16 abril 2021

"Mank" é um filme Cult muito superestimado, feito para meia dúzia de pessoas

 Produção conta a história do roteirista da obra "Cidadão Kane", Herman J. Mankiewicz (Fotos: Netflix/Divulgação)

Jean Piter Miranda


O filme com mais indicações ao Oscar 2021 - dez no total -, dirigido por David Fincher, com Gary Oldman como protagonista. Todo produzido em preto e branco para retratar parte da Era de Ouro de Hollywood. Mais que isso, para mostrar um pouco dos bastidores do filme “Cidadão Kane” (1941), considerado uma obra-prima de Orson Welles e uma das maiores produções da história do cinema. 

Partindo disso, dá pra imaginar que “Mank” (2020), disponível na Netflix, é de muito bom pra ótimo. Mas não é. É bem fraco, pra não dizer ruim, para decepção da maior parte dos amantes da sétima arte.


Mank (Gary Oldman) é o apelido de Herman Mankiewicz, um roteirista bem conhecido de Hollywood. Ele recebe a missão de escrever um roteiro para o diretor Orson Welles, uma das grandes estrelas do momento. Mank é meio que um alcoólatra, viciado em aposta e ainda tem alguns traumas. E o tempo que ele tem para entregar as centenas de páginas escritas é bem curto. 


Quando o filme começa, a impressão é de que Mank é um tipo de anti-herói. Parece que vai ser uma corrida contra o tempo para escrever o roteiro do que viria a ser o filme “Cidadão Kane”, um dos grandes clássicos da história do cinema. E pelo tanto que ele é conhecido e reconhecido, o roteirista vai colocar sua genialidade e talento em prática. A expectativa é de o filme mostre os bastidores de todo o processo criativo, com momentos e diálogos épicos. Mas não. Não tem nada disso.


Mesmo com muita boa vontade, não dá pra ter simpatia por Mank. É um personagem chato. Muito chato. O processo de escrita não aparece e não dá pra entender porque ele é tão conceituado na indústria do cinema. Ele é antipático e sem carisma algum. 

O filme é um amontoado de momentos desconexos, com diálogos que não parecem fazer sentido. É só um monte de frases de efeito soltas e algumas até meio bobas. Lembram programas de comédia, em que um ator levanta a bola para o outro cortar. Tem também várias citações de nomes de artistas e políticos da época que poucos vão entender e localizar. Do tipo, quem pegar pegou. 


Ao que parece, David Fincher fez “Mank” pra impressionar a Academia e ganhar indicações ao Oscar. Se for isso, deu certo. Hollywood adora essas homenagens. Obras sobre os bastidores e as grandes estrelas do cinema. É uma produção feita também para os cinéfilos mais extremistas. Aqueles que amam filmes alternativos, cults e não comerciais. Os que ficam procurando referências e curiosidades em cada uma das cenas, e que vão dizer que entenderam tudo quando quase ninguém compreendeu nada. 


O longa também foi feito para Gary Oldman. O ator já havia se destacado por interpretar Winston Churchill em “O Destino de Uma Nação” (2018), quando levou pra casa o Oscar de Melhor Ator, por uma caracterização impressionante em outra produção bem fraca. Em “Mank”, o protagonista está quase sempre com olhos bem arregalados, fazendo falas meio bêbadas e desviando olhar nas conversas. Como Herman Mankiewicz não é uma figura comum, bem conhecida, não dá pra saber se a interpretação é realista ou exagerada. 

Falando no elenco, Amanda Seyfried e Lily Collins estão desperdiçadas. São talentosas demais para papéis tão fracos como os que receberam em "Mank". Amanda aparece um pouco mais, quase que só pra enfeitar as cenas. Lily passa despercebida. 


“Mank” foi indicado ao Oscar de: Melhor Filme, Melhor Ator para Gary Oldman, Melhor Atriz Coadjuvante para Amanda Seyfried, Melhor Fotografia, Melhor Figurino, Melhor Direção para David Fincher, Melhor Cabelo e Maquiagem, Melhor Trilha Sonora, Melhor Design de Produção e Melhor Som. E pra não dizer que tudo é ruim, as indicações técnicas são bem merecidas. 


A fotografia de “Mank” é maravilhosa. Um filme em preto e branco de altíssima qualidade, com luzes e sombras muito bem acertadas. É como voltar no tempo para ver cinema nos anos 1930. As roupas, os cenários, cabelos, maquiagem... Tudo remete bem à Era de Ouro do Cinema. Uma ambientação perfeita. Só faltou uma boa história. Mas, ao menos uma meia dúzia de pessoas com certeza irá gostar.


Ficha técnica:
Direção: David Fincher
Exibição: Netflix
Duração: 2h12
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: Drama / Biografia

08 abril 2021

Anthony Hopkins sofre com a velhice e o abandono de Olivia Colman em "Meu Pai"

Adaptado da peça teatral homônima, o filme se destaca pelas excelentes interpretações e recursos visuais (Fotos: California Filmes/Divulgação)

 

Maristela Bretas


Só quem viveu uma situação semelhante como a de Anthony Hopkins e Olivia Colman sabe o que a demência é capaz de fazer a uma pessoa e com aquelas que convivem com ela. Mesmo sem citar qual das variações da doença, a produção "Meu Pai" ("The Father") faz um recorte na convivência desta dupla de pai e filha, sem definir tempo e espaço de quando os momentos tratados ocorreram. E se ocorreram.

