Mostrando postagens com marcador #PandoraFilmes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador #PandoraFilmes. Mostrar todas as postagens

22 novembro 2022

"Meu Filho é um Craque" e o peso de uma mentira do bem

Comédia francesa reúne Maleaume Paquin e François Damiens interpretando pai e filho (Fotos: Pandora Filmes)


Maristela Bretas


Emocionante comédia francesa, "Meu Filho é um Craque" ("Fourmi") explora, de forma lúdica, as expectativas, sonhos, frustrações e, acima de tudo, a relação nem sempre tranquila, mas importante e indispensável entre pais e filhos. A comédia francesa é baseada na obra "Dream Team", de Mario Torrecillas e Arthur Laperla, e estreia nesta quinta-feira (24) nos cinemas.


O pano de fundo é o futebol e a estreia da produção não é uma simples coincidência com a Copa do Mundo, apesar de ter sido feita em 2019. Se a paixão por este esporte é mundial, ela não é menor na França, onde se passa a história. No entanto, o time escolhido para ser o objeto de desejo de um pai e de moradores de um vilarejo francês é, ironicamente, uma equipe inglesa, o Arsenal.


É em cima dessa ligação com o futebol que esta comédia dramática se desenrola, numa fase de amadurecimento e descobertas do protagonista Theo (Maleaume Paquin), um adolescente de 12 anos. 

E seu difícil pai, Laurent (François Damiens), um homem que se desiludiu com a vida, vive bêbado e causando constrangimento ao filho cada vez que aparece em seus jogos pelo time da cidade.


Theo, é um craque, como está no título, e se destaca no time, para orgulho do treinador Claude (André Dussollier) e do pai, que normalmente está alcoolizado quando comparece às partidas, criando confusão e brigas. Laurent enfrenta uma fase difícil na vida desde que perdeu o emprego e se divorciou da mãe de Theo.

Mas o amor do garoto pelo pai é maior e o leva a perdoá-lo todas as vezes. Há uma inversão de papéis nesta fase, onde Theo se torna pai para tentar cuidar de Laurent. E é nesse contexto que surge uma situação onde uma simples mentira pode representar uma grande mudança na vida de todos da comunidade.


Theo conta ao pai que foi chamado para treinar no Arsenal, mas que precisa de um adulto para acompanhá-lo. A partir daí, Laurent decide dar uma guinada em sua vida para tornar-se digno do filho e das autoridades.

E como mentira puxa mentira, apenas dois amigos do adolescente estão dispostos a ajudá-lo a sustentar a história criada, criando situações bem engraçadas. Outras pessoas também se empolgam com a notícia, inclusive o treinador Claude, que sempre foi um incentivador de Théo e amigo do pai dele.


A cada dia, pai e filho ficam mais próximos, mesmo contra a vontade da mãe, Chloé (papel de Ludivine Sagnier), que não concorda com o comportamento destrutivo do ex-marido. Outra que não acredita na mudança de Laurent é Romane (Cassiopée Mayance), amiga de Theo, que insiste em chamá-lo de Fourmi (formiga) por causa de sue tamanho. 

Mas a dupla vai contar com a ajuda da assistente social Sarah (Laetitia Dosch) que acompanha a família e acredita que o pai tem jeito.


O roteiro de "Meu Filho é um Craque" é bem simples, sem muitas invenções. O único efeito especial é a emoção que provoca no público. É daquelas histórias que pode acontecer em qualquer família e que envolvem relação, carinho, afeto, brigas (claro!), admiração, respeito e reconhecimento. 


Destaque para a sintonia entre os atores Maleaume Paquin e François Damiens, um acerto muito bom na escolha feita pelo diretor Julien Rappeneau. 

Isso ajudou a dar mais emoção a essa comédia dramática. Indico para ser assistida em família. As questões abordadas na trama podem ajudar pais e filhos a se entenderem melhor, buscarem o diálogo e passarem mais tempo juntos. 


