03 abril 2023

"A Elefanta do Mágico" é uma animação digna de sessão da tarde em família

Peter e sua amiga criam um profundo laço de carinho e confiança que contagia uma cidade (Fotos: Netflix)


Marcos Tadeu 
Blog Narrativa Cinematográfica


Do livro para a tela. O sucesso "A Elefanta do Mágico" ("The Magician’s Elephant"), da escritora Kate DiCamillo, é a mais nova animação produzida e exibida pela Netflix. Dirigida por Wendy Rogers, a obra está no ranking de top 10 da plataforma.

A produção tem entre seus destaques o elenco estelar de dubladores, entre eles, Noah Jupe ("Um Lugar Silencioso" - 2021), Brian Tyree Henry ("Trem-Bala" - 2022), Benedict Wong ("Doutor Estranho" - 2016), Mandy Patinkin ("Extraordinário" - 2017) Sian Clifford (série "Fleabag" - 2016 e 2019) e Miranda Richardson ("Malévola" - 2014).


Na obra conhecemos Peter (Jupe), um garoto que sonha reencontrar a irmã, que todo mundo diz que morreu há muito tempo. Um dia ele visita uma vidente que avisa que, por uma moeda, ela poderá responder apenas uma pergunta. 

Peter faz seu pedido e é avisado pela vidente que será preciso achar uma elefanta, algo que ninguém nunca viu no reino de Baltese, onde se passa a história, e que ela o levará a seu destino.


Enquanto isso, do outro lado da cidade, um mágico (Wong) se apresenta para uma plateia sonolenta. Sem querer, provoca um acidente ao fazer uma mágica e uma elefanta cai sobre uma idosa, Madame LaVaughn (Richardson). 

Peter fica sabendo da existência do animal e que ele está ameaçado de ser sacrificado pelo rei. O garoto fará de tudo para mantê-lo vivo para encontrar sua irmã, como garantiu a vidente. 


Para isso terá de cumprir três tarefas impossíveis impostas pelo monarca: lutar contra o melhor soldado, voar e fazer a condessa que deixou de sorrir, dar uma gargalhada sincera. 

O filme tem até uma proposta interessante, mas que pouco inova. Tudo é muito rápido e com pouco desenvolvimento. 

Como o drama do ex-soldado Vilna Lutz (Patinkin) aposentado que salvou Peter da guerra e o adotou, mas o obriga a se comportar como um soldado. 


Um ponto negativo é a falta de antagonismo. O rei (voz de Aasif Mandvi), que propõe desafios totalmente fúteis, que até podem soar encorajadores e bonitos, mas ele não convence como vilão. 

É uma pessoa preocupada somente em se divertir, curtir a vida e ter ideias absurdas. Está mais para bobo da Corte, que acha que está agradando aos súditos com suas bobagens. Só que não.


A personagem da elefanta também foi pouco explorada. Por ela não falar e só se comunicar como um animal normal, sem exageros, deu seu recado apenas no olhar e na confiança em Peter. Pouco sabemos sobre seu mundo e de onde veio, apenas que deseja rever sua família.

Como em outras animações, há também a mensagem filosófica e bonita: "é preciso ter esperança e acreditar que é possível". 

Mas os desafios soam fracos no decorrer da história e, em nenhum momento, conseguimos ver mudanças no protagonista.


Mesmo não tendo a profundidade e o desenvolvimento de "Pinóquio", de Guillermo del Toro, "A Elefanta do Mágico" é uma animação ótima para uma tarde em família, especialmente com filhos pequenos.

Tem final bonito, colorido, com os clichês comuns de um conto de fadas e sem reviravoltas. Agora é aguardar as próximas produções da diretora Wendy Rogers.


