04 julho 2016

Filme francês "Doce Veneno" reedita "mito" Lolita

Vincent Cassel e a atriz estreante Lola Le Lann em cena de "Doce Veneno", em cartaz na cidade (Fotos: California Filmes/ Divulgação)

Patricia Cassese


Quando, nos momentos iniciais de "Doce Veneno" ("Un Moment d'Égarement", em cartaz no Belas Artes), a câmara avança pelo mar azul em direção à terra firme - no caso, a Córsega -, o espectador escuta um clássico da chanson française: "La Mer", na voz de Charles Trenet. A música, porém, divide a trilha sonora da produção francesa dirigida por Jean-François Richet com hits contemporâneos, como "I Follow Rivers", de Lykke Li (sim, também da trilha de "Azul é a Cor Mais Quente"), acabando por reverberar o que acontece em cena. Em férias, dois quarentões - Antoine (François Cluzet) e Laurent (Vincent Cassel) -, amigos de longa data, partem rumo à casa do primeiro, localizada na citada ilha mediterrânea. Os dois estão devidamente acompanhados das filhas únicas: respectivamente, Louna (Lola Le Lann), 17 anos, e Maria (Alice Isaaz), 18.

Mas o período promete poucas emoções: a casa em questão está abandonada há tempos, e até um rato morto é encontrado no piso. Não bastasse, a área externa vem sendo atacada por javalis, e a conexão com o wi-fi é "pra" lá de precária - para desespero das duas dignas representantes de uma geração que não vive longe de seus smartphones. Para consolo das meninas, eis que vem a notícia de que sim, há amigos, pessoas da geração delas, também passando férias por lá - e vêm as noitadas regadas a DJS, roupas ousadas e muito, muito álcool.

E é justamente numa dessas raves que Louna explicita a Laurent (ali para garantir que as garotas voltem a salvo para casa) seu poder de sedução. O estopim da atração, na verdade, foi detonado pouco antes, numa descida a uma cachoeira, programa feito pelos quatro personagens centrais. Já na rave, na esteira dos muitos goles a mais, Laurent cede à insistência da bela e sedutora garota na areia, após um mergulho nas águas geladas.

Mas, claro, como só acontece na vida, após a bebedeira, vem a ressaca. Diante da inocência do amigo e anfitrião Antoine, vem, também, o arrependimento, e a busca desesperada de Laurent para colocar um ponto final na situação. O que não será tarefa das mais fáceis. A começar que Louna vai se revelando uma menina ardilosa, manipuladora e levemente perturbada, a ponto de armar situações que colocam Laurent (a essa altura, já em pânico ante a iminência da descoberta do affair por parte de Antoine) em parafuso.

Paralelamente, Antoine tenta esquecer o  evidente fracasso de seu casamento (a esposa não acompanha marido e filha nas férias) flertando com garotas mais jovens ou se empenhando na  luta contra os tais javalis, preparando caçadas e armadilhas que suscitam, no espectador, a tensão de onde tais artimanhas podem desaguar.


Tendo chamarizes como a presença dos dois atores citados - Cluzet, vale lembrar, vem de um sucesso estrondoso do cinema francês, "Os Intocáveis",  êxito esse arrebanhado em nível internacional, enquanto Cassel é um dos rostos mais conhecidos das produções - e a beleza das duas meninas, "Doce Veneno" reedita a sedução das lolitas, já "n" vezes vista nos cinemas - inclusive em produções brasileiras, como "A Menina do Lado". O resultado é um filme interessante para uma tarde descompromissada, mas longe - muito longe - de deixar qualquer marca na memória.

Curiosidades

Falamos em Lolita e o nome da atriz que interpreta a ninfeta no filme é... Lola. Que, por sinal, lembra muito Laura Neiva, que, adolescente, interpretou a filha de Vincent Cassel na produção brasileira "À Deriva". No filme de Heitor Dhalia, Neiva é Filipa, uma adolescente que se entristece ao ver o pai quarentão se interessar por uma mulher mais jovem - tal como ocorre com a personagem Maria, a companheira de férias de Louna em "Doce  Veneno". Classificação: 14 anos



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01 julho 2016

Com poesia e algum delírio, "Big Jato" fala da podridão de que somos feitos

A história explora os conflitos entre os dois Francisco - o pai limpador de fossas e o filho poeta (Fotos: Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


Atuando em dois papéis, Matheus Nachtergaele é a grande estrela de "Big Jato", filme dirigido por Cláudio Assis, responsável por outras boas esquisitices intrigantes do cinema nacional como "Baixio das Bestas", "A Febre do Rato" e "Amarelo Manga", pra ficar só nos mais conhecidos. Ao emprestar seu brilho e talento a dois irmãos, Francisco e Nelson, dois personagens antagônicos da história, Nachtergaele dá um tom mais real ao drama - às vezes surreal - do menino nordestino cujo pecado era querer ser poeta.


O filme é baseado em livro homônimo (autobiográfico?) do conhecido jornalista Xico Sá. Francisco, vivido pelo estreante Rafael Nicácio, é um adolescente, filho do também Francisco (um dos papéis de Nachtergaele), cuja ocupação é percorrer estradas num caminhão pipa limpando fossas em lugarejos aonde a evolução sanitária não chegou. 

Embora tenha um pai machista e ignorante, o menino tem como modelo o tio Nelson (o outro papel de Nachtergaele), radialista anárquico e delirante. Delirante é também, de certa forma, o filme como um todo. A começar pelo lugar onde a trama se passa, Peixe de Pedra, espécie de cidade fóssil. Sem contar outro personagem, Príncipe, vivido por ninguém menos que Jards Macalé, figura popular que gosta de contar suas conquistas e dores amorosas ao menino Chico. "Big Jato" tem um pé fora do real e, muitas vezes, lembra uma fábula.


Os conflitos entre Francisco pai e Francisco filho - um quer o feijão; o outro quer o sonho - percorrem todo o filme, mediados às vezes pela mãe, interpretada pela sempre fantástica Marcélia Cartaxo. É nessa família que o adolescente vive sua primeira paixão e sofre bulling dos amigos por ser um ajudante do pai na incômoda e fétida tarefa de limpar fossas.

E talvez esteja aí - na fossa - a melhor ideia de "Big Jato". Durante toda a história, há argumentos e discursos recorrentes sobre os excrementos, como a nos lembrar da merda de que somos feitos, da podridão e da finitude de que padecemos.

A comédia dramática "Big Jato" foi a grande vencedora do Festival de Brasília de 2015, conquistando os prêmios de Melhor Filme, Melhor Ator e Atriz, Melhor Trilha Sonora e Melhor Roteiro. Com 1h37 de duração está em exibição na sala 3 do Belas Artes, sessão de 16 horas, e no Cine 104, sessão das 17 horas. Classificação: 16 anos



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