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24 novembro 2025

"Caçador de Marajás" resgata com graça e leveza a ascensão e queda de um presidente super-homem

Minissérie sobre Fernando Collor de Mello expõe disputas familiares, sexo, traições, poder, ciúmes, drogas, mentiras e muito dinheiro (Fotos: Globoplay)
 
 

Mirtes Helena Scalioni

 
Em um certo momento da minissérie "Caçador de Marajás", em cartaz no Globoplay, o conhecido escritor Eduardo Bueno, o Peninha, dispara: "Dessa vez, o roteirista carregou a mão. São dois irmãos poderosos brigando publicamente, sendo um deles o presidente do Brasil, enquanto a mãe agoniza num hospital, vítima de um AVC". E Bueno tem razão. 

Ex-repórter do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, ele foi um dos jornalistas que acompanharam de perto a ascensão e queda de Fernando Collor de Mello e, como todos, concorda que a vida do ex-presidente tem tintas de ficção, com todos os ingredientes que não podem faltar numa produção assim: disputas familiares, inveja, sexo, traições, poder, ciúmes, drogas, mentiras, mulher bonita e dinheiro - muito dinheiro. 


Além de Eduardo Bueno, a nata da crônica política da época está presente no documentário dirigido por Charly Braun, que assina o roteiro com Bruno Passeri, Guilherme Schwartsman e Miguel Antunes Ramos. 

Estão lá os grandes medalhões do jornalismo daquele tempo como Mônica Waldvogel, Mário Sérgio Conti, Dora Kramer, Joyce Pascowitch, Ali Kamel, Bob Fernandes, Eduardo Oinegue, Boris Casoy e o folclórico Sebastião Nery, entre outros. 

Também comparecem os amigos do ex-presidente como Luiz Estevão e Leleco Barbosa, o filho do Chacrinha, e até um desconhecido Stephany, o cabeleireiro de dona Leda.  


A forma leve - quase divertida - como a trajetória de Fernando Collor é contada faz com que o espectador reaja como se estivesse assistindo a uma série como "Succession", "Dallas" ou qualquer outra sobre disputa de poder. 

Numa sacada genial, os depoimentos das personalidades envolvidas e dos entrevistados são intercalados com pequenas incursões do debochado "Casseta e Planeta", grande sucesso daquele tempo. 

Sem falar de uma oportuníssima trilha sonora e de falas proféticas de uma ialorixá alagoana chamada Mãe Mirian. Para incrementar, informações de bastidores insinuam que o homem, embora bonito, chique e poliglota, era chegado sim em sessões de bruxaria com direito a sacrifícios de animais na famosa Casa da Dinda. 


O distanciamento é um ingrediente que agrega valor ao longa "Caçador de Marajás", que conta com detalhes como um desconhecido playboy alagoano se transforma em um forte candidato à Presidência da República em 1989, na primeira eleição por voto direto no Brasil depois do fim da ditadura. 

Estão lá a relação conflituosa com o irmão Pedro desde sempre, a união com a ricaça socialite Lilibeth Monteiro de Carvalho, a separação, o casamento com a quase debutante Rosane, a chegada de P.C Farias no esquema como tesoureiro de campanha, a correria desenfreada por todo o país a bordo de jatinhos ou helicópteros, a disputa com Lula e o famoso debate que o fez vencer as eleições. 


Parênteses para contar que a Rede Globo reconhece, hoje, que fez sim uma edição marota do confronto dele com o metalúrgico na noite anterior. 

Depois vieram as reformas e festas nababescas na Casa da Dinda, as mensagens das camisetas, os passeios de jet-ski, as corridas dominicais e, claro, o inesquecível e desastroso Plano Collor, que apresentou ao Brasil uma confusa economista chamada Zélia Cardoso de Mello, que confiscou a grana de todo brasileiro que tivesse no banco mais de 50 "dinheiros". 

Tinha também Cláudia Raia e Alexandre Frota, o casal que vestiu a camisa do candidato do PRN defendendo a ideia de que "ele não rouba porque já é rico e bem-nascido e não precisa do dinheiro do povo". E o ministério de notáveis - quem se lembra?


Como é que o Brasil foi cair nessa? - é o que se pergunta o espectador da série quando a máscara do presidente super-homem começa a cair assim que o país acorda com a entrevista bomba de Pedro Collor à revista Veja, uma das publicações mais respeitadas e confiáveis de então. 

A imprensa, aliás, é quase onipresença no documentário, com jornalistas contando como chegavam aos fatos, como investigavam às vezes mais do que a polícia, a concorrência em busca de furos, as vaidades. Na ocasião, Veja e Isto é disputavam a preferência dos leitores ditos esclarecidos.


Mesmo sabendo o final dessa história, vale muito a pena assistir ao documentário, nem que seja para recordar - sem saudade - que o nosso presidente foi o primeiro da América Latina a sofrer impeachment e que, aparentemente, nem se abalou com isso. 