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Julien Rappeneau
Produção: TF1 Studio, France 2 Cinema, Scope Pictures, The Film
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h35
Classificação: 12 anos
País: França
Gêneros: comédia, drama

11 outubro 2022

Oportuno, “Contatado” fala do perigoso poder das seitas e dos falsos profetas

Filme coloca em discussão a vaidade e a carência humana pelo sagrado (Fotos: Pandora Filmes)


Mirtes Helena Scalioni


Em tempos de endeusamento de mitos nem sempre confiáveis, o longa peruano “Contatado” pode servir de alerta. Dirigido por Marité Ugas, o filme, que entra em cartaz nesta quinta-feira (13), aborda a história de Aldo (Baldomero Cáceres), professor aposentado que, incentivado por um jovem seguidor, tenta retomar a vida de 20 anos atrás, quando liderava uma seita tão esdrúxula quanto inverossímil que misturava terremotos, portais energéticos submarinos e seres extraterrestres.


Lento e misterioso como convém a um filme dessa natureza, esse terceiro trabalho da peruana Ugas (“O Garoto Que Mente” - 2011 e “Pelo Malo” - 2013) parece colocar em discussão a carência humana pelo sagrado e o perigo que podem representar os falsos profetas e salvadores. 

Ao ser abordado insistentemente pelo ex-seguidor Gabriel (Miguel Dávalos), Aldo é seduzido a retomar seu papel de Aldemar, guru que comandava rituais na praia e vendia muitos livros e fitas de vídeos de suas pregações.


As intenções do jovem Gabriel ao se tornar uma espécie de assistente de Aldemar/Aldo não chegam a ficar claras e a dúvida, no final das contas, acaba por enriquecer o filme. 

As atuações também são valiosas, tanto dos dois diretamente ligados à seita quanto das mulheres que gravitam em torno da vida medíocre do aposentado, papéis feitos pelas atrizes Samantha Castillo, Lita Sousa e Solange Tavares.


Há momentos em que o filme chega a exagerar nas lendas e crendices, como se a diretora quisesse falar do poder das palavras e dos rituais, por mais estranhos que eles possam parecer. 

Quando Gabriel tenta convencer Aldo a retomar as pregações, ele conta que seu pai, antigo seguidor do guru, não está morto como todos pensam. Ele simplesmente teria atravessado um portal para outras dimensões durante um terremoto. Mais bizarro impossível.


Além do perigo dos falsos profetas e seitas, “Contatado” parece discutir também sobre a vaidade humana. Será possível resistir ao poder e ao dinheiro, quando os crédulos depositam total confiança nas ideias que você prega?


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Marité Ugas
Produção: Sudaca Filmes (Venezuela); Klaxon Cultura Audiovisual/ Madremídia Producciones, Paula Cosenza (Brasil); Dag Hoel Films (Noruega); Makaco VFX- Diego Velásquez/ Artefactos Films (Peru)
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h33
Classificação: 14 anos
Países: coprodução entre Brasil, Noruega, Peru e Venezuela
Gênero: drama

08 agosto 2022

"Carvão", de Carolina Markowicz, terá première mundial no Festival de Cinema de Toronto

Filme brasileiro foi roteirizado e dirigido pela premiada curta-metragista e é seu primeiro longa (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Da Redação


A premiada curta-metragista Carolina Markowicz exibirá seu primeiro longa, "Carvão", na principal mostra do Festival Internacional de Cinema Toronto, no Canadá, que acontece entre 8 e 18 de setembro. O filme terá sua première mundial num dos eventos cinematográficos mais importantes do mundo. 

A exibição na Competição Oficial – Platform marca a volta da cineasta ao importante festival, no qual já exibiu três curtas: “O Órfão” (2018), “Namoro à Distância” (2017) e “Edifício Tatuapé Mahal” (2014). Além disso, ela também participou do TIFF Filmmaker Lab, em 2015. A previsão de estreia nos cinemas pela Pandora Filmes é para o primeiro trimestre de 2023.


Protagonizado por Maeve Jinkings, traz também no elenco Romulo Braga, Camila Márdila, Aline Marta, Jean Costa, Pedro Wagner e o argentino César Bordón (“Relatos Selvagens” - 2014), o longa conta a história de Irene (Maeve) que, com seu marido, Jairo (Romulo Braga), tem uma pequena carvoaria no quintal de casa. Eles têm um filho pequeno, Jean (Jean Costa), e o pai dela não sai mais da cama, não fala, não ouve. 

