28 agosto 2025

"O Último Azul" - a beleza da Amazônia em contraste com o descaso com a velhice

 
Drama ficcional dirigido por Gabriel Mascaro tem no elenco os premiados Rodrigo Santoro e Denise
Weinberg (Fotos: Guillermo Garza/Desvia Produções)

 

Maristela Bretas


Caudaloso sem ser monótono, como os rios da Amazônia; cruel e realista ao tratar da velhice, mas sem deixar que a esperança se apague. Assim é "O Último Azul", drama nacional distribuído pela Vitrine Filmes que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (28) e já acumula elogios e prêmios em festivais nacionais e internacionais.

Com direção de Gabriel Mascaro (“Boi Neon” - 2016), o longa aborda o desrespeito àqueles que um dia foram a força de trabalho do país e hoje são tratados como descartáveis. 

A frase "O Futuro é de Todos", que permeia a narrativa, como um vazio slogan de marketing estampado em uma faixa puxada por um avião que sobrevoa a cidade no início e no fim do filme. 

Na verdade, quem envelhece deixa de ser considerado produtivo e acaba "recolhido", como prisioneiro, em um asilo com nomes mais amenos, mas com o mesmo objetivo cruel: manter os idosos afastados da sociedade.


A Floresta como pano de fundo

Assim é a história de Tereza (Denise Weinberg), uma mulher de 77 anos que vive e trabalha em uma cidade na região amazônica até ser convocada oficialmente pelo governo a se mudar para uma colônia habitacional compulsória. Ali, os idosos "desfrutam" de seus últimos anos de vida, enquanto a juventude segue tocando o país, sem se preocupar com quem veio antes. 

Antes de partir, Teresa embarca em uma jornada pelos rios da Amazônia para realizar seu maior sonho. Nesse percurso, conhece pessoas diferentes da realidade que sempre viveu e descobre que ainda pode dar novo sentido à própria vida.


Denise Weinberg está impecável ao mostrar, em Tereza, tanto a resistência quanto as dores de quem enfrenta o desrespeito, a perseguição e o descaso — inclusive da própria filha e das autoridades.

"O Último Azul" altera imagens sutis para abordar o tratamento da velhice, como frases pintadas em muros, com outras de extrema crueldade, como as cenas do veículo "cata-velho". Teresa, como tantos outros idosos, torna-se prisioneira de um sistema que controla cada passo de sua existência. 



Grande elenco

É na travessia pelos rios e comunidades ribeirinhas que Teresa vai conhecer outros personagens que dividem com ela o protagonismo do filme. 

- Cadu, o pescador solitário e amargo vivido por Rodrigo Santoro, entrega uma interpretação intensa e arrebatadora. É ele quem revela a Teresa os mistérios da região (e explica o nome do filme), enquanto expõe seus próprios fantasmas.


- Roberta, a barqueira e missionária interpretada com delicadeza pela atriz cubana Miriam Socarrás, estabelece com Teresa uma amizade verdadeira, marcada por maturidade, respeito, afeto e também sexualidade, que o filme mostra existir na velhice, sem amarras.

- Ludemir, interpretado pelo ator indígena Adanilo, dá ainda mais força ao elenco. Conhecido de produções nacionais e novelas, ele interpreta um mecânico que se conecta de forma especial à protagonista. 


Premiações internacionais

“O Último Azul” foi vencedor de três prêmios na 75ª edição do Festival de Berlim de 2025, incluindo o Urso de Prata - Grande Prêmio do Júri. Também conquistou no Festival de Guadalajara, no México, a estatueta de Melhor Filme Ibero-Americano de Ficção e o Prêmio Maguey de Melhor Interpretação para Denise Weinberg.

Produção é uma viagem espiritual e de redescoberta, que emociona pela leveza e impacta pela dureza de suas verdades, potencializada pela riqueza de detalhes e as imagens produzidas ao longo dos rios da sempre exuberante Amazônia. 

E uma trilha sonora que conta com Maria Bethânia interpretando "Rosa dos Ventos". Demais!


Ficha técnica:
Direção: Gabriel Mascaro
Roteiro: Gabriel Mascaro e Tibério Azul
Produção: Desvia (Brasil) e Cinevinat (México), com coprodução Globo Filmes, Quijote Films (Chile) e Viking Film (Países Baixos)
Distribuição: Vitrine Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h25
Classificação: 14 anos
Países: Brasil, México, Chile e Países Baixos
Gêneros: drama, ficção


27 agosto 2025

Documentário retrata a cadência (no samba e na vida) de Moacyr Luz

Obra dirigida por Tarsilla Alves é recheada de causos e passagens da vida do admirado e respeitado
sambista carioca (Fotos: Bretz Filmes)


Eduardo Jr.


