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20 julho 2025

"Uma Bela Vida" e o direito à dignidade na hora da despedida

O diretor Costa-Gavras explora o tema da medicina paliativa por meio da relação de amizade que surge
entre um filósofo escritor e um médico especialista nesta área e seus pacientes (Fotos: Filmes do Estação)


Patrícia Cassese


Em uma cena logo no início de "Uma Bela Vida", em cartaz na cidade, um dos personagens, um médico, lista os três grandes eixos atuais da medicina - a preventiva, a curativa e a paliativa. Certo, um profissional da mesa ao lado se levanta da cadeira neste momento e acrescenta o que seria o quarto, a medicina reabilitadora. 

Mas é sobre o braço "medicina paliativa" que o novo filme do veterano Costa-Gavras ("Estado de Sítio" - 1972, "Z" - 1969) se volta. Sim. Atualmente com 92 anos de idade (completados em fevereiro), o diretor franco-grego se debruça sobre um tema árido, a partir do momento em que se dá a constatação de que os recursos disponíveis na medicina para um tratamento visando a cura já se esgotaram.


O termo "tratamento paliativo" vem se tornando cada vez mais ventilado e proferido na sociedade contemporânea, e muito em função do aumento na incidência de certos tipos de doença (como as neoplasias), bem como em função do aumento da expectativa de vida da população. 

Grosso modo, trata-se de um ramo da medicina voltado a propiciar dignidade e conforto àqueles que estão se aproximando da finitude, e para os quais, como dito acima, os recursos hoje disponíveis para tratamento já não surtem mais efeito. Ressalte-se, um braço ainda inacessível a muitos, notadamente por razões econômicas, mas, de todo modo, digno de reverência pelo aspecto humanitário que carrega em seu bojo.


Certo, Costa-Gavras escolheu um tema pouco palatável para trabalhar no écran. Árido. Não parece ser de todo descabido pressupor que o interesse pela finitude tenha a ver com a própria idade deste que se tornou conhecido mundialmente por filmes de viés político. 

De todo modo, é necessário situar que "Uma Bela Vida" baseia-se no livro "Le Dernier Souffle", escrito em conjunto pelo jornalista e ensaísta Régis Debray e pelo médico Claude Grange. "Le Dernier Souffle" - em tradução literal, "O Último Suspiro" -, aliás, é o título original do filme.  

No longa, Fabrice (o veterano e conhecido Denis Podalydès) é um filósofo bastante conhecido por seus livros (a ponto de, no curso da trama, ter seu rosto prontamente identificado por outros personagens, mesmo trajando um jaleco). Em uma viagem aos Estados Unidos, durante um exame de imagem, ele descobre estar com uma pequena mancha entre o fígado e os pulmões. 


Naquele momento específico, ela (mancha) está inativa, mas Fabrice é informado de que a mácula exigirá um controle constante, pelo risco de um "desenvolvimento fulminante", nas palavras proferidas no pós-exame pelos profissionais. 

De início, o escritor é orientado a repetir o exame apenas meses depois, mas, poucos dias após retornar à França, já está novamente a perscrutar o estágio da inquietante descoberta. É exatamente neste momento em que Fabrice é apresentado ao médico Augustin (Kad Merad), especializado em cuidados paliativos. Na verdade, Augustin havia pedido para ser apresentado a Fabrice, de cujos livros é apreciador. 


Após o café citado no parágrafo inicial desta resenha, os dois aprofundam o relacionamento, posto que o filósofo se mostra cada vez mais interessado em adentrar o universo dos que estão para partir, bem como das reações, posições e sentimentos dos parentes nesta etapa tão intrincada. 

A partir deste laço, o filme desfila uma série de personagens, vivendo situações bem distintas, ainda que com o denominador comum de estarem sob cuidados paliativos.

Neste percurso, vemos personagens vividos por nomes icônicos do cinema, como Charlotte Rampling e a espanhola Angela Molina ("Esse Obscuro Objeto do Desejo" - 1977, de Luis Buñuel). Ambas interpretam mulheres fortes, dispostas a assumir as rédeas nesta última etapa da existência terrena. 


