20 abril 2020

"Sergio": um filme para ver em tempos de mediocridades

A breve e exemplar história de um verdadeiro herói brasileiro (Fotos: Netflix/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


É bem possível que digam que o filme "Sergio" foi demasiadamente romanceado. Em cartaz desde 17 de abril no Netflix, o longa estrelado magistralmente por Wagner Moura narra boa parte da brilhante carreira do brasileiro Sérgio Vieira de Mello, diplomata que comandou missões importantes na ONU - Organização das Nações Unidas - até morrer num atentado à sede da instituição em Bagdá, em 2003. O ato terrorista foi assumido na época pela Al Qaeda, em que morreram mais 21 pessoas. E, é bom salientar, não é a primeira vez que o cinema se vale de romances para colorir e dar nuances a trajetórias de heróis, mártires e guerreiros.

De tão profícua, bonita e cheia de aventuras, a breve história de Sérgio Vieira de Mello talvez tenha levado o diretor e documentarista americano Greg Barker a dar peso e importância ao romance do diplomata com a economista e colega argentina Carolina Larriera que, depois, se tornaria sua mulher. Mas, de forma alguma, essa opção tira o foco ou desmerece o longa que, na verdade, faz um recorte da carreira do brasileiro.



O filme destaca sua passagem pelo Timor-Leste, mostrando seu jeito peculiar de lutar pela independência da colônia portuguesa do jugo da Indonésia. E, claro, focaliza sua última missão, num Iraque perdido e destruído após a queda de Saddam Hussein. Pode parecer pouco, para quem já tinha passado por trabalhos não menos espinhosos em Bangladesh, Camboja, Líbano, Bósnia, Kosovo e Ruanda. 

Wagner Moura e o verdadeiro Sérgio Vieira de Melo (D)
Mas é impossível contar uma vida tão rica num filme. Afinal, dirigir é também fazer escolhas, priorizar, mesmo que esse diretor seja um profundo conhecedor do personagem, como é o caso de Barker, que já dirigiu um documentário sobre o tema e nome - "Sergio" -, que também pode ser conferido no Netflix. Há tanta verdade, tanta química e tanta beleza no encontro amoroso entre Sérgio e Carolina, muito pela força e talento dos dois intérpretes, que, em vez de distrair, a relação reforça o idealismo do personagem. Além, é claro, de tornar mais acessível e humana uma trajetória que poderia tornar-se desinteressante se fosse contada de forma burocrática e linear. As belas cenas de amor e paixão do casal humanizam, dão leveza, cor e sabor ao filme.


Importante destacar: se a maioria dos brasileiros conhece de sobra o talento e virtuosismo de Wagner Moura, não se pode dizer o mesmo da atriz cubana Ana de Armas ("Blade Runner 2049" - 2017 e "Entre Facas e Segredos" - 2019) e, uma grata surpresa. Bonita e charmosa, ela compõe uma mulher forte que, por vezes, se fragiliza diante do trabalho quase obsessivo do parceiro, empenhado em missões humanitárias mundo afora. 

A opção por construir o roteiro em insistentes flashbacks, que podem até incomodar no início, mostra-se acertada ao longo da trama. Afinal, trata-se de uma história conhecida, em que todos já sabem o final. A forma, portanto, que imprime dinamismo à narrativa, acaba por prender o espectador, que vai conhecendo, aos poucos, detalhes da vida do diplomata, descobrindo sua sensibilidade e seu jeito de tratar como humanas questões que podem parecer meramente políticas. Destaque para a cena em que Sérgio se emociona ao conversar com uma artesã numa espécie de mercado no Timor-Leste. Impossível não se comover.



É por meio dessas idas e vindas, que o público fica sabendo, por exemplo, que Sérgio Vieira de Mello foi estudante em Paris, onde participou das históricas manifestações de maio de 1968, talvez uma semente plantada para transformá-lo, depois, no que ele viria a ser uma peça fundamental no trabalho da ONU, batalhador incansável pelos direitos humanos, às vezes disposto a conflitos com os poderosos como ocorreu com George W. Bush. Ficou faltando, nessa sequência lógica de flashbacks, alguma citação, uma referência mínima que fosse, à primeira mulher de Sérgio Vieira de Mello, mãe dos dois filhos dele que aparecem no filme.



Pode-se gostar ou não do roteiro, do romance, da forma. Mas é inegável a riqueza do conteúdo de "Sergio". Em tempos como o que vivemos, onde se destacam líderes egoístas e incapazes de gestos de altruísmo e empatia, o exemplo de vida desse brasileiro que não teve tempo de viver sua aposentadoria no Arpoador, como planejava, não deixa de ser um alento.

PS: um dos produtores de "Sergio", junto com Wagner Moura, é o belo-horizontino Daniel Marc Dreifuss, que trabalha na Califórnia.



Ficha técnica:
Direção: Greg Barker
Produção: Netflix
Duração: 1h58
Gêneros: Drama / Biografia
País: EUA
Classificação: 12 anos 

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