A família recebe uma proposta rentosa, mas também perigosa: hospedar um desconhecido em sua casa, numa pequena cidade no interior. Antes mesmo da chegada dele, no entanto, arranjos precisarão ser feitos, e a vida em família começa a se transformar – nem sempre para melhor. Porém, nenhum dos familiares, e muito menos o próprio hóspede, vê suas expectativas cumpridas.


O filme foi rodado em Joanópolis, interior de São Paulo, uma cidade próxima à qual a diretora cresceu e conhece bem o ambiente rural e retrógrado. “Lá, vivenciei tudo o que uma pequena cidade conservadora pode oferecer: pessoas cuidando da vida umas das outras, famílias unidas pelo fato de que “a família deve ficar unida”, casamentos onde os casais quase se odiavam (mas como é vergonhoso ser solteiro, vamos manter o status quo!). E claro: você pode ser um assassino, mas por favor não seja gay.”

Carolina passou a prestar atenção nesse mundo ao seu redor, notando coisas que acabou trazendo para o filme. “Esse ambiente bucólico, mas ao mesmo tempo agitado, fez de mim uma observadora da natureza humana no seu melhor e no seu pior. E também uma admiradora de um senso de humor áspero, áspero e ácido, capaz de retratar todos os maiores desastres humanos e idiossincrasias de uma maneira bastante estranha.”


Ela também assina o roteiro de "Carvão" e conta que o desejo de fazer o filme veio da angústia de ver o Brasil cada dia mais imune aos absurdos. “Ouvimos nosso presidente dizer que preferiria ter um filho morto a um filho gay. Ouvimos o executivo da maior seguradora de saúde dizer que foram orientados por seus CEOs a deixar as pessoas morrerem durante a pandemia porque ‘morte é alta hospitalar’.” 

O longa surge da tentativa da diretora de “entender como a violência, religião e hipocrisia tomaram conta de nossas vidas e corpos de uma forma que nem percebemos mais. O filme é um retrato ácido de um Brasil onde impera a naturalização do absurdo".


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Carolina Markowicz
Produtora: Zita Carvalhosa
Distribuição: Pandora Filmes
Previsão de estreia: primeiro trimestre de 2023
País: Brasil

16 julho 2022

"Garota Inflamável" não passa de um filme monótono

Jovem vive uma vida de ostracismo e incêndios provocados para chamar atenção (Fotos: Francesco di Giacomo /Filmproduktion)


Marcos Tadeu
Narrativa cinematográfica 


Poucos filmes entram na minha classificação de ruim e “Garota Inflamável” ("Stillstehen") está fácil nessa categoria. O longa dirigido e roteirizado por Elisa Mishto chegou ao cinema sem muito alarde, com exibição restrita a poucas salas especiais de algumas cidades.

Na história conhecemos Julie (Natalia Belitski), uma jovem perspicaz e mimada que tem seu próprio manifesto: não fazer nada. A protagonista é solitária, não trabalha, não estuda e nem tem amigos. Perdeu o pai vítima de um infarto e a mãe se suicidou. Após essas tragédias, ela, na maior parte do roteiro, não faz mais NADA a não ser atear fogo nas coisas para chamar atenção. 


Como na primeira cena em que ela se envolve com um cara no supermercado e depois incendeia o carro dele e justifica que “o carro mereceu”. Em seguida, liga para a clínica psiquiátrica porque sabe que precisa se tratar.

O fato de a protagonista não fazer nada é justificado por ela com a desculpa de que o trabalho é um meio para um fim, de forma para que as pessoas possam ser recompensadas. É quase uma crítica ao capitalismo, e que ela não se encaixa nessa vida. 

Acho, no entanto, que a questão é que Julie não sabe o que fazer após uma perda; Ela quer ter um sentido para sua vida, um propósito maior e como não consegue, acaba se tornando uma personagem apática e violenta.


Do outro lado temos Agnes (Luisa-Céline Gaffron) que tem um grande problema: ela não consegue amar a própria filha de 3 anos, sendo que seu sonho era ser mãe. 

A enfermeira então começa a se envolver e se encantar pela forma como Julie faz seu protesto. Agnes aqui tem um papel fundamental na narrativa: tentar decifrar Julie. Só que até isso é colocado de forma complicada para o público.


