12 dezembro 2025

"Sorry, Baby" reflete sobre o impacto de uma agressão sexual na vida de uma mulher

A cineasta e roteirista franco-americana Eva Victor também protagoniza este drama que narra sua própria experiência no passado (Fotos: A24)
 
 

Patrícia Cassese

 
No dia 19 de novembro deste ano, a Organização Mundial da Saúde divulgou dados apontando que cerca de 840 milhões de mulheres em todo o mundo já sofreram algum episódio de violência doméstica ou sexual ao longo da vida. 

Na ocasião, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da agência especializada da ONU, lembrou que, por trás de cada um desses corpos que compõem a estatística, uma vida foi alterada para sempre. 

O número, claro, pode ser muito maior, já que muitas vítimas sequer denunciam as agressões sofridas. Em cartaz no Cineart Ponteio e demais cinemas, "Sorry, Baby", primeiro longa-metragem da cineasta e roteirista franco-americana Eva Victor, tem como espinha dorsal justamente um caso de abuso. 


No caso, impetrado por um homem do círculo de convívio da vítima - o orientador da tese da personagem central, a estudante Agnes, interpretada pela própria Eva, hoje com 31 anos.

Embora o início da narrativa flagre a personagem passados alguns anos do fatídico episódio, não demora para que o espectador tenha a contextualização dos eventos que antecederam esse momento. 

Agnes é abusada pelo professor/orientador Preston Decker (Louis Cancelmi) durante um encontro na casa do docente, teoricamente articulado por uma revisão de alguns pontos do trabalho da garota - o qual, aliás, ele tece elogios. A câmara não mostra exatamente o que acontece ali dentro. 


O detalhamento possível (posto que um acontecimento desse impacto não raro turva a mente da vítima) chega ao público por meio do relato de Agnes à amiga com a qual divide a casa, Lydie (Naomi Ackie). 

De todo modo, a diretora marca pontos ao, no momento em que a violência se desenrola, fixa a câmera diante da parte frontal da residência de Decker, passando a sinalizar a passagem das horas pela variação cromática que marca o dia. 

A sequência encerra-se com a noite já caída, quando Agnes sai apressada e extremamente nervosa da casa, preocupada em amarrar os cadarços de suas botas e sem olhar para trás. 


Corroborando as palavras do diretor da OMS, citadas no início da matéria, naquele dia, a vida de Agnes é, pois, alterada para sempre. Ao contrário das mulheres que silenciam, porém, ela resolve sim, se submeter a um exame de corpo de delito até para ter subsídios em uma eventual denúncia contra o agressor. 

As perguntas protocolares do médico - sim, um homem - encarregado do atendimento já deixam claro que Agnes não vai encontrar, ali, a guarida necessária. 

Mais tarde, ao tentar levar o caso à própria instituição de ensino, a jovem se depara com outra barreira: horas antes, a pretexto de ir morar em Nova Iorque, o agressor se desligou do quadro de funcionários da universidade. Assim, como o relato da dicente se dá após a saída dele, eventuais sanções profissionais não podem mais ser aplicadas por lá.


Em um misto de raiva, dor, impotência, Agnes chega a pensar em soluções extremas, embora não leve o plano que lhe acorre à cabeça a cabo. Resta-lhe, pois, seguir tocando a vida, ainda que as implicações do ocorrido sigam assombrando a garota, num compasso demarcado com muita sagacidade pela diretora. 

Inclusive na escolha dos figurinos pós-evento, severos, marcados por tons sombrios, fechados, e de modelagem ampla, inclusive "masculinizada" - como se fosse uma saída inconsciente para que seu corpo deixe de provocar desejo nos homens.

Neste percurso, várias nuances de uma agressão sexual são abordadas de forma muito competente. Caso da reconexão de Agnes com a possibilidade de afeto, ativada quando, no meio de um trajeto, se depara com um filhote de gato. Ou seja, um ser que demanda cuidados. 


Ou, ainda, de uma situação inusitada e específica que envolve o felino. Da mesma maneira, quando ela entende ser o momento de tentar reativar a pulsão sexual, que foi bruscamente interrompida. 

Há uma cena particularmente curiosa, quando a jovem, escolhida para compor um corpo de jurados, pede ao tribunal que seja dispensada, por ter vivido uma situação de violência que pode influenciar em suas deliberações. 

Ao ser instada a falar mais detalhes, ela pontua que não quer compartilhar o episódio que sofreu com estranhos. No entanto, em outra cena, é a um estranho - um homem que vende sanduíches - que a socorre em um ataque de pânico que ela resolve se abrir um pouco. Aliás, atenção para esse diálogo, muito contundente e assertivo.


A palavra "sorry", do título, é proferida durante o filme mais de uma vez, inclusive na já referida situação envolvendo o gato. Mas é no final, quando Agnes estabelece uma conversa com um interlocutor muito particular (não dá para citar pormenores), é que o filme endossa o que já de certa forma já estava no cerne da conversa com o vendedor de sanduíches, com a amiga de vida e mesmo com o vizinho de casa. 

Se não há nada que possa afastar o mal de nosso caminho, que pelo menos seja possível encontrar pessoas que possam nos ajudar a reunir forças para seguir adiante.