O roteiro de Christopher Hampton e Florian Zeller, que também dirige o filme, leva a várias interpretações e dúvidas: até que ponto Anthony (papel de Hopkins) está vivendo a situação retratada? Seria tudo uma alucinação de um cérebro já desgastado pela senilidade ou um plano bem arquitetado por quem deveria cuidar dele, para parecer que tudo não passa de loucura de um velho?


A narrativa de "Meu Pai" passeia pelos poucos ambientes de uma mesma casa - do quarto para a sala, depois para a cozinha, de volta à sala - que mudam de posição e cores de acordo com cada momento que Anthony está vivendo. Também as pessoas não são as mesmas, as aparências e os comportamentos se alteram num simples mudar de cômodo. O público consegue sentir a confusão mental que Anthony esta enfrentando cada vez que isso ocorre e sofre com ele.


Anthony é um homem de 81 anos, mora sozinho em seu apartamento em Londres e recusa todos os cuidadores que a filha Anne (Olivia Colman) tenta lhe impor. Os problemas ficam maiores quando ela avisa ao pai que conheceu um homem e vai se mudar com ele para Paris. E não poderá mais visitá-lo com frequência, como sempre fez. A ideia de se mudar para um lar de idosos é rebatida veementemente por Anthony, que não quer deixar sua casa, seu porto seguro.


A todo o momento, pai e filha questionam sua relação em vários níveis, importantes ou não, desde o frango comprado para o almoço a quem seria a filha preferida do pai. Entrecortando os diálogos dos dois protagonistas surgem personagens diferentes que se apresentam como familiares em alguns momentos e em outros não passam de completos desconhecidos para Anthony. Ele já não sabe mais o que é verdadeiro e o que é fruto de sua mente cansada da realidade.


Fatos estranhos começam a acontecer isoladamente aumentando a angústia de Anthony, que teme perder sua liberdade ao ser taxado de louco e não poder contar mais com a presença da filha. Uma jovem cuidadora semelhante a sua filha caçula que ele não vê há anos, um estranho dizendo que o apartamento onde ele vive não é dele, outra mulher se passando por sua filha.

Anthony Hopkins está excepcional (não dava para esperar menos) e entrega uma interpretação digna do Oscar como Melhor Ator na edição deste ano. Ele é pura emoção, vai da gargalhada e da dança alegre aos momentos de pura angústia e tristeza por medo da solidão e do abandono. Um homem forte em suas convicções, mas que se entrega ao choro incontrolado nos braços de uma estranha. Até que ponto sentimentos como estes podem alterar a realidade de uma pessoa? Faz o coração da gente doer.


Olivia Colman também tem uma atuação excelente de Anne, a filha de meia idade que sofre ao ver o pai que ela ama, mesmo com rancores do passado, se deteriorando com a senilidade. Cansada de tudo, ela agora quer tentar recomeçar a vida e ser feliz com o homem que conheceu - Paul (Rufus Sewell) -, em outra cidade, distante da obrigação que lhe coube de cuidar do pai na velhice com a falta da irmã. Mas como abandoná-lo?


A doença de Anthony não é citada, mas os estranhos que surgem a cada mudança de cenário fazem questão de lembrá-lo que ele não é bem-vindo ali, que deveria ir para um lar de idosos, dar paz para a filha. Até mesmo uma possível agressão é questionada numa das cenas - ilusão ou fato? Tudo isso vai levando o público a um final que não chega a ser surpreendente, mas que mexe profundamente com o emocional e nos faz pensar o que é envelhecer.

"Meu Pai" é uma adaptação da peça teatral "Le Père", do diretor Florian Zeller, que soube trazer para as telas temas profundos - velhice, paternidade, rancores do passado, senilidade, abandono. Para conseguir essa transposição, ele empregou diversos recursos visuais com mudanças de cenários do mesmo espaço físico,  aproveitando bem as cores e as luzes, que são alternadas de acordo com o estado emocional de Anthony. Tudo isso completado com a excelente interpretação da dupla principal (ambos dignos de Oscar).


Uma obra para ser lembrada e comentada, especialmente por especialistas no estudo da mente humana. Vale destacar também a belíssima trilha sonora com clássicos de Bizet, Vincenzo Bellini, Henry Purcell e composições com violino e piano de David Menke. 

Com distribuição da Califórnia Filmes, "Meu Pai" está disponível para compra nas plataformas digitais Now, iTunes (Apple TV), Google Play e Belas Artes A La Carte. A partir do dia 28 de abril ficará também disponível para aluguel nessas plataformas e também na Sky Play e na Vivo Play.


Ficha técnica:
Direção: Florian Zeller
Exibição: Plataformas digitais
Duração: 1h38
Classificação: 14 anos
Países: Inglaterra / França
Gênero: Drama
Nota: 5 (de 0 a 5)