A relação de Agnes e Julie tenta ser um romance LGBTQIA+ mas acho que, da forma como a história foi desenvolvida, soou como se quisessem acabar logo com o filme. Poderia ter sido dado mais tempo para desenvolver a relação das duas. Tornou-se uma experiência cansativa. 

A enfermeira afirma várias vezes que Julie não é doente e sabe muito bem o que quer. O curioso é que, sempre que a jovem tem uma brecha, coloca fogo em sua antiga casa, em uma colega da clínica ou em si própria, como uma necessidade de chamar atenção. “Garota Inflamável” até tenta ser denso, mas cai na esfera de ser um filme raso como um pires, fraco em todos os sentidos.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Elisa Mishto
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h31
Classificação: 16 anos
Países: Alemanha e Itália
Gênero: drama

15 junho 2022

“Um Broto Legal” não explica por que um estúpido cupido pode mais do que uma carreira promissora

Marianna Alexandre e Murilo Armacollo estão bem como Celly e o irmão Tony Campello (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Não é preciso ir muito longe para chegar à conclusão de que o diretor Luiz Alberto Pereira tem fortes ligações com a sua cidade, Taubaté, no interior de São Paulo. Afinal, “Um Broto Legal” sobre a trajetória de Celly Campello, que entra em cartaz nesta quinta-feira (16), é o segundo filme dele sobre celebridades da sua terra. 

O outro, de 2006, é “Tapete Vermelho”, belo tributo ao ator Mazzaropi, que lotava as salas de cinema nas décadas de 1950 e 1960, com atuação antológica de Matheus Nachtergaele como o caipira que queria, a qualquer custo, apresentar o comediante ao filho adolescente.


Mas, se em "Tapete Vermelho", Luiz Alberto foi brilhante e criativo, inventando uma história na qual Mazzaropi era apenas um alvo a ser alcançado por uma família interiorana, em “Um Broto Legal”, ele e o roteirista Dimas Oliveira Júnior parecem ter optado pelo óbvio. A trajetória da taubateana Célia Benelli Campello é mostrada de forma quase burocrática, sem charme, sem brilho, sem dramas.

Quem acompanhou a época, ou já se interessou pela música daquele tempo (final dos anos 50 e início dos 60), sabe que o rock brasileiro passou a existir a partir de versões de sucessos de conjuntos e cantores americanos. E que Celly Campello foi a primeira mulher pop star do rock’n’roll nacional. Até então, quem dominava as rádios eram os boleros e sambas-canções entoados pelos vozeirões de  Ângela Maria, Nora Ney e afins. 

Celly e Tony Campello (Divulgação)

Foi um arraso quando aquela menina apareceu cantando “Estúpido Cupido”, “Banho de Lua” e “Broto Legal”. Há quem diga que, antes de Celly Campello e seus rocks, a juventude brasileira não existia. Portanto, até pelo pioneirismo, a meiga e delicada cantora de voz pequena e afinada talvez merecesse um filme mais arrojado, por mais que sua trajetória pareça singela e linear. 

Com atores praticamente desconhecidos e roteiro previsível, o que fica no final é uma espécie de obrigação cumprida, uma cinebiografia morna. Não se pode dizer que o elenco é fraco. Nada disso. São muito gracinhas a novata Marianna Alexandre como Celly e Murilo Armacollo como Tony Campello. Corretos estão também o casal que interpreta os pais dos dois artistas - Paulo Goulart Filho e Martha Meola, como o sim e o não - sem falar de Danilo Franccesco, como Eduardo, o namorado da estrela. 


Há que se elogiar ainda o esforço da equipe para recriar cenários de um tempo em que não havia vídeos, apenas fotos. Celly morreu em 2003, mas o filme conta com uma consultoria muito especial: o irmão mais velho Tony, que, aos 85 anos, se envolveu com o projeto e partilhou várias histórias que serviram de base no roteiro, além de fotografias, discos, prêmios dela e dele, que acabaram sendo alguns dos objetos utilizados no filme. 


Uma curiosidade: o roteirista Dimas Oliveira Júnior lançou em 2012 o documentário longa-metragem "Celly e Tony Campello - Os Brotos Legais" com entrevistas de Renato Teixeira; Agnaldo Rayol, que era amigo da família; depoimentos do irmão Tony e de Wanderléia falando sobre a influência da cantora, precursora do rock no Brasil, na geração dela e na Jovem Guarda; e uma entrevista com Celly feita em 1999 (ela morreria de câncer em 2003). Este filme está em exibição no Canal Brasil (confira o canal em sua operadora), com reprises nos dias 18 e 24 de junho e 1º de julho.

