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A ficção acompanha Dora, vivida por Sinara Teles, em suas andanças por um país de paisagens devastadas pela mineração (Fotos: Embaúba Filmes) |
Silvana Monteiro
Em "Suçuarana", com estreia nesta quinta-feira no Cine Una Belas Artes e no Centro Cultural Unimed-BH Minas, Clarissa Campolina e Sérgio Borges desenham uma narrativa que é menos sobre destino e mais sobre deslocamento.
Dora (Sinara Teles) surge como uma figura marcada pelo nomadismo: mochila nas costas, coragem nos pés e na cabeça, que passa a ser acompanhada por um cão que a guia silenciosamente.
O filme a acompanha em suas andanças por um país de paisagens atravessadas pela mineração, onde os tons terrosos da fotografia de Ivo Lopes Araújo, cores dos verdes secos e úmidos, do barro, da poeira e da chuva, dos puxadinhos e construções improvisadas traduzem a natureza nua e crua do desgaste provocado pelos homens.
Dora é apresentada como alguém sempre a caminho, quase nunca em repouso. Seu percurso não é apenas físico, mas também existencial. Esse é o maior trunfo do filme: ver no rosto, nos cabelos, nas roupas marcadas pela sujeira dos assentos e nos olhos fundos de nossa peregrina, a poética de uma vida marcada pelo incerto.
Cada encontro na estrada, seja com pessoas, histórias, fragmentos, ruínas e comunidades improvisadas, vai compondo a tessitura de uma vida fragmentada, em busca de uma promessa antiga, a terra sonhada com a mãe.
O deslocamento constante carrega a ambiguidade entre exílio e liberdade, entre o desejo de pertencer a algum lugar e a vocação para pegar uma carona, caminhar longas distâncias de forma solitária ou lavar as roupas em um riacho à beira das matas.
A narrativa, digo isto porque o filme transmite uma sensação de fragmentação, se passa em uma paisagem também transitória, devastada pela mineração, uma fábrica abandonada, um vilarejo que insiste em existir e rostos receptivos ou móveis deteriorados pelo tempo. É nesse choque entre destruição e resistência que Dora encontra respiros de afeto.
Afetos esses demonstrados em garfadas de comida, bate-papos rápidos, acolhidas para pernoites bem inóspitas e, finalmente, onde se demora um pouco mais em uma comunidade tradicional.
Nesse lugar temos as manifestações da simplicidade: a benzedeira, os vizinhos que se juntam para um jogo e, sobretudo, para o trabalho em uma fábrica abandonada.
A força de "Suçuarana" está na forma como conecta estética e percurso. A fotografia privilegia planos abertos que ressaltam tanto a solidão da personagem quanto a vastidão que a envolve.
O cachorro, quase uma entidade mítica; o som, com trilha de Ajítenà Marco Scarassatti e Djalma Correia, em uma mistura de ruídos da natureza, percussões orgânicas, a poluição sonora das estradas, e os diálogos fortuitos dos rápidos e sofridos pousos de Dora.
Mais do que contar a história de uma busca, "Suçuarana" expõe o paradoxo de existir sempre em trânsito. Dora está sempre partindo e, ao mesmo tempo, sempre chegando a algum lugar.
O filme não oferece um destino final; oferece, sim, a percepção de que caminhar também é um modo de existir. E sobre o existir, sabemos só dos segundos a seguir, se é que sabemos. Não mais.
Direção: Clarissa Campolina e Sérgio Borges
Produção: Anavilhana Produções
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: Cine Una Belas Artes e Centro Cultural Unimed-BH Minas
Duração: 1h25
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: ficção