09 novembro 2023

“Obrigado Rapazes” usa narrativa suave para falar de recomeço e redenção

Comédia foi uma das pré-selecionadas para representar a Itália na disputa do Oscar de Melhor Filme Internacional de 2024 (Fotos: Divulgação)


Silvana Monteiro


Oportunidades, recomeço, transformação, humanização, descoberta de talentos - tudo isso tendo como foco um ator e uma turma de prisioneiros. "Obrigado Rapazes" (“Grazie Ragazzi") é um filme com direção de Riccardo Milani, estrelando Antonio Albanese, Fabrizio Bentivoglio, Sonia Bergamasco e Giacomo Ferrara. Essa é uma versão do francês "Triomphe", do diretor Emmanuel Corcol, de 2021.

A obra integra a seleção do Festival de Cinema Italiano no Brasil, que começou nessa quarta-feira (8) e vai até o dia 9 de dezembro, com sessões presenciais e pelo streaming, disponíveis gratuitamente no site https://festivalcinemaitaliano.com/.


O remake italiano traz à tona a história de Antonio Cerami, um ator outrora renomado, agora com um trabalho de dublador de filmes “adultos”, que encontra a oportunidade de dar aulas. Entretanto, seus alunos são criminosos em cumprimento de pena. 

O convite recebido de um velho amigo é imediatamente preocupante e, sim, à beira da recusa. No entanto, seu amor pelo ofício de ator e seu encanto pela arte da atuação o fazem prosseguir nessa tarefa. Aqui, a máxima 'missão dada é missão cumprida' é de um êxito inigualável.

Com uma abordagem simples, o enredo mostra Antonio se esgueirando para fazer com que os detentos encenem "Esperando Godot", a famosa comédia de Samuel Beckett, escritor e dramaturgo irlandês ganhador do Nobel de 1969. 


À medida que se entregam à arte, esses criminosos vão se transformando em homens comuns que encontram uma saída para suas emoções, uma maneira de expressar suas angústias e esperanças. É uma história poderosa sobre como a expressão artística pode transcender as barreiras da prisão e tocar o coração humano.

O elenco, liderado por Antonio Albanese, entrega atuações excepcionais, com bastante profundidade e autenticidade. O filme equilibra habilmente o humor e a emoção, proporcionando momentos que arrancam risadas e lágrimas do público. 


A química entre os atores é intensa, tornando a trajetória dos personagens ainda mais envolvente. É importante destacar que Albanese dedicou a maior parte de sua carreira ao humor, porém nesta obra, ele entrega uma dramaticidade inigualável, com pitadas cômicas.

Com duração de 1h57, o filme mantém o público cativo do início ao fim, entregando uma narrativa que flui suavemente e uma direção que nos conduz, de certo modo um pouco previsível, pela jornada conflituosa dos personagens. 

A fotografia do filme é notável, com cenas que nos remetem, ora para dentro, ora para fora, tanto no que diz respeito aos espaços físicos quanto às emoções de cada personagem.


Os pontos altos do filme são os ensaios de vocalização, dicção e encenação que levam o professor a saber mais sobre as limitações e histórias de cada um e de como cada detento leva essa história tão a sério até repetir partes do roteiro entre as grades das minúsculas janelas das celas. 

Das cenas de ensaio, uma vai fisgar ainda mais o telespectador brasileiro por conter um elemento do figurino bem conhecido aqui e internacionalmente. E entre os "intérpretes amadores", para esta cronista que lhes escreve, o destaque vai para Damiano, interpretado pelo ator Andrea Lattanzia, e para as cenas em que ele tenta vencer o desafio de falar, e nem é para o público, falar para si mesmo.


A busca pelo local onde os rapazes irão se apresentar e o momento do espetáculo, entre a coxia e o palco, são outros ápices do filme que mostra a tensão e a ansiedade de Antônio em ver seus alunos na superação do medo e da timidez. Será que ele e os rapazes vão conseguir?

"Obrigado, Rapazes!" é um filme que merece ser visto e apreciado por sua mensagem edificante e sua execução simples, porém brilhante. Uma história de esperança e transformação que nos remete ao poder da arte como uma forma de expressão e como ferramenta para transformar pessoas e ressignificar vivências. É uma boa pedida para alimentar a esperança na humanidade.


Ficha técnica:
Direção:
Riccardo Milani
Produção: Vision Distribution Palomar e Wildside
Exibição: no site oficial do festival - https://festivalcinemaitaliano.com/
Duração: 1h57
Classificação: 12 anos
País: Itália
Gênero: comédia

07 novembro 2023

"A Última Vez que Fomos Crianças" para rir e chorar com o coração

Ítalo, Vanda e Cosimo saem numa divertida jornada pela estrada para resgatar o amigo Riccardo levado pelos nazistas (Fotos: Divulgação)


Maristela Bretas


Pensa em um filme sensível, sobre amizade sincera e fiel, amor proibido e primeiro amor. Tudo isso acontecendo em meio à 2ª Guerra Mundial, que não consegue tirar, na maior parte da trama a pureza da infância. Este é "A Última Vez que Fomos Crianças" ("L'ultima Volta Che Siamo Stati Bambini"), um dos longas inéditos que compõem a seleção do Festival de Cinema Italiano no Brasil, que começa hoje e vai até dia 9 de dezembro, com sessões presenciais e pelo streaming no site do evento, totalmente gratuitas.