Pôster do documentário (Divulgação)

Pode até ser que fãs mais ardorosos reconheçam, no longa, o retrato fiel da mocinha certinha, careta e apaixonada que se recusou a ser estrela. O roteiro, portanto, justificaria a vida previsível e sem arroubos da artista. Pode ser. Mas como cinema é arte, não custava dourar a pílula, salpicar purpurina, dramatizar, priorizar conflitos, enfatizar dificuldades, analisar e, principalmente, jogar luz e discutir, de alguma forma, a distância entre talento e vocação. 

Ninguém pergunta, por exemplo, por que ela foi convidada por Roberto Carlos para ser a figura feminina da Jovem Guarda e disse não. “Um Broto Legal” pode até ser um filme correto e razoável. Mas falta tempero.


Ficha técnica:
Direção: Luiz Alberto Pereira
Roteiro: Luiz Alberto Pereira e Dimas Oliveira Jr.
Produção: Lapfilme Produções
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h34
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gêneros: drama, biografia, musical

05 maio 2022

"Klondike - A Guerra na Ucrânia", um longa sobre mulheres, resistência e solidão

Oksana Cherkashyna é o destaque da produção interpretando Irka, uma ucraniana grávida vítima do conflito de seu pais com a Rússia (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Marcos Tadeu - blog Narrativa Cinematográfica


Angustiante, sem dúvida essa é a palavra que define "Klondike: A Guerra na Ucrânia", longa de Maryna Er Gorbach, ganhadora do Prêmio de Direção para filmes estrangeiros no Festival de Sundance e do Prêmio do Júri Ecumênico no Festival de Berlim deste ano. A obra, distribuída pela Pandora Filmes, estreia nesta quinta-feira em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Recife, Porto Alegre, Aracaju e Balneário Camboriú.

No filme, somos situados, no ano de 2014, na cidade de Donetsk, nas proximidades da fronteira entre Ucrânia e Rússia, onde vive o casal Irka (Oksana Cherkashyna) e Tolik (Sergey Shadrin). O território é palco de disputa desde o começo da Guerra em Donbas. A queda de um avião civil na região, abatido por mísseis e que deixou quase 300 mortos, deixa ainda mais tenso o casal que aguarda o nascimento do primeiro filho. Um rastro de tristeza e luto toma conta de todos.


É muito rica a construção do roteiro nas cenas iniciais de Irka e Tolik. Eles descrevem não só com palavras a questão do sonho ideal, mas também por seus papéis de parede com uma bonita praia de fundo. O início é um ponto forte do roteiro: ao mesmo tempo em que o casal sonha com a vida ideal, entra em choque com a chegada da guerra, com seus mísseis e explosões. Mesmo não mostrando claramente, apenas com o som do combate ao fundo da narrativa, é possível sentir que o sonho dos futuros pais começou a desabar.


Oksana Cherkashyna interpreta Irka com maestria e traz todas as suas camadas, principalmente por mostrar as dores e dificuldades, não só da gravidez, mas do contexto do caos instaurado ao redor. Sua dualidade é um fator que chama a atenção. Enquanto sonha em sair com seu marido daquele lugar e daquelas condições, ela também tem demonstra um forte sentimento de pertencimento. Mesmo a casa estando em total desordem, Irka ainda se preocupa em realizar tarefas básicas, como tirar a poeira e, de alguma forma, tentar reconstruir, aquele lar. 


Tolik, por outro lado, apresenta um lado quase racional. Mesmo não querendo ficar ali, ele não sabe lidar com os sentimentos da esposa. No desespero, tenta oferecer afeto de maneira quase brusca e quando sua esposa o rejeita, ele começa a beber. É a forma encontrada para lidar com os conflitos internos e externos e não estar sóbrio em meio a todo esse contexto cru escancarado pela guerra.

