31 outubro 2019

"A Odisseia dos Tontos" - A 'tolice' como forma de resistência"


Pacatos moradores de uma cidade argentina se unem para recuperar o dinheiro roubado de suas contas (Fotos: Alfa Pictures/Divulgação)

Carol Cassese


Fãs do cinema que vai além do entretenimento só têm a agradecer à parceria firmada entre Ricardo Darín e Sebastián Borensztein. Dela já resultaram filmes memoráveis, como "Um Conto Chinês" (2011) e "Kóblic" (2016). Um terceiro título ao qual vale muito assistir entra em cartaz nesta quinta-feira (31), na cidade: trata-se de "A Odisseia dos Tontos" ("La Odisea de los Giles"), na qual o hoje rosto mais conhecido do cinema argentino contracena com seu filho, Chino Darín ("Uma Noite de 12 Anos") - e, sim, repetindo o laço familiar da vida real.

Como em "Kóblic", "A Odisseia dos Tontos" parte de um episódio real e traumático da história argentina para, na sequência, alçar voo rumo a outras direções - ainda que essas não se descolem totalmente do substrato original. Se na produção de 2016 o ponto de partida eram os chamados "voos da morte", prática inominável registrada durante o regime militar naquele país, aqui, o start é dado por um evento menos. Digamos horrorizante, mas igualmente avassalador: o "corralito", ou o confisco da poupança ocorrido no dia 3 de dezembro de 2001, quando quase US$ 70 bilhões em depósitos de poupadores foram congelados nos bancos. Os brasileiros já tinham vivido pesadelo similar em 1990, quando o governo do então presidente Fernando Collor de Melo confiscou a poupança de milhões de pessoas. 


No caso, Darín é Fermín Perlassi, um ex-jogador e hoje pacato cidadão que resolve formar uma cooperativa de grãos em um lugar abandonado. Os moradores da região são tipos modestos, de poucos recursos, de modo que o arrecadado nem de longe chega ao valor pedido pelo proprietário - mesmo com o desconto que esse resolve dar diante do entusiasmo de estar negociando com um ex-jogador regional de relativo êxito. A eles, soma-se uma senhora de relativas posses, sempre em conflito com o filho. 

Com a evidência de que terão de pedir um empréstimo para chegar ao total, Fermín deposita o que arrebanhou no cofre de uma instituição. Certo dia, o gerente o aconselha a passar esse dinheiro para pesos e depositá-lo na conta particular de Fermín, para que, ao ter o pedido de empréstimo analisado, a central enxergue ali, no saldo do solicitante, uma espécie de lastro para a concessão. 


O ex-jogador titubeia, pois, dentro do espectro do homem de bem, de um ser honesto - o tolo do título -, o certo seria, claro, consultar previamente os outros. Mediante a pressão do gerente, porém, ele acaba cedendo e transfere a "plata" para a sua conta - afinal, ok, seria uma estratégia para o bem comum... Bem, no outro dia, a Argentina amanhece sob o impacto do corralito. O dinheiro do grupo foi confiscado, e não há maneira mais traumática de os demais cooperados saberem da decisão que Fermín havia tomado horas antes.

A coisa não termina aqui. O caixa do banco que acompanhou a operação de transferência do dinheiro dos cooperados para a conta corrente de Fermín acaba confessando que o gerente sabia de antemão do iminente confisco, e teria propositadamente saqueado o dinheiro dos poupadores antes do anúncio oficial do governo, investindo-o em dólares. 


E como tragédia pouca é bobagem, um acidente de carro aniquila ainda mais o personagem, que passa a viver recluso em casa, a qual agora abriga também o filho - esse, diante da crise econômica, abandona os estudos para ficar atuando nos sinais de trânsito, tentando angariar alguns pesos limpando para-brisas. Um belo dia, o grupo recebe uma informação preciosa. Um dos envolvidos no golpe contratou um morador local para abrir um grande buraco numa zona erma vizinha, escondida por árvores, e em meio a uma pastagem. 

Sabiamente, acabam deduzindo que ele, na verdade, escondeu, ali, um cofre, onde estaria a fortuna desonestamente amealhada. A explicação é por demais óbvia: deixar o dinheiro longe do alcance das autoridades. Para proteger o local de visitantes indesejados, o golpista arma-se de um quase intransponível esquema de alarmes. Bem, dissemos quase. 

