14 fevereiro 2021

“O Tigre Branco” faz o elogio da malandragem como arma para driblar a injustiça social

Longa indiano acaba de chegar à Netflix com muito sucesso, abordando a luta de classes (Fotos: Netflix)


Mirtes Helena Scalioni


A desigualdade é gritante. Enquanto uns poucos se esbaldam em carrões, mansões e fartura, a maioria vive a miséria das ruas e a fome. Frequentemente, empresários bem-sucedidos entregam malas de dinheiro a políticos corruptos, num círculo perverso de troca de favores para manutenção das diferenças.

Nas periferias, os miseráveis que mal têm o que comer, são subjugados e, submetidos à violência, obrigados a pagar propinas a milicianos. Raramente, os políticos aparecem nos bairros pobres. A não ser, claro, nas vésperas das eleições, com discursos e promessas de melhorias que nunca acontecem. Eis aí um ambiente propício para o surgimento de figuras de ética duvidosa, que mentem, trapaceiam e não medem escrúpulos para vencer na vida.


Ao contrário do que parece, não se trata do Brasil. Pelo menos neste caso, o país em questão é a Índia, onde se passa “O Tigre Branco” ("The White Tiger"), contundente e festejado filme de Ramin Bahrani, americano de origem iraniana, cuja obra tem sido comparada ao premiado “Parasitas”. O longa acaba de chegar à Netflix com muito sucesso e tem, no cerne da história, a luta de classes possível numa situação em que os ricos já começam a disputa com milhões de pontos à frente dos pobres.


Baseado no livro homônimo do escritor indiano Aravind Adiga, o filme conta a trajetória de Balram Hawai (Adarsh Gourav), da infância em uma vila paupérrima da Índia, até chegar a empreendedor de sucesso em Bangalore, cidade de mais de 8 milhões de habitantes que é o centro tecnológico do país. Por mérito próprio, inteligência, sorte e malandragem, o menino pobre que vence na vida é comparado a um tigre branco, maravilha raríssima da natureza que só aparece no mundo a cada 20 anos.


A vida de Balram começa a mudar quando ele vai para a capital Deli para se tornar motorista de Ashok (Rajkummar Rao), filho de um empresário milionário e, claro, corrupto. Inteligente e convenientemente submisso, o empregado escuta segredos e aprende artimanhas enquanto conduz o patrãozinho e sua bela mulher Pink (Priyanka Chopra Jonas) pela cidade e estradas da Índia. O casal se apresenta como civilizadamente ocidentalizado, mas, quando convém, topa ser tradicional e seguir as regras da família.


Pode-se dizer, sem medo de errar, que o sucesso de “O Tigre Branco” vai além de uma boa história bem construída, roteirizada, filmada, editada e dirigida. As atuações são perfeitas e convincentes, principalmente a do protagonista. Impressiona a interpretação de Adarsh Gourav, excepcional em seu primeiro papel principal. Há momentos em que o espectador fica em dúvida: ele está sendo sincero?

Narrador em off da própria trajetória, recurso que nem sempre agrada, aqui a narração, os flashbacks e os comentários só enriquecem o filme, até porque a linguagem transita entre o sarcasmo, a sinceridade, a esperteza e a bem-vinda reflexão sobre a ética, seus limites e universalidade.

 
O final, meio brusco, não compromete “O Tigre Branco”, que constrói ao longo da história uma interessante metáfora com países como a Índia (e o Brasil): uma granja onde centenas de galos e galinhas estão engaiolados à espera de serem abatidos. As aves assistem diariamente a morte de seus iguais e, a não ser que consigam fugir, estão irremediavelmente condenadas como todos os que ali vivem.
 

 
Ficha técnica:
Direção: Ramin Bahrani
Exibição: Netflix
Duração: 2h07
Classificação: 16 anos
País: Índia / EUA
Gêneros: Drama / Policial

10 fevereiro 2021

"Minha Irmã" é comovente, sensível e com interpretações arrebatadoras

Produção foi um dos destaques da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (Fotos: Afonso Fucci/A2Filmes)

Maristela Bretas

 
Exibido no Festival de Berlim de 2020, "Minha Irmã" ("My Little Sister" ou "Schwesterlein") entrega um roteiro sensível, que emociona e faz refletir sobre expectativas de vida, realizações e relações familiares. Com direção e roteiro de Stéphanie Chuat e Véronique Reymond, a produção também foi um dos destaques da programação da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Apesar de não ter entrado na pré-lista de Melhor Filme Estrangeiro do Oscar 2021, este representante da Suíça merece concorrer a uma vaga.
 

O grande destaque está nas excelentes interpretações de Nina Hoss, como Lisa, e Lars Eidinger, como o irmão dela, Sven. Somados às atuações está a bela trilha sonora, composta por Christian Garcia, que conduz o drama como uma peça teatral. O longa tem como fundo os Alpes suíços, que oferecem uma atração à parte. A direção de fotografia soube explorar bem a luz, seja durante uma caminhada pela praça, dentro de um táxi ou no voo de asa delta.
 
 
O filme aborda a forte relação entre dois irmãos gêmeos, que chega a ser de dependência mútua, apesar de ambos terem seguido suas vidas em países diferentes. Lisa, uma mulher casada, desistiu de suas ambições como dramaturga em Berlim e se mudou para a Suíça com os dois filhos e o marido, que dirige uma escola internacional. Já Sven é a estrela do teatro Schaubühne, em Berlim. Até que ele adoece com leucemia e Lisa retorna à Alemanha para acompanhá-lo no tratamento.
 
 
A chegada da irmã dá forças a Sven para retomar a carreira, mas a doença se agrava e a relação dele com a mãe, sem esperanças quanto a uma cura, não ajuda muito. Lisa resolve levá-lo para a Suíça para esperar novos tratamentos e tentar, com o convívio com sua família, melhorar o emocional do irmão. Mas essa situação colocará em xeque seu casamento e a fará repensar sua vida conjugal e a carreira abandonada.


"Minha Irmã" é um filme que vale a pena ser visto. Até poucos dias atrás ele estava em exibição em várias salas de cinema pelo pais, inclusive em BH. Agora está disponível no formato digital, pelas plataformas de streaming Now, Google Play, Looke, Vivo Play, Microsoft Movies e Apple TV.
 


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Stéphanie Chuat, Véronique Reymond
Distribuição: A2 Filmes
Duração: 1h39
Países: Alemanha / Suíça
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Nota: 4