A trama começa a ganhar mais força quando o irmão de Irka, Yaryk (Oleg Scherbina), um contraste com Tolik, chega à casa do casal e desconfia que o marido de sua irmã esteja ligado a grupos separatistas pró-Rússia. Muitas vezes, Yarik chama o cunhado de traidor, trazendo para dentro de casa o conflito e disputa entre ucranianos e russos. O filme mostra que cada um tem suas razões e consegue que nos tornemos solidários com os irmãos, mas quem acaba enfrentando tudo sozinha é Irka.


Os aspectos técnicos do longa também reforçam a guerra, a solidão, a tensão por meio do designer de produção. A fotografia de Svyatoslav Bulakovskiy é cirúrgica ao capturar o clima frio e cortante desses sentimentos. 

Também temos a bela trilha sonora de Zviad Mgebry, que consegue captar clima sombrio e cru que a todo o momento deixa o telespectador angustiado pelos personagens que ali estão. O roteiro é também assinado pela diretora Maryna Er Gorbach que, em determinado momento conduz a câmera de forma suave para teletransportar o telespectador por aquele cenário.


O conflito

"Klondike - A Guerra na Ucrânia" nos mostra que o conflito entre Rússia e Ucrânia não é de hoje e nada mais é do que a decisão dos russos de mandar sua força militar para a região Leste do país vizinho para dominar vilas e cidades. Os rebeldes pró-Rússia chamaram a região de Dombas de Luhansk e República Popular de Donetsk. 

Mas o governo ucraniano afirma que os russos ocuparam o local e se recusa a negociar com qualquer república separatista. A Ucrânia chama os rebeldes de "invasores", enquanto a Rússia trata os separatistas de "milícia" em defesa de Kiev. 


Em meio a isso tudo, a força maior é a de Irka, com seu instinto de sobrevivência e de não deixar de seguir em frente, mesmo com a ameaça de ter seus sonhos desfeitos por uma guerra que ela não pediu e da qual não pode fugir. 

O que mais chama a atenção nesse cenário caótico é a falta de esperança e de perspectiva de mudança de vida. Fico pensando qual futuro terá aquela criança que está para nascer e como será criá-la? Esses são alguns dos questionamentos com os quais a diretora nos provoca. 

Trata-se de uma obra forte, com caráter de urgência a ser debatido, onde imperam o a guerra, o medo e, principalmente, a solidão. Torço para que todos esses aspectos chamem a atenção para outros grandes festivais e, principalmente, o Oscar. 


Ficha técnica:
Direção: Maryna Er Gorbach
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h40
Países: Ucrânia / Turquia
Gêneros: drama / guerra

21 fevereiro 2022

“A Ilha de Bergman”: filme cabeça e metalinguagem para lembrar a obra do genial diretor sueco

O filme se passa na ilha de Fårö, na Suécia, onde o cineasta passou boa parte de sua vida (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Fårö fica no Mar Báltico, a alguns quilômetros de Gotland, na Suécia. É a segunda maior ilha da província, com 5 quilômetros de comprimento e o nome se escreve assim, com uma estranha acentuação no “a” e trema no “o”.

Mas o que a torna famosa é o fato de ter sido, por muito tempo, o refúgio do angustiado Ingmar Bergman, que realizou ali muitas de suas obras. E hoje o lugar volta à cena, por ter sido motivo e inspiração para “A Ilha de Bergman” (“Bergman Island”), em cartaz nos cinemas a partir desta quinta-feira (24).


Não é preciso ser profundo conhecedor de Bergman para assistir ao longa dirigido pela francesa Mia Hansen-Løve (“O Que Está Por Vir” – 2016). Até porque não se trata propriamente de uma homenagem ao diretor, embora se passe na ilha, mostrando e citando ideias dele. Na verdade, trata-se mais de uma reflexão sobre o difícil processo de criação na arte e como ele pode se confundir com a própria vida do artista.

O casal americano Chris (Vicky Krieps) e Tony (Tim Roth) chega à ilha em busca de inspiração para seus próximos trabalhos. Ambos são cineastas – ele, mais velho e reconhecido. Ela, jovem em início de carreira, planejando escrever um roteiro. Pelo que se pode perceber, o relacionamento entre os dois não anda bem, mais entediado do que em crise.


Aos poucos, eles vão descobrindo o lugar que, planejado para fãs de Ingmar Bergman e turistas curiosos, é cheio de referências ao diretor que, aos 42 anos, já havia criado e dirigido 25 filmes. Estão lá a árvore de “Gritos e Sussurros” (1972), o piano da quarta mulher do cineasta, o quarto onde foi filmado “Cenas de um Casamento” (1973)...