Munidos de muita sagacidade, o grupo entra em campo na tal odisseia (mais uma vez, do título) que tenta provar que a união faz toda a diferença... Até entre os considerados tolos pela sociedade capitalista selvagem que só visa o lucro, obtido a qualquer preço. E aí, o filme deixa o viés político principal para incorrer no território do suspense e da aventura. Com boas pitadas de comédia. Conseguirão os componentes do grupo burlar todo o engenhoso esquema e recuperar o dinheiro? 

Mas, que fique claro, se o fato "corralito" deixa de ser o mote principal, o viés social (que, claro, nunca deixa de estar atrelado ao político) segue ali, onipresente. E acrescido de outras abordagens interessantes, como a da relação mãe e filho focada. Para dar ritmo à ação, o filme perpassa vários gêneros musicais - da ópera da cena de início ao rock, passando pela valsa, numa trilha interessantíssima e marcante. A câmera também se mostra ágil e com excelentes sacadas de efeitos e edição... Combinando tudo isso a boas atuações e diálogos inteligentes, o resultado não poderia ser outro senão um filme para enternecer, torcer, vibrar, remexer na cadeira. Um filme para todos os tolos (no excelente sentido) do mundo.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Sebastián Borensztein
Produção: Alfa Pictures
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Duração: 1h56
Gêneros: Drama / Comédia / Aventura
Países: Argentina / Espanha
Classificação: 10 anos

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30 outubro 2019

"Re-costuras e Afetos" mostra a força do Cinema Negro no Galpão Cine Horto

Cena do filme “Pitanga”, de Camila Pitanga e Beto Brant (Fotos Divulgação)


Da Redação


De 4 a 25 de novembro, sempre às 19 horas, o Galpão Cine Horto irá homenagear o mês da Consciência Negra recebendo a Mostra de Cinema Negro: "Re-costuras e Afetos", organizada pelo Projeto Enquadro. Serão quatro sessões, duas com a exibição de longas e duas com curtas, totalizando dez filmes. A programação da mostra fará parte do Segunda tem Cinema, projeto do Cine Horto que oferece sessões gratuitas e comentadas por pesquisadores do cinema negro e por cineastas e atores dos próprios filmes em exibição. As exibições também entrarão como parte da edição de 2019 do Festival de Arte Negra – FAN. 


Programação

Dia: 4/11 - Filme
"Pitanga" (2016), de Camila Pitanga e Beto Brant
Duração: 1h53
*Com comentários de Amanda Lira e Gabriel Araújo, jornalista e fundadores do projeto Enquadro

Cena do filme "Café com Canela", de Glenda Nicácio e Ary Rosa
11/11 - Curtas-metragens
"Travessia" (2017), de Safira Moreira – 5’
"Favela em Diáspora" (2018), de Gabriela Matos – 22’
"Noir Blue" (2017), de Ana Pi – 27’
"Negrum3" (2019), de Diego Paulino – 22’
*Com comentários de Tatiana Carvalho Costa, professora do curso de cinema e audiovisual da UNA e Gabriela Matos, cineasta. Mediação: Gabriel Araújo

18/11 - Filme
"Café com Canela" (2017), de Glenda Nicácio e Ary Rosa
Duração; 1h42
*Com comentários de Fábio Rodrigues Filho, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFMG. Mediação : Amanda Lira e Gabriel Araújo

Cena do filme “Sem Asas”, de Renata Martins
25/11 - Curtas-metragens
"Sem asas" (2019), de Renata Martins – 19’
"Sophia" (2013), de Kennel Rógis – 14’
"Looping" (2019), de Maick Hannder – 11’
"Quintal" (2015), de André Novais Oliveira – 20’
*Com comentários de Norberto Novais Oliveira, ator, e Arthur Arantes, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFMG. Mediação : Amanda Lira

Serviço:
Mostra de Cinema Negro: "Re-costuras e Afetos"
Data: Todas as segundas-feiras, de 4 a 25 de novembro
Horário: 19 horas
Local: Galpão Cine Horto - Rua Pitangui, 3613 - Horto
Entrada: Gratuita
Mais informações: http://bit.ly/recosturaseafetos

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