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Eva Victor
Produção: High Frequency Entertainment, Big Beach, Tango Entertainment, Pastel
Distribuição: Mares Filmes e Alpha Filmes
Exibição: Cineart Ponteio e rede Cinemark
Duração: 1h44
Classificação: 14 anos
Países: Espanha, França
Gêneros: drama, comédia

11 dezembro 2025

"Sexa" acerta na direção, mas não aprofunda nos temas ligados aos 60+

Primeiro longa dirigido por Glória Pires aborda o medo do envelhecimento e o preconceito da sociedade
(Fotos: Helena Barreto/Divulgação)
 
 

Marcos Tadeu
Blog Jornalista de Cinema

 
Glória Pires faz sua estreia por trás das câmeras dirigindo o longa "Sexa", também protagonizado por ela, que entrou em cartaz nos cinemas nesta quinta-feira. 

A produção revela uma artista que não apenas atua com força, mas também assume com segurança a condução narrativa de um filme sensível e bem-humorado. 

"Sexa" reúne um elenco cheio de rostos conhecidos: Thiago Martins, Isabel Fillardis, Danilo Mesquita, Eri Johnson, Rosamaria Murtinho, Dan Ferreira e Déa Lúcia, em um projeto produzido pela Giros Filmes em parceria com a Audaz Filmes e distribuído pela Elo Estúdios.


A história acompanha Bárbara (Glória Pires), uma revisora de 60 anos que enfrenta o medo do envelhecimento e compartilha suas dúvidas e descobertas com a melhor amiga, Cristina (Isabel Fillardis). 

Após sucessivas frustrações afetivas, ela acredita ter encerrado a vida amorosa até conhecer Davi (Thiago Martins), um viúvo bem mais jovem que a faz revisitar suas certezas. 

A partir desse encontro, acompanhamos a protagonista mergulhar em seus próprios desejos, inseguranças e no embate entre o que sente e o que a sociedade espera dela. 

A diferença geracional entre o casal é tratada com naturalidade, revelando como carregamos frases que reforçam padrões rígidos de envelhecimento, como “tenho idade para ser sua mãe/avó”. 


Essas barreiras externas acabam alimentando uma autocrítica dura, marcada pelo medo de “não acompanhar”, pela comparação com a juventude e pelo receio do julgamento. 

Bárbara vive esse conflito de forma tão crível que se torna fácil se reconhecer nela, apesar de o filme poder explorar ainda mais essas camadas internas. 

Existem momentos dramáticos baseados principalmente na ideia de que uma relação com alguém mais jovem não dará certo, pois ele poderia escolher alguém da própria idade e não uma mulher sexagenária.


O grande mérito da obra está em desmontar, com delicadeza, o etarismo afetivo. A relação entre uma mulher de 60 anos e um homem de 35 surge com espontaneidade, mas é atravessada por um tabu social que recai quase exclusivamente sobre mulheres. 

Enquanto romances entre homens mais velhos e mulheres jovens são normalizados, o oposto ainda causa desconforto. 

O filme confronta esse padrão ao afirmar que afeto, desejo e recomeço não têm prazo de validade e que mulheres maduras continuam potentes, inteiras e dignas de viver histórias de amor.


Glória Pires também acerta no humor, usando referências populares — como o meme “não sou capaz de opinar” — de forma inteligente, sem enfraquecer o tema central. 

Há cuidado na construção da individualidade da protagonista e na forma como ela ressignifica sua autoestima e seu corpo. A personagem Bárbara tem vida própria, vai à boate, sai com a amiga, e se permite viver.

O ponto menos desenvolvido fica por conta do arco envolvendo o filho dela, interpretado por Danilo Mesquita. Ele surge como um jovem pai controlador, moralista e dependente da mãe, especialmente nas decisões sobre a educação do filho dele. 


Embora esse conflito traga questões importantes como machismo estrutural, padrões familiares e as diferenças etárias, algumas soluções do roteiro soam abruptas. A mudança do personagem acontece de forma rápida demais, enfraquecendo a potência dessa parte da narrativa.

O filme também poderia explorar mais atividades que os sessentões realizam, no sentido de mostrar seu bem-estar e sua rotina, algo que seja cotidiano e orgânico. 

Sabemos que a vida é imprevisível e cheia de surpresas, mas parece haver certo receio de mostrar que pessoas acima dos 60 anos são ativas, lúcidas e têm desejos e vontades como qualquer outra.


No conjunto, "Sexa" se estabelece como um filme que celebra mulheres nesta faixa de idade e reafirma seu direito ao amor e ao recomeço, mesmo quando a sociedade insiste em dizer o contrário. 

É uma obra que emociona pela honestidade, diverte com sutileza e abre conversas necessárias, apesar de aprofundar pouco em algumas reflexões. Mas entrega uma conclusão limpa e coerente com o que propõe.


Ficha técnica:
Direção: Glória Pires
Produção: Giros Filmes e Audaz Filmes, coprodução da Paramount Pictures e Riofilme
Distribuição: Elo Studios
Exibição: Cinemark Pátio Savassi
Duração: 1h30
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gêneros: comédia, romance