19 dezembro 2020

“8 em Istambul” interliga diversidade de personagens, formando um mosaico psicológico e cultural

 Série turca dirigida por Berkun Oya é um primor de criatividade e um prato cheio para psicanalistas (Fotos: Netflix)

Mirtes Helena Scalioni


É tão envolvente, inteligente e instigante a série “8 em Istambul” (“Bir Baskadir”, nome original), em cartaz no Netflix, que se torna impossível desistir dela, por mais que, no “inicinho”, a história possa parecer lenta demais ou estranha demais. A começar pelos créditos da apresentação, repleto de nomes que parecem bizarros, com cedilha no “S”, trema no “O” ou til no “G”, característicos do idioma turco. Puro engano. 

Com roteiro criativo e edição bem amarrada, a trama que acaba ligando – ou seria interligando? – a vida de personagens diferentes, quase opostos, surpreende e fisga o espectador. O primeiro personagem apresentado é Meryem (Öykü Karayel), uma simplória e humilde faxineira. Ela trabalha na casa de Sinan (Alican Yücesoy), homem moderno, solteiro e, aparentemente mulherengo, que costuma receber mulheres em casa.



Para tentar se curar dos constantes desmaios que vem sofrendo, a jovem procura um hospital e é levada a uma psiquiatra, Peri (Defne Kayalar), que por sua vez, faz supervisão de casos com outra profissional da psicanálise, Gülbin (Tulin Özen).
 
O primeiro choque talvez seja cultural, embora dentro de uma mesma cidade. Enquanto a paciente é uma mulher muçulmana pobre e tradicional, com a cabeça sempre coberta, roupas típicas e fé inabalável em Alá, a médica é moderna, usa roupas ocidentais, faz ginástica e yoga numa academia, é fria e faz questão de manter uma distância profissional da sua cliente. 
 

A partir dessa relação, vão sendo puxadas outras tramas, que falam de preconceitos, violência, fé, submissão, traições, traumas, hipocrisia, segredos, família, costumes. É como se Istambul tivesse não dois – Ásia e Europa, como se vê nos catálogos turísticos - mas muitos lados. E cada um com suas idiossincrasias e justificativas.  Um verdadeiro quebra-cabeça, magistralmente dirigido por Berkun Oya. Um prato cheio para os psicanalistas.
 


Na medida em que os personagens vão entrando na história, mais encantado o espectador fica com a inteligente Meryem, que funciona como elo entre os demais. Além da psicanalista, ela contracena com o irmão irascível Yasin (Fatih Artman), com a cunhada deprimida Ruhlve (Funda Eryigit), com o rodja - líder espiritual da comunidade – Settar (Ali Sadi Hoca). Este, embora tradicionalíssimo, tem uma filha de hábitos modernos. 
 
E mais: quando chega em casa do trabalho, a diarista acompanha, pela televisão, com muito interesse, uma série de muito sucesso da qual faz parte a atriz Melisa (Nesrin Cavadzade) que, em algum momento, também passa a fazer parte da história. 
 


É como se Meryem puxasse o fio de um emaranhado novelo de linhas com cores, utilidades e texturas diferentes. E assim, de palavra em palavra, entre um chá e outro, os personagens e suas tramas são revelados. Quando se dá conta, o espectador nem se lembra mais da estranheza dos nomes, interessado em descobrir se o assistente do rodja, que se exibe falando de filosofia e de Jung, está mesmo interessado na moça.

Ao longo da série, também vão virando meros detalhes até a beleza das atrizes com seus olhos profundos e misteriosos, que tanta atenção chama no início, ou o som estranho das canções que, vez por outra, finalizam os episódios. O que fica, no final, é a constatação de que somos todos irremediavelmente humanos e incompletos.


 

 
Ficha técnica:
Direção e roteiro: Berkun Oya
Exibição: Netflix
Duração: 50 minutos em média (1ª temporada - 8 episódios)
Classificação: 16 anos
País: Turquia
Gêneros: Drama psicológico / série
 
 
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16 dezembro 2020

"Mulher-Maravilha 1984" é um filme de desejos, medos e seres humanos

 

Gal Gadot retorna a seu papel de super-heroína e entrega outra grande produção (Fotos: Clay Enos/ DC Comics)

Maristela Bretas


Patty Jenkins e Gal Gadot provam mais uma vez que duas mulheres inteligentes e engajadas fazem a diferença. "Mulher-Maravilha 1984" não é mais um filme de super-heroína, mesmo com toda a ação, efeitos visuais fantásticos, ótimas batalhas e grandes vilões. A famosa personagem que usa um maiô dourado, vermelho e azul entrega um filme que explora sentimentos, medos e, principalmente, desejos. Coisas comuns dos seres humanos, mas que agora atingem uma das maiores guerreiras de Themyscira.