O documentário “Moacyr Luz, O Embaixador Dessa Cidade” é uma oportunidade de conhecer e homenagear um dos mais carismáticos sambistas cariocas. E eu posso provar: em certo momento o biografado diz: “ouvi uma vez que a cada torresmo que a gente come a gente perde 15 minutos de vida; então, pelas minhas contas, eu devo ter morrido em 2014”. Como não gostar de uma figura dessas?

É na pegada dos causos e passagens que Tarsilla Alves faz sua estreia na direção, apontando a câmera para o cotidiano de Moacyr Luz e deixando que ele nos apresente seu mundo em sete dias. A obra tem distribuição da Bretz Filmes e está em exibição no Cine Una Belas Artes


A divisão dos capítulos do documentário é “diária”. Na tela, um lettering que parece escrito à mão, como nos mercados populares, anuncia o dia e a quê se refere. Uma escolha coerente para falar de um ritmo que nasceu manual, sendo caracterizado por instrumentos de percussão como pandeiro, cuíca e tantan, e embalado nas melodias do cavaquinho. 

O primeiro ato chega a causar estranhamento ao mostrar o sambista carioca em uma apresentação em um bar… de São Paulo. A câmera acompanha a fila do estabelecimento dobrando o quarteirão, provando não haver fronteiras para a qualidade musical de “Moa”, como ele é carinhosamente chamado. E a câmera, sabiamente, recorre à metáfora e mostra a cabeça de Moacyr acima das outras. É a criatividade acima da média. 


Mas é no Rio de Janeiro, a cidade natal que o compositor defende com paixão, que a história se desenvolve. Como boêmio inveterado que é o cenário não podia ser outro: a rua. 

É nas praias, feiras, botecos e, sobretudo, nas rodas de samba — onde canta de pé, como quem dispensa o trono que lhe caberia no panteão da música — que Moa constrói suas relações. 

Desses territórios vêm os depoimentos de amigos e admiradores. Entre eles, nomes como Maria Bethânia, Teresa Cristina, Zeca Pagodinho, Guinga, Zé Renato, Jards Macalé, a mãe de Moacyr e até a viúva de Aldir Blanc, parceiro de composição. 


Ao falar sobre Blanc, o documentário encontra uma ponta de tristeza. Os dois descobriram morar no mesmo prédio durante uma carona. Apesar da ótima história sobre a composição de “Coração do Agreste”, tema de Beth Faria em “Tieta”, Moacyr conta, saudoso: “com Hélio Delmiro aprendi a ouvir e com Aldir Blanc aprendi a falar”. 

A cena se passa entre os milhares de livros de Blanc, numa recordação da amizade que ensinou muito a Moa. “Quando cheguei ele já tinha lido a metade disso tudo, e eu não tinha lido nenhum; por isso ele tinha tanta coisa pra compor, pra contar”.  


Samba do Trabalhador

Moacyr Luz é conhecido por uma roda de samba que criou (ou simplesmente aconteceu, como afirma um dos amigos) e que há duas décadas atrai muita gente: o Samba do Trabalhador. 

Toda segunda-feira à noite uma multidão se reúne no Clube Renascença, no Andaraí. O local já foi palco para Beth Carvalho e Martinho da Vila, e é onde o velho Moa, ainda que não tenha mais a destreza da juventude, luta pela resistência do gênero. 

Mesmo que o samba movimente o corpo e faça o espectador sorrir e querer dançar, a câmera desliza pelos instrumentos e acompanhando o biografado. 

As mãos trêmulas, a fala quase arrastada e os passos numa cadência diferente, mais lenta, são observados com gentileza pela lente, deixando de lado os problemas de saúde de Moacyr. 


Imagens de arquivo e cenas do filme "Dia de Feira com Moacyr Luz" (2005, direção de Hugo Moss) também trazem detalhes da vida do compositor, que escreve de trilha de novela a samba-enredo e tinha a música como destino. 

Neto favorito de um avô clarinetista do Corpo de Bombeiros, ele chegou ao Méier e conheceu o guitarrista Hélio Delmiro, que foi um grande professor para ele. 

Se no início do longa Moacyr pede licença à estátua de Pixinguinha para que o filme seja batizado com o título informal de embaixador, dado por algumas pessoas ao flautista autor do famoso chorinho “Carinhoso”, no decorrer do documentário Moa se mostra merecedor da honraria. 

Pelas esquinas e batucadas vai conciliando, agregando pessoas e semeando lições em suas letras. Sempre com algum petisco e uma bebida. Afinal, como o próprio Moacyr escreveu em parceria com Toninho Geraes, “amigo eu nunca fiz bebendo leite, amigo eu não criei bebendo chá”. 


Ficha Técnica:
Direção: Tarsilla Alves
Roteiro: Gabriel Meyohas e Hugo Sukman
Produção: RodaFilmes e OndaFilmes
Distribuição: Bretz Filmes
Duração: 1h35
Exibição: Cine Una Belas Artes - sala 1
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gêneros: documentário, biografia