, pela empatia, pela coragem e pela união. 


Com um elenco estelar, que inclui Koji Yakusho, Ryo Yoshizawa e Miyavi, além de talentosos atores brasileiros como Lucas Sagae, Alan Shimada e Fadile Waked, o filme traz uma sensibilidade rara ao retratar a comunidade brasileira no Japão (os dekasseguis), enquanto faz ecoar a universalidade de seus temas. 

O ponto fraco são as intervenções de fatos ocorridos com outros personagens que são dispensáveis, impedindo assim que a história ganhasse mais liga na relação entre o protagonista e os principais coadjuvantes. 

Distribuído pela Sato Company, a produção é uma adaptação do roteiro original de Kiyotaka Inaga, baseado em fatos reais, e já conquistou o prestigiado Kinema Junpo Awards na categoria de melhor ator, destacando ainda mais o talento de Koji Yakusho. Destaque para a trilha sonora que vai do pop asiático ao pagode brasileiro.  A fotografia também tem contornos marcantes, principalmente nas cenas que remetem ao continente africano e aos detalhes na olaria.


Ficha técnica
Direção: Izuru Narushima
Roteiro: Kiyotaka Inagaki
Produção: Kino Films
Distribuição: Sato Company
Exibição: Cineart Ponteio, sessões às 16h30 e 21 horas; sala 2 do Centro Cultural Unimed Minas-BH, sessão 18h15; sala 1 do Cine Una Belas Artes, sessões às 16 e 20 horas
Duração: 2h01
Classificação: 16 anos
País: Japão
Gênero: drama

15 agosto 2024

"Meu Filho, Nosso Mundo" aborda com sensibilidade a experiência de criar um autista

Bobby Cannavale e o jovem William A. Fitzgerald interpretam pai e filho nesta comédia dramática bem atual (Fotos: Diamond Filmes)


Maristela Bretas


Um protagonista infantil autista e as experiências de alguns dos envolvidos na produção com os filhos portadores de autismo fazem de "Meu Filho, Nosso Mundo" ("Ezra") um longa sensível e envolvente, que merece ser assistido. 

O drama, que estreia nesta quinta-feira (15) nos cinemas, mostra o comportamento de Ezra (William A. Fitzgerald) e como o Transtorno do Espectro Autista (TEA) interfere no casamento dos pais e na relação do menino com as pessoas. 


Na trama, o comediante Max Bernal (Bobby Cannavale) é um homem explosivo, mas um pai carinhoso de um garoto de 11 anos diagnosticado com autismo. Ele não aceita que o filho necessita de uma atenção especial e seu comportamento é um dos motivos do fim do casamento com Jenna (Rose Byrne), em ótima atuação como a mãe de Ezra.

Bobby Cannavale também está muito bem no papel de Max, um comediante sarcástico que usa o humor como uma ferramenta para lidar com as dificuldades da vida. Acumula fracassos profissionais e ainda precisa morar com o pai, Stan, papel de Robert De Niro, com quem tem um relacionamento muito difícil. A ausência paterna na infância o leva a cometer erros semelhantes com o filho.


Criando confusão por onde passa, Max se supera ao levar o filho, sem a permissão da mãe, para uma viagem de carro a dois. Atravessando o país, ele vai tentar criar uma conexão com o mundo da criança e, ao mesmo tempo, superar seus próprios traumas e fracassos. A jornada pode significar uma virada na vida de toda a família.

O diretor de "Meu Filho, Nosso Mundo" mexe com a sensibilidade do público ao abordar uma situação que somente quem convive diariamente com o portador de TEA conhece. É difícil, mas possível. O roteiro bem conduzido de Tony Spiridakis, a produção de William Horberg, e a atuação de De Niro, todos pais de jovens com autismo, provam isto. 


Sem contar que William A. Fitzgerald é uma criança autista na vida real. O ator mirim é a alma do filme e entrega uma ótima interpretação, dando autenticidade e profundidade ao tema do ponto de vista de uma pessoa com TEA.

