21 outubro 2021

Em “Round 6”, a pergunta que fica é: vale tudo no jogo da vida?

Pessoas falidas são atraídas para um lugar misterioso e começam a participar de competições infantis e mortais (Fotos: Netflix)


Mirtes Helena Scalioni


Não se pode negar que “Round 6” ("Squid Game"), produção sul-coreana em cartaz no Netflix, seja uma obra instigante e curiosa. Praticamente um retrato do capitalismo selvagem que elimina os que não querem – ou não conseguem – fazer parte da engrenagem, a série de nove episódios é o maior sucesso mundial do streaming, capaz de levar espectadores mais atentos a uma necessária reflexão sobre o futuro da humanidade.


Embora repleto de cenas muito violentas – talvez propositadamente exageradas – a história tem sacadas geniais para deixar claro como funciona o jogo. Traições de quem parecia amigo, a eterna desvantagem das mulheres, a apologia da esperteza (“farinha pouca, meu pirão primeiro”) e a conclusão de que somos apenas um número no sistema recheiam o discurso da série que, se assusta no início, fisga o público até o final.


A sinopse é, por si só, esquisita: homens e mulheres falidos e sem esperança são atraídos para um lugar misterioso onde são catalogados com um número e, a partir daí, começam a participar de competições. Ao final, o vencedor vai receber uma fortuna em dinheiro. Interessante é que os jogos são todos infantis, alguns deles conhecidos no Brasil como “Batatinha frita 1,2,3”, bolinhas de gude e cabo de guerra, nos quais nem sempre a força se impõe. 

Muitas vezes, a sorte se sobrepõe e a injustiça pode sim sair vitoriosa. Assim como na vida. O grande susto da história é: quem perde, paga com a vida. O perdedor é sumariamente eliminado com um tiro na cabeça ou no peito.


Seong Gi-hun (Lee Jung-jae) é o protagonista de “Round 6”, que encanta e convence como o jogador 456, um malandro boa praça quase inocente que tem sua última chance de consertar uma vida cheia de erros. Jung Ho-yeon (Kang Sae-byeok) faz a jogadora 067, jovem amarga fugitiva da Coreia do Norte, que precisa da grana para resgatar a mãe e cuidar do irmãozinho. Cho Sang-woo (Park Hae Soo) faz o jogador 218, amigo de infância do 456, profissional brilhante que perdeu tudo no mercado financeiro. 


Representando a experiência, Oh Il-nam (Oh Young-soo) é o competidor 001, um idoso que tem um tumor no cérebro. Há outros personagens de destaque, como o vilão truculento, o médico que entra no esquema criminoso da organização, a moça que acaba de sair da cadeia depois de ter matado o padrasto, a espertinha metida a conquistadora... A fauna é rica e diversificada.


Não fica claro para o espectador quem são as pessoas que comandam aquele lugar e nem por que alguém se daria ao trabalho de criar uma organização tão esdrúxula quanto improvável. Os líderes parecem se divertir com o sofrimento e os apuros dos jogadores, cada um com seu pequeno – ou grande – drama. Claro que, num ambiente tão hostil e perigoso, ética e moral são ideias raras.


Pena que o final decepcione um pouco, como se o autor tivesse se perdido e inventado, de última hora, um desfecho inverossímil e incabível. O escritor Hwang Dong-hyuk tem dito em entrevistas que escreveu a série sem pensar em uma segunda temporada. Parece mais uma jogada de marketing, pois muitas tramas não se fecham e alguns nós não foram desfeitos. Por mais subjetivas que sejam as metáforas e parábolas, elas também carecem de um mínimo de coerência.


Ficha técnica:
Criação:
Hwang Dong-hyuk
Exibição: Netflix
Duração: 9 episódios (60 minutos cada)
País: Coreia do Sul
Gêneros: drama/ suspense / ação
Classificação: 16 anos

18 outubro 2021

Em "007 - Sem Tempo Para Morrer", Daniel Craig se despede de James Bond com um merecido final

Franquia do mais famoso agente secreto britânico completa 25 filmes com fôlego para arrastar milhares de pessoas de volta ao cinema (Fotos: Universal Pictures)


Maristela Bretas


Não poderia ser menos do que foi entregue. Daniel Craig deixa o personagem James Bond, após cinco filmes, com estilo, muita ação e um gran finale merecido em "007 - Sem Tempo Para Morrer" ("No Time To Die"). O longa, 25º da franquia, desta vez dirigido por Cary Joji Fukunaga que também participou do roteiro com Neal Purvis, Robert Wade e Phoebe Waller-Brodge, é adrenalina pura. E vem com muitas mudanças, especialmente com as mulheres ocupando mais espaço na trama, deixando de ser meramente "Bond Girls". 