Se Charlotte Rampling brilha por transmitir a ciência de seu estado e fincar posição apenas pelo olhar, Molina, que vive uma cigana, resplandece na sua despedida. Mas há outras tantas (despedidas) que se arrolam no curso da vivência de Fabrice com Augustin, e que se sucedem em meio a discussões filosóficas que ocorrem tanto em meio aos corredores do centro voltado aos cuidados paliativos, assim como na casa de Fabrice, onde crianças (os netos de Fabrice), na contramão dos que estão na zona limítrofe da vida, estão imersas no instigante processo de descobertas do mundo adulto.


Difícil avançar além sem incorrer em spoilers, mas vale destacar, ainda, a belíssima cena envolvendo outra grande atriz do cinema francês, Karin Viard, que fala da esperança e do olhar para frente mesmo quando a realidade é perturbadora.

No balanço, um belo e comovente filme, mas que percorre caminhos bastante sensíveis, que podem ativar gatilhos em alguns espectadores. Talvez até por isso o título original poderia ter sido mantido, pois repassa, com mais fidelidade, o propósito deste filme, cujo teor vai certamente retumbar na mente do público por muito tempo.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Costa-Gavras
Produção: KG Productions
Distribuição: Filmes do Estação
Exibição: Centro Cultural Unimed-BH Minas e Una Cine Belas Artes
Duração: 1h40
Classificação: 14 anos
País: França
Gênero: drama

27 março 2024

“A Matriarca” aborda conexão entre personagens feridas pela vida

Charlotte Rampling é a protagonista desta produção neozelandesa que soma drama com pitadas de comédia sobre relações familiares (Fotos: Pandora Filmes)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (28) o longa “A Matriarca”, distribuído pela Pandora Filmes. O filme dirigido por Matthew J. Saville traz a ótima Charlotte Rampling ("Duna: Parte 2") como protagonista de uma história que soma drama com pitadas de comédia. 

Por mais que o nome do filme deixe claro que haverá uma presença feminina no centro da história, o espectador já embarca na história em um carro, acompanhando uma conversa entre pai e filho sobre uma pessoa, e se perguntando “quem será ela?”. 


Eis que ‘ela’ surge na tela, e com olhar penetrante. Charlotte Rampling interpreta Ruth, mãe de Robert (vivido por Marton Csokas, de “O Protetor” - 2014) e avó de Sam (George Ferrier, que atuou na 2ª temporada de “Sweet Tooth”- 2023). Uma mulher cujo temperamento parece ser sua marca registrada. 

E o que apenas ‘parece’ se confirma quando ela abre a boca. A acidez desta avó, que não tem ligações com o neto, dá o tom da relação que ela vai, então, estabelecer com Sam, recém-expulso de um colégio interno. 


Ruth é uma fotógrafa aposentada, correspondente de guerra, que viveu muita coisa e que bebe mais ainda, enquanto encara um problema de saúde, sob a supervisão da enfermeira Sarah (Edith Poor). Quem cuidará dela é o neto rebelde. 

A conexão entre eles, que tem tudo para dar errado, vai caminhando entre espinhos e prendendo a atenção do espectador, que tem a chance de descobrir porque os dois chegaram naquele lugar, os motivos das feridas que carregam, e algumas das questões com as quais precisamos lidar na vida.    


É um drama, mas a comédia também marca presença. Não só no humor de Ruth, mas também na construção do encontro dos personagens, na postura deles diante do desenrolar da nossa existência. Prova de que a arte imita a vida é que essa história partiu de uma experiência pessoal do diretor. 

Colocar essa memória na telona parece ter sido um acerto. O filme foi ganhador do Prêmio de Melhor Atriz no Bifest - Bari International Film Festival. E promete ganhar elogios de quem for ao cinema assistir. É um bom filme.


Ficha técnica
Direção e roteiro:
Matthew J. Saville
Produção: New Zealand Film Commission, Celsius Film
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h34
Classificação: 16 anos
País: Nova Zelândia
Gêneros: drama, comédia