 Ele sofre bullying nas escolas, tem dificuldade de convívio e usa, às vezes, gestos e expressões para se comunicar no lugar de palavras. Tem alergias, prazeres e tristezas.


Robert De Niro nem precisa falar, sempre excelente. E num papel que o deixa à vontade para colocar uma situação que ele vive há 26 anos com o filho Elliot. Seu personagem é complexo e cheio de nuances. Se com Max as brigas são frequentes, com o neto a situação muda por completo. Stan sabe que Ezra tem dificuldades, não aceita que o tratem como especial, mas consegue a conexão tão desejada pelo filho.

Além do quarteto principal, o filme também conta com os atores Rainn Wilson, Whoopi Goldberg, Vera Farmiga e Tony Goldwyn ("Ghost - Do Outro Lado da Vida" - 1990), que também é o diretor. 


"Meu Filho, Nosso Mundo" aborda a importância da aceitação e da inclusão de pessoas com Transtorno do Espectro Autista na sociedade e nas relações familiares. 

O roteirista soube dar o recado ao tratar um tema tão difícil, hora com acidez nas falas de Max, hora nos desabafos de Stan com o filho e até mesmo nas reações de Ezra ao mundo externo. Um filme que toca o coração pela sensibilidade. Vale a pena conferir.

Curiosidade

Em 1979, Gleen Jordan dirigiu o filme "Meu Filho, Meu Mundo" ("Son-Rise: A Miracle of Love"), que conta a história da primeira criança autista tratada com o programa Son-Rise. O método foi criado por leigos e pais de autistas e é aplicado até hoje. Clique aqui para assistir o longa.


Ficha técnica:
Direção: Tony Goldwyn
Roteiro: Tony Spiridakis
Produção: Wonderful Films
Distribuição: Diamond Films
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h42
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: drama, comédia

10 agosto 2024

"Saideira" se apresenta como comédia, mas não consegue fazer rir

Longa mistura em um caldeirão reconciliação familiar, caça ao tesouro e aula sobre cachaça, mas não adiciona tempero algum (Fotos: Elo Studios)


Eduardo Jr.


É uma comédia nacional em cartaz nos cinemas, mas não espere dar gargalhadas com "Saideira", dos diretores Júlio Taubkin e Pedro Arantes. Com distribuição Elo Studios, o longa mostra a história de duas irmãs em busca de uma cachaça com status de lenda. As protagonistas, uma ambiciosa e uma artista meio hippie, não imprimem a graça esperada.   


Penélope (Luciana Paes) volta a Paraty para o enterro do avô Honório (Tonico Pereira), mas deseja mesmo é encontrar uma rara cachaça que o falecido deixou. No reencontro com a irmã Joana (Thati Lopes), que não via há muitos anos, fica claro que há um conflito familiar pendente de solução. 

Neste cartão de visita, as tentativas do filme de arrancar risos falham. Sucesso mesmo, só a curta participação de Suely Franco, que está segura no papel. No elenco estão ainda Ary França, Matheus Abreu, Jackson Antunes, Rogério Fróes e Teca Pereira.


Daí começa uma sequência de clichês: a perseguição pela herança após a abertura do testamento, duas irmãs que precisam se unir no mesmo objetivo, e "looongas” cenas que poderiam facilmente serem encurtadas. 

O espírito road movie toma conta do longa, com as personagens cruzando a Estrada Real rumo a Minas Gerais, em busca de resgatar um passado. 

Enquanto isso, o texto desenrola uma aula sobre a cachaça. E nessa ode à famosa "branquinha", uma violeira aterrissa no filme, mais cenas longas ocupam a tela e mais explicações sobre a aguardente. Resumo: chato. 


E o longa segue misturando ainda mais elementos, talvez na tentativa de conquistar o público pela identificação. Entram em cena o esoterismo de São Tomé das Letras, poemas de Drummond, e até uma amostra de feminismo, com mulheres descobrindo e superando as lambanças dos homens. 

Nessa confusão, não se espante se você sentir sono. Você não será o único (pois eu cochilei). 