A esperada produção apresenta um equilíbrio pouco visto nos demais personagens da DC Comics, com a Mulher-Maravilha novamente interpretada pela bela e carismática Gal Gadot, dividindo o espaço quase que em igualdade com seus dois arqui-inimigos: Mulher-Leopardo (Kristen Wiig) e Max Lord (Pedro Pascal). Difícil dizer quem está melhor. 
 

Não espere ver apenas lutas da heroína contra os excelentes vilões. O forte de todo o enredo é o desejo, para o bem ou para o mal, que move o ser humano. Diana Prince, mesmo sendo uma semideusa não escapa de sucumbir a seu mais profundo desejo - o de ter de volta seu grande amor, Steve Trevor (Chris Pine), morto na 1ª Grande Guerra ("Mulher-Maravilha”- 2017).

E é assim que os fãs vão poder ver o belo e apaixonado casal junto novamente. Mas como Superman, Trevor é a criptonita de Diana. O público vai conhecer também a mulher fragilizada e quase sem poderes, capaz de sangrar e de se ferir, mas nunca de deixar de amar seu piloto e a humanidade, por pior que ela seja.
 

Se uma guerreira não resiste a ter um desejo realizado, não seriam os pobres mortais como Bárbara Minerva (Kristen Wiig) e Maxwell Lord (Pedro Pascal) que ficariam ilesos. E tudo isso graças a uma misteriosa pedra do passado. E não só eles, mas todos que são expostos a ela. 
 
Wiig (de "Perdido em Marte" - 2015 e "Caça-Fantasmas" - 2016) arrasa na transformação de Bárbara, uma pesquisadora desleixada e quase invisível ao mundo numa poderosa e atraente mulher, mas sem sentimentos. Para depois se tornar a Mulher-Leopardo, com poderes semelhantes aos da Mulher Maravilha. Ela está demais, sem ser caricata.


Mas é em Pascal que estão concentradas todas as ações do filme e ele entrega um vilão excelente, sem ser caricato. O ator, conhecido por papéis em sucessos como as séries "Narcos" (2015 a 2017), da @Netflix, e "The Mandalorian", em exibição na @Disney+, interpreta o empresário de boa lábia, mas falido que se torna o homem mais poderoso do mundo. Ele muda comportamento e feições, sem alterar sua aparência ou usar fantasia, como acontece com muitos vilões dos quadrinhos. Seu mal é interior, faz parte da essência dos seres humanos - a ganância.
 


O filme traz de volta também duas grandes atrizes do primeiro filme - Robin Wright, como Antíope, e Connie Nielsen, a rainha Hippolyta, mãe de Diana. Apesar da participação apenas no início, elas representam os valores que vão guiar Diana por toda a sua vida e fazer a diferença na luta contra os inimigos. 
 

Mas e os efeitos visuais? Claro que estão bem presentes e como era esperado, excelentes e com muita destruição, mas sem matança e sangue jorrando. Uma característica da Mulher-Maravilha que, como ela mesma diz, não gosta de armas. O laço dourado é seu aliado contra os bandidos. Tudo se resolve com charme, um sorriso, uma piscada ou uma boa briga. Tem também perseguição com tanque, só para ficar diferente.


 
A ótima trilha sonora foi acertadamente entregue ao grande Hans Zimmer, responsável por sucessos como "Batman vs Superman - A Origem da Justiça" (2016), que conta também com a Mulher-Maravilha no elenco, "Dunkirk" (2017), "O Rei Leão" (2019) e outros inúmeros sucessos para o cinema. Não poderia ficar de fora a música tema.

 


Gal Gadot está mais madura, segura de seu papel como super-heroína e símbolo da força das mulheres. E encontrou em Jenkins, também roteirista do filme, a parceira ideal para apresentar esta personagem inspiradas nos quadrinhos da DC Comics. As duas também são produtoras do filme, juntamente com Zack e Deborah Snyder e Charles Roven.


"Mulher-Maravilha 1984", assim como a primeira, é outra grande produção e merece ser assistida no cinema, tomando as devidas medidas de segurança: use máscara durante toda a exibição e não esqueça o álcool gel antes e depois da sessão.
 


Ficha técnica:
Direção:
Patty Jenkins
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Duração: 2h30
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: Ação / Aventura /Fantasia
Nota: 5 (de 0 a 5)

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