Ficha técnica:
Direção: Wendy Rogers
Produção: Netflix e Animal Logic
Exibição: Netflix
Duração: 1h43
Classificação: 10 anos
País: EUA
Gêneros: animação, fantasia, aventura, família

01 abril 2023

“A Garota Radiante” retrata dilemas típicos da juventude durante a ocupação nazista

A trama acompanha a transformação de Irène e sua família na França, em meio a um tenebroso contexto histórico (Fotos: Pandora Filmes)


Carolina Cassese
Blog Carolina Cassese


Somando mais de três décadas de bons serviços prestados ao cinema à frente das câmeras, a atriz Sandrine Kiberlain decidiu migrar para o outro lado, se arriscando no ofício de roteirista e diretora. 

O resultado pode ser apreciado em "A Garota Radiante” ("Une jeune fille qui va bien"), em cartaz na sala 2 do Minas Tênis Clube Cinema, sessão das 18h10.

A trama se passa em 1942, quando a França vivenciava a ocupação nazista. A protagonista é Irène (Rebecca Marder), uma jovem que mora com a avó Marceline (Françoise Widhoff), o pai André (André Marcon) e o irmão Igor (Anthony Bajon), com quem divide o quarto. 


Eles vivem numa Paris onde medidas de discriminação contra os judeus vão ganhando força - em uma das cenas, eles têm que entregar telefones, assim como outros itens que facilitem o contato como os outros, e até bicicletas.

A medida que mais atinge a família, porém, é o carimbo da palavra "judeu" nos documentos de cada membro. Em dado momento do filme, vemos Irène com uma identificação amarela em seu próprio blazer. 


Em entrevistas, Sandrine comentou que, propositadamente, não quis mostrar, de modo muito explícito, sinais da ocupação nazista nas ruas e lugares pelos quais Irène transita. A ideia era de que o espectador fosse se inteirando da ameaça pelos olhos da própria personagem. 

É possível se manter alheio a um contexto tão violento? Essa é uma pergunta que permeia o longa, já que a protagonista parece evitar pensar nas ameaças que a rodeiam. 


Uma questão relevante para a obra é a da encenação: a personagem principal é atriz, dentro e fora dos palcos. Simula desmaios, ensaia cenas com os familiares, finge precisar de óculos apenas para reencontrar um oftalmologista que despertou seu interesse.

E o que os olhos de Irène mais refletem no início é o "joie de vivre" da juventude. O brilho da descoberta do primeiro amor e o êxtase de poder vivenciá-lo, ao ser correspondida. As brincadeiras que ainda a ligam à infância, mas que, pouco a pouco, vão perdendo espaço. 


A paixão pela carreira com a qual se identifica. O encanto pela avó, que, como ela mesma ressalta, fuma e tem um ar moderno. O futuro parece ser um horizonte repleto de possibilidades, e, para alcançá-lo, ela conta com o afeto dos colegas, a maioria, não judeus, e o amor de seu círculo.

A estrada está ali, se descortinando à sua frente, e tudo conspira a favor. Bem, não tudo. Pouco a pouco, Irène vai se dando conta da nuvem carregada que se aproxima, e da qual não há muito como fugir.


A iluminação do filme dialoga bem com a gravidade das situações retratadas: em uma das cenas, a paisagem se escurece assim que o pai da protagonista começa a falar sobre perseguições. 

Em determinado momento, a avó e uma companheira judia procuram o conceito de medo no dicionário: “Sentimento de angústia, vivenciado na presença ou pensamento de um perigo, real ou suposto. Por exemplo, uma ameaça”. 

Entretanto, não há definição formal que alcance a intensidade do pavor que acomete as duas. 


Com boas atuações e uma trilha sonora de primeira (que inclui Tom Waits e Charles Trenet), Sandrine entrega um filme comovente, que dá a sua contribuição para que esse período tão maculoso da humanidade não seja esquecido ou mesmo minimizado. 

Mesmo porque, não há mais tempo para inocência. Outros perigos pairam entre nós.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Sandrine Kiberlain
Produção: France 3 Cinéma
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: sala 2 do Minas Tênis Clube Cinema, sessão das 18h10
Duração: 1h38
Classificação: 14 anos
País: França
Gêneros: drama / histórico