Ou lembrar - com saudade - que a juventude foi às ruas vestida de preto para derrubar o homem que pedia dramático: "Não me deixem só". 

Vale até pipoca para maratonar os sete episódios e conhecer a desenvoltura da bela Maria Tereza, mulher de Pedro e, portanto, cunhada de Fernando, que rasga o verbo sem cerimônia em seus depoimentos. E também para relembrar que, no frigir dos ovos, o presidente acabou caindo por causa da compra de um inocente carro chamado Fiat Elba. 


Ficha técnica:
Direção: Charly Braun
Roteiro: Charly Braun, Bruno Passeri, Guilherme Schwartsmann, Miguel Antunes Ramos
Produção: Boutique Filmes e Waking Up Films
Distribuição: Globoplay
Exibição: Globoplay
Duração: 1ª temporada - 7 episódios - média de 60 minutos por episódio
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gêneros: série, documentário, política, história, biografia

14 fevereiro 2021

“O Tigre Branco” faz o elogio da malandragem como arma para driblar a injustiça social

Longa indiano acaba de chegar à Netflix com muito sucesso, abordando a luta de classes (Fotos: Netflix)


Mirtes Helena Scalioni


A desigualdade é gritante. Enquanto uns poucos se esbaldam em carrões, mansões e fartura, a maioria vive a miséria das ruas e a fome. Frequentemente, empresários bem-sucedidos entregam malas de dinheiro a políticos corruptos, num círculo perverso de troca de favores para manutenção das diferenças.

Nas periferias, os miseráveis que mal têm o que comer, são subjugados e, submetidos à violência, obrigados a pagar propinas a milicianos. Raramente, os políticos aparecem nos bairros pobres. A não ser, claro, nas vésperas das eleições, com discursos e promessas de melhorias que nunca acontecem. Eis aí um ambiente propício para o surgimento de figuras de ética duvidosa, que mentem, trapaceiam e não medem escrúpulos para vencer na vida.


Ao contrário do que parece, não se trata do Brasil. Pelo menos neste caso, o país em questão é a Índia, onde se passa “O Tigre Branco” ("The White Tiger"), contundente e festejado filme de Ramin Bahrani, americano de origem iraniana, cuja obra tem sido comparada ao premiado “Parasitas”. O longa acaba de chegar à Netflix com muito sucesso e tem, no cerne da história, a luta de classes possível numa situação em que os ricos já começam a disputa com milhões de pontos à frente dos pobres.


Baseado no livro homônimo do escritor indiano Aravind Adiga, o filme conta a trajetória de Balram Hawai (Adarsh Gourav), da infância em uma vila paupérrima da Índia, até chegar a empreendedor de sucesso em Bangalore, cidade de mais de 8 milhões de habitantes que é o centro tecnológico do país. Por mérito próprio, inteligência, sorte e malandragem, o menino pobre que vence na vida é comparado a um tigre branco, maravilha raríssima da natureza que só aparece no mundo a cada 20 anos.


A vida de Balram começa a mudar quando ele vai para a capital Deli para se tornar motorista de Ashok (Rajkummar Rao), filho de um empresário milionário e, claro, corrupto. Inteligente e convenientemente submisso, o empregado escuta segredos e aprende artimanhas enquanto conduz o patrãozinho e sua bela mulher Pink (Priyanka Chopra Jonas) pela cidade e estradas da Índia. O casal se apresenta como civilizadamente ocidentalizado, mas, quando convém, topa ser tradicional e seguir as regras da família.


Pode-se dizer, sem medo de errar, que o sucesso de “O Tigre Branco” vai além de uma boa história bem construída, roteirizada, filmada, editada e dirigida. As atuações são perfeitas e convincentes, principalmente a do protagonista. Impressiona a interpretação de Adarsh Gourav, excepcional em seu primeiro papel principal. Há momentos em que o espectador fica em dúvida: ele está sendo sincero?

Narrador em off da própria trajetória, recurso que nem sempre agrada, aqui a narração, os flashbacks e os comentários só enriquecem o filme, até porque a linguagem transita entre o sarcasmo, a sinceridade, a esperteza e a bem-vinda reflexão sobre a ética, seus limites e universalidade.

 
O final, meio brusco, não compromete “O Tigre Branco”, que constrói ao longo da história uma interessante metáfora com países como a Índia (e o Brasil): uma granja onde centenas de galos e galinhas estão engaiolados à espera de serem abatidos. As aves assistem diariamente a morte de seus iguais e, a não ser que consigam fugir, estão irremediavelmente condenadas como todos os que ali vivem.
 

 
Ficha técnica:
Direção: Ramin Bahrani
Exibição: Netflix
Duração: 2h07
Classificação: 16 anos
País: Índia / EUA
Gêneros: Drama / Policial