05 maio 2022

"Klondike - A Guerra na Ucrânia", um longa sobre mulheres, resistência e solidão

Oksana Cherkashyna é o destaque da produção interpretando Irka, uma ucraniana grávida vítima do conflito de seu pais com a Rússia (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Marcos Tadeu - blog Narrativa Cinematográfica


Angustiante, sem dúvida essa é a palavra que define "Klondike: A Guerra na Ucrânia", longa de Maryna Er Gorbach, ganhadora do Prêmio de Direção para filmes estrangeiros no Festival de Sundance e do Prêmio do Júri Ecumênico no Festival de Berlim deste ano. A obra, distribuída pela Pandora Filmes, estreia nesta quinta-feira em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Recife, Porto Alegre, Aracaju e Balneário Camboriú.

No filme, somos situados, no ano de 2014, na cidade de Donetsk, nas proximidades da fronteira entre Ucrânia e Rússia, onde vive o casal Irka (Oksana Cherkashyna) e Tolik (Sergey Shadrin). O território é palco de disputa desde o começo da Guerra em Donbas. A queda de um avião civil na região, abatido por mísseis e que deixou quase 300 mortos, deixa ainda mais tenso o casal que aguarda o nascimento do primeiro filho. Um rastro de tristeza e luto toma conta de todos.


É muito rica a construção do roteiro nas cenas iniciais de Irka e Tolik. Eles descrevem não só com palavras a questão do sonho ideal, mas também por seus papéis de parede com uma bonita praia de fundo. O início é um ponto forte do roteiro: ao mesmo tempo em que o casal sonha com a vida ideal, entra em choque com a chegada da guerra, com seus mísseis e explosões. Mesmo não mostrando claramente, apenas com o som do combate ao fundo da narrativa, é possível sentir que o sonho dos futuros pais começou a desabar.


Oksana Cherkashyna interpreta Irka com maestria e traz todas as suas camadas, principalmente por mostrar as dores e dificuldades, não só da gravidez, mas do contexto do caos instaurado ao redor. Sua dualidade é um fator que chama a atenção. Enquanto sonha em sair com seu marido daquele lugar e daquelas condições, ela também tem demonstra um forte sentimento de pertencimento. Mesmo a casa estando em total desordem, Irka ainda se preocupa em realizar tarefas básicas, como tirar a poeira e, de alguma forma, tentar reconstruir, aquele lar. 


Tolik, por outro lado, apresenta um lado quase racional. Mesmo não querendo ficar ali, ele não sabe lidar com os sentimentos da esposa. No desespero, tenta oferecer afeto de maneira quase brusca e quando sua esposa o rejeita, ele começa a beber. É a forma encontrada para lidar com os conflitos internos e externos e não estar sóbrio em meio a todo esse contexto cru escancarado pela guerra.

A trama começa a ganhar mais força quando o irmão de Irka, Yaryk (Oleg Scherbina), um contraste com Tolik, chega à casa do casal e desconfia que o marido de sua irmã esteja ligado a grupos separatistas pró-Rússia. Muitas vezes, Yarik chama o cunhado de traidor, trazendo para dentro de casa o conflito e disputa entre ucranianos e russos. O filme mostra que cada um tem suas razões e consegue que nos tornemos solidários com os irmãos, mas quem acaba enfrentando tudo sozinha é Irka.


Os aspectos técnicos do longa também reforçam a guerra, a solidão, a tensão por meio do designer de produção. A fotografia de Svyatoslav Bulakovskiy é cirúrgica ao capturar o clima frio e cortante desses sentimentos. 

Também temos a bela trilha sonora de Zviad Mgebry, que consegue captar clima sombrio e cru que a todo o momento deixa o telespectador angustiado pelos personagens que ali estão. O roteiro é também assinado pela diretora Maryna Er Gorbach que, em determinado momento conduz a câmera de forma suave para teletransportar o telespectador por aquele cenário.