Todos falam muito do diretor, do que ele gostava, no que acreditava. Há até um estranho safari de ônibus, com guia, visitando as locações. E uma sala de projeção onde passam os filmes dele.


“A Ilha de Bergman” não é um filme de fácil assimilação, daqueles que contam uma história com começo, meio e fim. Com roteiro da própria diretora, as cenas se arrastam entre passeios de bicicleta, diálogos e paisagens e, a certa altura, o espectador é surpreendido com cenas de “O Vestido Branco”, que está sendo escrito pela jovem Chris, um filme dentro do filme – pura metalinguagem. E, claro, em algum momento, ficção e realidade se misturam e os personagens se confundem. É interessante. Mas não prende muito e demanda certa atenção.


Além do casal, estão no filme, em participações menores, Hampus Nordensen como Hampus, uma espécie de flerte de Chris na ilha; Mia Wasikowska como a Amy, do filme dentro do filme; e Anders Danielsen Lie – ora como Joseph, ora como Anders, dependendo da obra focada no momento.

O final – os finais, melhor dizendo – são reticentes e inconclusos. Pode frustrar, mas há quem goste. E, no fundo, não deixa de ser uma forma de se lembrar das muitas obras-primas do grande Ingmar Bergman.


Ficha técnica:

Direção e roteiro: Mia Hansen-Løve

Distribuição: Pandora Filmes

Exibição: nos cinemas

Duração: 1h52

Classificação: 14 anos

Países: França, Bélgica, Alemanha, Suécia, México

Gênero: drama

22 setembro 2021

Sem tomar partido, “Aranha” fala de grupo fascista que sonhava com um Chile de extrema direita nos anos de 1970

O desempenho impecável do elenco nas duas fases é um dos grandes méritos da produção (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Pelo menos dois detalhes deixam claro que “Aranha” ("Araña"), filme do diretor chileno Andrés Wood, que entra em cartaz nos cinemas nesta quinta-feira, não veio para virar um blockbuster. O primeiro: em vez de narrar a história com começo, meio e fim, a direção optou por recortes, com idas e vindas, revezando cenas dos anos de 1970 e da atualidade. 

O segundo: o final, tão inusitado quanto inesperado, deixa no espectador um gosto de incompletude. Ambos são típicas características de um bom “filme de arte”, como querem alguns.


O roteiro, de Guilhermo Calderón, é interessante e curioso: no início da década de 1970, em pleno governo Allende, um grupo de extrema direita chamado Pátria e Liberdade (Patria y Liberdad) programa e comete atentados violentos em nome de um sonhado nacionalismo.

A ideia é matar o presidente Allende e combater o comunismo, dando apoio ao golpe de Estado do general Augusto Pinochet. Entre os mais atuantes dessa turma, estão os jovens Inés (Maria Valverde), Justo (Gabriel Urzía) e Gerardo (Pedro Fontaine), que vivem um conturbado e estranho triângulo amoroso.


Quarenta anos depois, um crime reaproxima os agora adultos Inés (Mercedes Morán), que se casou com Justo (Felipe Armas), e Gerardo (Marcelo Alonso), que reaparece depois de um longo sumiço. A reconstituição de época e figurinos, irrepreensíveis, são partes imprescindíveis da trama.

O desempenho impecável do elenco nas duas fases, que tem até participação de Caio Blat como Antonio, um dos líderes do movimento fascista, é um dos grandes méritos de “Aranha”, que às vezes se torna confuso graças à vertiginosa mudança de época. O trio principal, tanto na versão jovem quanto na maturidade, não deixa a peteca cair, evitando que o espectador se sinta tentado a julgar os três como bandidos. 


Principalmente Mercedes Morán, que faz uma Inés adulta acima de qualquer suspeita, interpretando uma empresária influente e poderosa. Logo no início do filme, como um aviso, o longa – uma produção de Chile, Argentina e Brasil - deixa claro que a violência faz e vai fazer parte dessa história.

Crimes, bombas, correrias, tiros, pichações, atritos e reuniões secretas são intercalados, com muita naturalidade, com as cenas calientes entre Gerardo e Inés, sempre deixando dúvida se a traição é aceita ou será vingada por Justo, o marido dela.


