11 outubro 2022

Oportuno, “Contatado” fala do perigoso poder das seitas e dos falsos profetas

Filme coloca em discussão a vaidade e a carência humana pelo sagrado (Fotos: Pandora Filmes)


Mirtes Helena Scalioni


Em tempos de endeusamento de mitos nem sempre confiáveis, o longa peruano “Contatado” pode servir de alerta. Dirigido por Marité Ugas, o filme, que entra em cartaz nesta quinta-feira (13), aborda a história de Aldo (Baldomero Cáceres), professor aposentado que, incentivado por um jovem seguidor, tenta retomar a vida de 20 anos atrás, quando liderava uma seita tão esdrúxula quanto inverossímil que misturava terremotos, portais energéticos submarinos e seres extraterrestres.


Lento e misterioso como convém a um filme dessa natureza, esse terceiro trabalho da peruana Ugas (“O Garoto Que Mente” - 2011 e “Pelo Malo” - 2013) parece colocar em discussão a carência humana pelo sagrado e o perigo que podem representar os falsos profetas e salvadores. 

Ao ser abordado insistentemente pelo ex-seguidor Gabriel (Miguel Dávalos), Aldo é seduzido a retomar seu papel de Aldemar, guru que comandava rituais na praia e vendia muitos livros e fitas de vídeos de suas pregações.


As intenções do jovem Gabriel ao se tornar uma espécie de assistente de Aldemar/Aldo não chegam a ficar claras e a dúvida, no final das contas, acaba por enriquecer o filme. 

As atuações também são valiosas, tanto dos dois diretamente ligados à seita quanto das mulheres que gravitam em torno da vida medíocre do aposentado, papéis feitos pelas atrizes Samantha Castillo, Lita Sousa e Solange Tavares.


Há momentos em que o filme chega a exagerar nas lendas e crendices, como se a diretora quisesse falar do poder das palavras e dos rituais, por mais estranhos que eles possam parecer. 

Quando Gabriel tenta convencer Aldo a retomar as pregações, ele conta que seu pai, antigo seguidor do guru, não está morto como todos pensam. Ele simplesmente teria atravessado um portal para outras dimensões durante um terremoto. Mais bizarro impossível.


Além do perigo dos falsos profetas e seitas, “Contatado” parece discutir também sobre a vaidade humana. Será possível resistir ao poder e ao dinheiro, quando os crédulos depositam total confiança nas ideias que você prega?


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Marité Ugas
Produção: Sudaca Filmes (Venezuela); Klaxon Cultura Audiovisual/ Madremídia Producciones, Paula Cosenza (Brasil); Dag Hoel Films (Noruega); Makaco VFX- Diego Velásquez/ Artefactos Films (Peru)
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h33
Classificação: 14 anos
Países: coprodução entre Brasil, Noruega, Peru e Venezuela
Gênero: drama

01 outubro 2022

“Duetto” apresenta trama sensível e ótimas atuações

Longa foi filmado no Brasil e na Itália, com elenco dos dois países (Fotos: Mariana Vianna/Imagem Filmes)


Carolina Cassese
Blog no Zint



Nome por trás de narrativas cinematográficas de variadas abordagens, como o terno "Caminho das Nuvens" (2003), o biográfico "Irmã Dulce" (2014) e "A Divisão" (2019), para citar alguns, o diretor Vicente Amorim retoma os trabalhos com "Duetto", filme que estreou nos cinemas nessa quinta-feira. 

Na verdade, o longa ítalo-brasileiro foi filmado em 2019, portanto, antes da pandemia, em São Paulo e, do outro lado do Atlântico, em cidades da região da Puglia, no sul da Itália, cuja beleza é evidenciada na tela. 


A trama, que se passa em 1965, tem início quando, após um momento de tensão com a mulher, Isabel (Maeve Jinkins), o personagem Marcelo (Rodrigo Lombardi) sofre um acidente de carro no qual perde a vida. 

A notícia da morte, claro, convulsiona a vida de sua filha, a jovem Cora (Luísa Arraes), e a da mãe, Lucia (Marieta Severo), que o tinha como único filho. Não sem antes culpar a nora pela tragédia, Lucia decide viajar de volta à sua terra natal na Puglia, levando consigo Cora.


Neste momento, a ação de fato se desloca para o país europeu, introduzindo atores italianos como Michele Morrone ("365 dias”), Elisabetta de Palo e Giancarlo Giannini. 

Ao chegar à sua cidade e rever a irmã Sofia (Elisabetta) e o cunhado, Gino (Giannini, que já trabalhou com diretores do naipe de Ettore Scola e Ridley Scott), Lucia esconde dos dois a notícia da perda do filho. 


Aos parentes, que comandam um restaurante com a ajuda de Carlo (Gabriel Leone), ela diz estar ali de passagem, apenas para resolver a venda da casa que as duas herdaram dos pais, visto que seu propósito seria seguir viagem para conhecer mais a Europa. 

No entanto, um entrave burocrático obriga Lucia a permanecer mais tempo por ali. Isso faz com que Cora possa, como desejava, desfrutar do festival de música que se desenrola por lá. E é justamente no evento que ela se encanta por um dos concorrentes, o cantor Marcello Bianchini (Morrone).


Enquanto os dois jovens se deixam envolver pela atmosfera do festival, o espectador tenta decifrar o motivo da tensão estabelecida entre Lucia, a irmã e o cunhado - que só é revelada do meio para o final da narrativa. 

A chegada de Isabel ao cenário, em busca da filha, é o acontecimento que faz com que não haja mais margem para mentiras. Frente a frente, Lucia e Sofia fazem um acerto de contas, revivendo mágoas e passando a limpo os acontecimentos que provocaram a ruptura da relação.


Um dos pontos centrais não é necessariamente um tema pouco explorado no cinema, mas nem por isso menos válido: como atitudes que tomamos em determinados momentos da vida são capazes de se propagarem em ondas que, para além de nossas próprias vidas, afetam de forma contundente a de muitas pessoas que estão no nosso entorno, muitas vezes mudando o curso da história delas de maneira definitiva. 


O outro é o ritual de passagem para a vida adulta, enfrentado por Cora. A culpa é definitivamente um sentimento que permeia toda a narrativa, já que muitos personagens parecem mergulhados em arrependimentos. 

Um acerto do filme é mostrar que as relações são de fato complexas e, ainda, como é difícil etiquetar as pessoas como apenas “boas” ou “más”.


Há mais eventos que se desenrolam paralelamente, como o mistério envolvendo o cantor Marcello Bianchini - um ocorrido que é deixado no plano das possibilidades. 

Do que se tem em tela, há uma história que, com as devidas nuances, está na órbita do familiar a todas as pessoas, conduzida por atores de gerações distintas.


Se não se trata de nenhuma surpresa no que diz respeito a Marieta Severo, fica a oportunidade de desfrutar do talento de Giannini e Elizabetta, visto com menos frequência por aqui. 

Sem contar as já citadas maravilhas da região da Puglia e outros atrativos, como música e figurino.


Ficha técnica:
Direção: Vicente Amorim
Produção: Nexus Produções
Distribuição: Imagem Filmes
Exibição: salas Cineart dos shoppings Cidade e Del Rey e no Cinemark BH Shopping
Duração: 1h42
Classificação: 14 anos
Países: Brasil e Itália
Gênero: drama