Ficha Técnica:
Direção: Júlio Taubkin e Pedro Arantes
Produção: Glaz com coprodução da Massa Real
Distribuição: Elo Studios
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h52
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gêneros: comédia, drama

31 julho 2024

“Estranho Caminho" - Com mineiro de Santa Tereza, obra é poesia sobre caos

O roteiro de Guto Parente habilmente mescla elementos dramáticos, psicológicos e fantásticos (Fotos: Sinny Assessoria)


Silvana Monteiro


Chega aos cinemas nesta quinta-feira (1⁰ de agosto), o longa "Estranho Caminho", do diretor Guto Parente, vencedor de 16 prêmios nacionais e internacionais, com destaque para o Festival de Tribeca 2023 (EUA), onde conquistou as estatuetas de Melhor Filme, Melhor Roteiro para Guto Parente, Melhor Fotografia para Linga Acácio e Melhor Performance para Carlos Francisco. 

Também venceu os prêmios de Melhor Roteiro (Guto Parente) e Melhor Ator Coadjuvante para o ator mineiro Carlos Francisco no Festival do Rio, e Melhor Filme da Mostra Autorias da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes 2024 (Brasil). O filme está em exibição no Centro Cultural Unimed-BH Minas e no Cine Una Belas Artes.


Com uma história que se passa em meio à turbulência da pandemia que assolou o mundo, o diretor cearense Guto Parente fez um filme inspirado em sua trajetória pessoal. "Estranho Caminho" permite que o espectador entre de cabeça no caos e na poesia da busca pela realização de sonhos, das conexões e relações familiares, das adversidades e do autoconhecimento.

O protagonista David, interpretado por Lucas Limeira, é um jovem cineasta que retorna à sua cidade natal, Fortaleza, para apresentar seu filme em um festival. Porém, sua chegada é no famoso estilo expectativa x realidade. Seu caminho é repleto de percalços - desde o momento em que põe os pés na cidade, até não encontrar acolhida entre amigos, sofrer com a violência do lugar e se ver perdido em meio às restrições de uma crise sanitária. 

Esse desencontro com o seu lugar de origem e com o sonho de levar a público sua arte, é o ponto de partida para um enredo dramático com toques de fantasia e trama psicóloga. 


Ao se ver forçado a reencontrar o pai, Geraldo, interpretado por Carlos Francisco, com quem não fala há anos, David enfrenta seus próprios demônios e questionamentos sobre seu passado e sua carreira artística. 

O roteiro de Parente habilmente mescla elementos dramáticos, psicológicos e fantásticos, criando um universo compativelmente estranho com o fato de tentar entender o que é uma pandemia, ao mesmo tempo, instigante e intimista, páreo para uma convivência forçada. 

O ator Carlos Francisco, mineiro de Belo Horizonte, nascido e criado no bairro de Santa Tereza, interpreta Geraldo com tanta maestria que recebeu os prêmios de melhor ator coadjuvante no Festival do Rio 2023; melhor performance no Festival Tribeca, EUA, 2023, e melhor atuação no Festival da Fronteira, no Brasil em 2023. 


Em relação à fotografia, Linga Acácio, com seus jogos de luz e sombra, contribui para a atmosfera onírica e perturbadora do filme. Já a trilha sonora de Uirá dos Reis e Fafa Nascimento adiciona camadas de profundidade e reflexão à narrativa. O elenco, composto majoritariamente por atores cearenses, entrega performances impactantes e repletas de nuance.

"Estranho Caminho" é uma obra que desafia os gêneros convencionais, trazendo uma experiência cinematográfica estranha e provocativa. Parente consegue falar sobre temas universais, como as complexidades da família e da identidade, por meio de uma lente altamente pessoal e poética. 


É um filme que eu resumiria com os versos de um poeta, não do sertão cearense, mas do sertão mineiro, João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas": “Todo caminho da gente é resvaloso. Mas; também, cair não prejudica demais – a gente levanta, a gente sobe, a gente volta! (...) O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”


Ficha técnica
Direção: Guto Parente
Produção: Tardo Filmes
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: Centro Cultural Unimed-BH Minas e Cine Una Belas Artes
Duração: 1h23
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gêneros:
drama, documentário