Na trama temos a volta de Léa Seydoux vivendo Madeleine Swann, namorada de Bond, que tem um papel essencial na história e nas decisões dele. A primeira vez que seu personagem apareceu foi em "007 Contra Spectre" (2015) e o romance começou naquela época e leva Bond a se aposentar.

Já a vaga deixada no MI6 com a aposentadoria do famoso agente agora é ocupada por uma mulher forte e determinada - Nomi - papel de Lashana Lynch, que entrega uma boa agente, mas ainda precisa encarar muito chumbo e porrada (como aconteceu com Craig) para personificar o maior agente britânico de todos os tempos, criado pelo escritor Iam Fleming em 1953. Mas como fã, ainda sou da torcida organizada de Sean Connery como o melhor de todos.


Ana de Armas faz uma aparição infelizmente curta, mas arrasadora e letal como Paloma, parceira de Bond numa missão. Não menos importante temos também Naomie Harris, a nova Moneypenny, que sai de trás da mesa de secretária do diretor do MI6 para mostrar que pode ir a campo para ajudar um velho amigo. 


A volta com despedida do icônico espião já era suficiente para arrastar o público de volta ao cinema, com muita pipoca e refrigerante. Mas a campanha de marketing para divulgação do longa não deixou por menos e jogou pesado, com direito à realeza britânica e outros famosos na pré-estreia, o que ajudou a colocar o filme no topo das bilheterias de estreia em vários países, inclusive no Brasil.


No filme temos James Bond aposentado, vivendo uma fase romântica com sua namorada Madeleine Swann, longe da rotina perigosa do MI6. Até ser importunado por seu passado e sofrer uma desilusão amorosa. 

Isolado em sua casa na Jamaica, é procurado pelo velho amigo Feliz Leiter (Jeffrey Wright), agente da CIA, para encontrar e capturar o insano Lyutsifer Safin (Rami Malek), que planeja contaminar toda a humanidade com um produto tóxico que ataca o DNA das pessoas. 


O agente com licença para matar agora é alguém esquecido e vai precisar contar com a ajuda de amigos da antiga agência - Moneypenny (Naomie Harris) e "Q" (Ben Whishaw) para enfrentar o novo vilão. Para piorar, descobre que seu antigo chefe "M", diretor do MI6 (Ralph Fiennes) está envolvido na trama. Mas é um antigo inimigo quem vai fazer Bond voltar à ativa após cinco anos, desde "007 Contra Spectre" - Ernst Stavro Blofeld (papel de Christoph Waltz) que continua influente mesmo atrás das grades.


Por falar em vilão, os produtores deram dois tiros nos pés. O primeiro foi a escolha de Rami Malek para o papel. Mesmo com toda a competência do ator, o personagem ficou caricato, cheio de caras e bocas, lembrando o papel de Freddie Mercury, de "Bohemian Rhapsody" (2018). Sem força e expressão, Safin aparece pouco é previsível em todas as ações e totalmente esquecível. Até Blofeld tem mais presença.

O outro segundo erro foi a escolha da música-tema "No Time To Die", composta e interpretada por Billie Eilish. Totalmente 'deprê', sem impacto ou grandes arranjos, especialmente na finalização. Quebra o ritmo dos filmes de 007. Felizmente a trilha foi salva pelo grande Hans Zimmer, que incluiu até mesmo o sucesso "We Have All The Time in The World", com Louis Armstrong, do filme "007 - A Serviço de Sua Majestade" (1969). 


Mas estes dois "foras" não tiram o brilho do quinto e último filme de Daniel Craig a frente do famoso espião. "007 - Sem Tempo para Morrer" é ótimo do início ao fim, do tipo que não deixa o expectador sossegado na cadeira. Craig apanha e bate muito, mas muda a postura do "garanhão" para um agente aposentado, mas sem nunca perder a classe.


O público também tem a oportunidade de rever símbolos de antigos filmes da franquia que são a marca de James Bond. Nada como um "Martini seco batido, não mexido", ou a pistola semiautomática Walther PP e, claro, o charmoso Aston Martin, com suas metralhadoras e explosivos embutidos nos faróis. O diretor Cary Fukunaga ainda brinda os fãs incluindo em uma das cenas a famosa abertura dos filmes de 007, com o agente entrando num túnel, se virando e apontando a arma.

Para quem ainda não assistiu e é fã de "Bond, James Bond", "007 - Sem Tempo para Morrer" é imperdível. Soube dosar ótimas sequências de ação, emoção, suspense, belas locações e boas recordações. 


Ficha técnica:
Direção: Cary Joji Fukunaga
Produção: Metro Goldwyn Mayer (MGM) / Eon Pictures
Distribuição: Universal Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h43
Classificação: 14 anos
Países: Reino Unido / EUA
Gêneros: ação / espionagem/ suspense
Nota: 4 (0 a 5)