Interessante também é saber que Andrés Wood se tornou conhecido – e reconhecido - no Brasil principalmente por dois filmes: “Violeta foi para o céu” e “Machuca”. Tanto o primeiro, uma cinebiografia da cantora e compositora Violeta Parra, quanto o segundo, sobre a desigualdade social no Chile pós-golpe, são longas, digamos, de esquerda.

Em “Aranha”, o diretor mostra exatamente o outro lado da moeda. Não há, claro, nenhum julgamento. Mas não deixa de ser curioso, principalmente nesses tempos de polarização vividos praticamente em todo o mundo. Ou seria um alerta?


Ficha técnica:
Direção: Andrés Wood
Exibição: Una Cine Belas Artes - Sala 3 - sessão 14h30
Produção: Bossa Nova Films, Magma Cine, Andrés Wood Producciones  
Distribuição: Pandora Filmes
Duração: 1h45
Classificação: 16 anos
Países: Chile / Argentina / Brasil
Gêneros: suspense / crime

06 setembro 2021

"O Bom Doutor" - uma boa opção para quem gosta de comédia

O veterano ator Michel Blanc e o comediante e youtuber Hakim Jemili formam a dupla principal desta produção francesa (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Jean Piter Miranda


É véspera de Natal em Paris. O experiente médico Serge Mamou-Mani (Michel Blanc) segue de plantão, rodando com seu carro, esperando os chamados de urgência. Entediado, mal humorado e um tanto alcoolizado, ele sofre um acidente e fica incapacitado de fazer os atendimentos. 

Sem ter o que fazer, e pra não perder o emprego, ele coloca o jovem entregador de comida Malek Aknoun (o youtuber Hakim Jemili) para atender os pacientes em seu lugar. Essa é a história de “O Bom Doutor” (2021), comédia francesa que estreia nesta quinta-feira (9) nos cinemas.


À primeira vista, é meio estranho se localizar no filme. Um médico que atende chamados em casa? E não se trata de serviço público. É um atendimento particular que tem que ser pago ao fim da consulta. Não é algo comum aqui no Brasil. Então, bate aquele estranhamento. “Será que é assim mesmo na França?”. Passados os primeiros minutos, dá pra ir se ambientando.

Serge é um sujeito ranzinza, até meio grosseiro. Mas dá pra simpatizar com ele. Trabalhar em uma véspera de Natal na Cidade Luz? Não tem como ficar de bom humor, né? Só que essa indisposição vai se agravando e logo chegam reclamações sobre a conduta do médico. Ou seja, ele não pode mais pisar na bola, se quiser manter o emprego.


Mas há algo mais sobre o médico, não é só tédio e mal humor. Tem tristeza no meio. Uma história que Serge ainda não superou. E ele vai ter que lidar com isso também. Tudo na mesma noite. Tudo fica bem confuso após o acidente que o impossibilita de andar. 

Entra em cena Malek, um jovem entregador de comida de aplicativo, um cara cheio de energia, boa vontade e otimismo. Os dois acabam formando uma dupla pouco convencional e é aí que começam as cenas engraçadas. 


Malek com fone auricular vai ao encontro dos pacientes, recebendo orientações de Serge, que fica no carro. E logo vem um, vem outro, e mais outro atendimento. Tudo correndo sem nenhum problema. E, claro, dá pra saber que uma hora as coisas vão dar errado. Cada vez mais surgem situações cômicas. Um humor diferente das comédias produzidas por Hollywood, com humor e um lado humano. É engraçado, mas nem todo mundo vai rir.


É evidente que Serge e Malek, mesmo apesar das diferenças, vão desenvolver uma amizade. Tudo se desenrola de forma natural, sem forçar a barra. Tem um pouco de drama e ainda sim o filme é bem leve. Dá pra rir e se entreter. As atuações são boas. Há apenas um ponto no roteiro que pode incomodar: ele força a barra para vender o aplicativo Uber como sonho profissional. Tirando isso, o restante é bom. Vale o ingresso. 


Ficha técnica:
Direção: Tristan Séguéla
Exibição: nos cinemas
Distribuição: Pandora Filmes
Duração: 1h30
Classificação:
País: França
Gênero: comédia