O conflito

"Klondike - A Guerra na Ucrânia" nos mostra que o conflito entre Rússia e Ucrânia não é de hoje e nada mais é do que a decisão dos russos de mandar sua força militar para a região Leste do país vizinho para dominar vilas e cidades. Os rebeldes pró-Rússia chamaram a região de Dombas de Luhansk e República Popular de Donetsk. 

Mas o governo ucraniano afirma que os russos ocuparam o local e se recusa a negociar com qualquer república separatista. A Ucrânia chama os rebeldes de "invasores", enquanto a Rússia trata os separatistas de "milícia" em defesa de Kiev. 


Em meio a isso tudo, a força maior é a de Irka, com seu instinto de sobrevivência e de não deixar de seguir em frente, mesmo com a ameaça de ter seus sonhos desfeitos por uma guerra que ela não pediu e da qual não pode fugir. 

O que mais chama a atenção nesse cenário caótico é a falta de esperança e de perspectiva de mudança de vida. Fico pensando qual futuro terá aquela criança que está para nascer e como será criá-la? Esses são alguns dos questionamentos com os quais a diretora nos provoca. 

Trata-se de uma obra forte, com caráter de urgência a ser debatido, onde imperam o a guerra, o medo e, principalmente, a solidão. Torço para que todos esses aspectos chamem a atenção para outros grandes festivais e, principalmente, o Oscar. 


Ficha técnica:
Direção: Maryna Er Gorbach
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h40
Países: Ucrânia / Turquia
Gêneros: drama / guerra

28 abril 2022

"Como Matar a Besta": um filme que tenta ser feroz, mas é bem manso

Produção latina foi filmada na região das Missões, na fronteira da Argentina e Brasil (Fotos: Vitrine Filmes/Divulgação)


Wallace Graciano


Quando anunciado, “Como Matar a Besta” ("Matar a La Bestia", filme de 2021) logo chamou a atenção. Para além do título, imaginava-se que a coprodução latina (Argentina, Brasil e Chile), que foi dirigida e roteirizada por Agustina San Martin, traria aspectos culturais e folclóricos do cone sul. Bom, não foi bem assim no resultado. Se muito se imaginava algo bestial, o que se viu no resultado foi uma trama lenta e pouco convincente. 


A trama de 1h20 conta a história de Emília (a estreante Tamara Rocca), uma jovem latina de 17 anos, residente em Buenos Aires. Porém, a garota precisa viajar para a fronteira do país com o Brasil, mais precisamente à casa de sua tia Inés (Ana Brun). No local, descobre que seu irmão, Mateo, sumiu. 

Não obstante, precisa lidar com o pavor de uma besta à solta, que faz com que ela tema o pior. O elenco conta ainda com ator brasileiro João Miguel, interpretando Lautaro, um homem que cruza o caminho de Emília.


Porém, o início promissor se desfaz tal qual um vampiro ao ver a luz de um dia. O clima fantasioso paira no local e passa a ser o único elemento de destaque em meio a um filme de poucos diálogos. Ou seja, para ser absorvido pela trama, você precisa contemplar a emoção dos atores, que pouco têm a lhe dizer, o que traz monotonia ao longa. 


Não fosse simples, a história poderia, e muito, confundir o espectador, que se vê em uma tentativa fracassada de thriller. De relevante (e muito relevante), o figurino e a fotografia, que ditam bem o ambiente e conseguem ser convidativas, uma vez que "Como Matar a Besta" foi filmado na bela região das Missões, que abrange o sul do Brasil e norte da Argentina. O filme estreia nesta quinta-feira em várias cidades brasileiras, incluindo Belo Horizonte e inaugura a Sessão Vitrine 2022.



Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Agustina San Martín
Produção: Estúdio Giz
Distribuição: Vitrine Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h20
Classificação: 14 anos
Países: Argentina, Brasil e Chile
Gêneros: drama / terror