O filme é lindo, prende a gente do início ao fim por ter uma história simples, divertida, envolvente e também triste. Ele se passa na Itália de Mussolini, forte apoiador do nazismo de Hitler, especialmente na caça aos judeus. Apesar disso, quatro crianças ainda conseguem transformar o conflito numa grande brincadeira de combate, sem terem consciência do que ele realmente representa.


Dirigido por Claudio Bisio, "A Última Vez que Fomos Crianças" nos apresenta quatro amigos - Ítalo (Vincenzo Sebastiani), forte defensor de Mussolini e Hitler que sonha ganhar uma medalha de herói como o irmão e ser reconhecido pelo pai; Cosimo (Alessio Di Domenicantonio), o mais novo, cujo pai foi morto por ser um anarquista contrário ao fascismo e que é criado pelo avô junto com o irmão, que ele chama de "Xixi na Cama" (Valerio Di Domenicantonio, irmão na vida real de Alessio); Riccardo (Lorenzo McGovern Zaini), um doce garoto judeu, que também quer lutar na guerra pela Itália e que logo conquista a amizade de todos, especialmente, Ítalo; e por fim, Vanda (Carlotta De Leonardis), a jovem órfã que quer ser enfermeira, vive no convento e aguarda ano a ano ser adotada.


Em meio a tiros de mentira, armas de madeira, estilingues e latas velhas, eles se divertem com sua própria guerra, com tiros sem mortos e um velho boneco de palha como vítima. Até mesmo os aviões que bombardeiam Roma são alvos para estes corajosos combatentes e seus "armamentos pesados". 

O que eles não contavam era com a caçada aos judeus e que isso chegaria a eles, ao perceberem que Riccardo um dia foi levado com sua família, sem explicações. 

Começa ai a grande aventura do trio de amigos que quer resgatar o quarto membro do grupo, levado pelos nazistas para a Alemanha. Ítalo, Cosimo e Vanda se descobrem e vão amadurecendo aos poucos durante a jornada. Apesar de o período em que se passa a história - 1943 - trazer ingredientes bem negativos, a inocência das crianças consegue driblar o lado ruim em nome da amizade e do respeito. 


"Meninos são fortes, meninas são fracas e servem só para fazer filhos para o 'Duce' e cuidar da casa", "judeu é o inimigo e merece ser morto", "mulher que deita com soldado fica mal-falada". Frases como essas são ditas ao longo do roteiro, mas a relação dos três amigos vai provando o contrário, de uma maneira leve, divertida e mostrando que as garotas do filme são mais espertas e práticas.

"A Última Vez que Fomos Crianças" lembra outras produções, como "Conta Comigo" (1986), que também trata de amizade sincera e da relação de quatro amigos adolescentes durante uma jornada de descobertas e amadurecimento.


Como era de se esperar, as crianças "fujonas" passam a ser procuradas pela freira Irmã Agnese (Marianna Fontana), que considera Vanda como uma filha, e pelo irmão herói de Ítalo, capitão Vitório Barocci (Federico Cesari). Também estes dois jovens vão viver experiências durante a busca que podem abalar a fé da primeira em Deus e do segundo no que aprendeu no Exército.

Não espere bombas explodindo o tempo todo. Há momentos tensos, claro, afinal a história se passa durante a guerra. Porém, um certo gordinho cheio de marra, que se acha comandante de tropa, mas que é manipulado pela esperta órfã, muda todo o panorama quando aparece e é o destaque do filme. Ítalo é divertido, brigão, pirracento, mas de um coração enorme. 


Para completar toda esta história, nada como um cenário da bela Itália. As gravações foram feitas em Roma e em Siena, na região da Toscana. Na parte técnica, nota dez para o figurino, com uma ótima reprodução de época. 

A fotografia passeia entre o preto e branco das imagens de guerra e as cores mais neutras, que não contrastam com o ambiente cinzento dos uniformes e tanques. 

Mas o que seria de uma produção como essa sem a trilha sonora perfeita. A música original é de Pivio e Aldo de Scarzzi, com destaque para a emocionante "La Storia", interpretada por Francesco de Gregori, que finaliza a história, levando o espectador às lágrimas. 

"A Última Vez que Fomos Crianças" tem uma mensagem linda de amizade e lealdade, que vale pra vida toda. Imperdível. Confira a sessão no Festival de Cinema Italiano no Brasil, disponível gratuitamente no site


Ficha técnica:
Direção: Claudio Bisio
Produção: Solea, Bartleby Film, Medusa Film, com colaboração da Prime Video
Exibição: no site oficial do festival - https://festivalcinemaitaliano.com/
Duração: 1h30
Classificação: 12 anos
Países: Itália e França
Gênero: comédia