12 julho 2025

“Yõg ãtak: Meu Pai, Kaiowá” é a própria história em movimento

Um filme feito por indígenas, com indígenas, para indígenas, mas também o reflexo do Brasil
(Fotos: Embaúba Filmes)
 
 

Silvana Monteiro

 
Em cartaz nos cinemas, “Yõg ãtak: Meu Pai, Kaiowá” é um documentário que se apresenta como um memorial à identidade, à terra indígena, seus filhos e filhas. É uma obra que eu ousaria em batizar de: “os indígenas ainda estão aqui”, apesar de todas as injustiças as quais não devemos nos esquecer. 

Dirigido por Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero e Luisa Lanna, o filme acompanha a travessia das irmãs Maxakali em busca da memória de seu pai, Luiz Kaiowá, separado delas há 40 anos, durante a ditadura militar. O que começa como um retrato íntimo logo se revela parte de uma memória coletiva, marcada por silenciamentos, apagamentos, dor. 


O desaparecimento forçado, que muitos brasileiros ainda insistem em relativizar, se mostra aqui em sua dimensão mais cruel: a que atinge o afeto, a identidade, o pertencimento não só de duas mulheres, mas de um povo.

O tempo cênico do filme é o tempo da escuta. Nada se apressa. Os planos longos, a cadência dos gestos, o caminhar da câmera, tudo nos convida a permanecer para procurar e saber. Não se trata de observar de fora, mas de estar junto, de ouvir o relato dos mais velhos, daqueles guardiões da memória. 

O cinema, nesse caso, é de imersão. E como quem procura só deseja encontrar, de qualquer forma que seja a obra nos faz sentir que estamos juntos, olhando pelos olhos de quem busca e buscando com eles. 

Família kaiowá-makaxali, que se reencontrou
40 anos depois, em 2022, na aldeia Panambizinho:
da esquerda para a direita, Sueli Makaxali,
Ceila Kaiowá, Luis Kaiowá,  Maiza Makaxali
e Vanusa Makaxali

Um filme feito por indígenas, com indígenas, para indígenas, mas também o reflexo do Brasil. Um país, que embora indígena, precisa, com urgência, se reconhecer em suas ausências e encarar o que fez e ainda faz com seus povos originários.

A busca pelo reencontro com o pai é também uma forma de reencontrar a língua, a visão de mundo, a terra como extensão do corpo. E a presença de Sueli, não só diante das câmeras, mas atrás delas, conduzindo a narrativa da sua própria vida, é de uma potência rara. 

A beleza do filme está nesse entrelaçamento entre o pessoal e o coletivo, entre a busca, os vácuos, os encontros, entre o que foi tirado e o que resiste. A terra, por sua vez, tal como território e dimensão do ser, não é só o cenário da obra, é a territorialização de corpo e alma.  


Ponto alto para as cenas de ritos, o cotidiano do cozer a roupa e o dividir do alimento entre os parentes, a conquista de direitos básicos e os diálogos intimistas. Bem como as lutas enfrentadas pelos povos indígenas Tikmũ’ũn e Kaiowá em defesa de seus territórios e modos de vida.

Ao fim, embora dê um nó na garganta, essa sensação é necessária à composição e missão dessa obra. Há um vazio que permanece e um incômodo que se recusa a ir embora. 

“Yõg ãtak: Meu Pai, Kaiowá” é mais do que um filme sobre o passado. É um lembrete de que a democracia que construímos, ou achamos ter construído, não é plena enquanto essas histórias não forem plenamente reconhecidas e ressignificadas.


Gravações em Minas e Mato Grosso do Sul

As filmagens foram realizadas tanto na Aldeia-Escola-Floresta, retomada em 2021 por cem famílias maxakali em Minas Gerais, quanto nas Terras Indígenas Panambi-Lagoa Rica, Panambizinho e Laranjeira Ñanderu, do povo Guarani Kaiowá, em Mato Grosso do Sul.
 
Os dois territórios ainda são marcados pelas graves violações de direitos humanos que sofreram no período militar, como o esbulho de terras e remoções forçadas. 

"Yõg ãtak: Meu Pai, Kaiowá" já recebeu os prêmios de Melhor Direção no Festival de Brasília (2024), Melhor Filme pelo Júri Popular no Festival Cachoeira DOC e entrou na Seleção Oficial Olhar de Cinema, do Festival de Curitiba, ambos em 2025.


Ficha técnica:
Direção: Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero, Luisa Lanna
Roteiro: Sueli Maxakali, Roberto Romero, Tatiane Klein e Luisa Lanna.
Produção: Escola Aldeia Floresta, Batráquia Filmes, Filmes de Quintal, Javali do Mar
Idioma: Maxakali, Kaiowá, Português (com legendas)
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: UNA Cine Belas Artes e Centro Cultural Unimed-BH Minas
Duração: 1h33
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: documentário

10 julho 2025

James Gunn acerta com seu "Superman” mais humano e menos super

David Corenswet entrega uma boa atuação do herói da capa vermelha nesta nova versão (Fotos: Warner Bros.)
 
 

Maristela Bretas

 
Um super-herói que se distancia das versões anteriores mostradas no cinema e se revela mais humano. Este é o novo "Superman" que estreia  nos cinemas oferecendo uma visão diferenciada do diretor e roteirista James Gunn (da aclamada franquia "Guardiões da Galáxia" - 2014, 2017 e 2023). A trama é repleta de muita ação, questionamentos políticos e sociais e grandes efeitos visuais, expostos de maneira audaciosa e eficaz.

Gunn escolhe não revisitar a história original e já conhecida do alienígena Kal-El: sua chegada à Terra, o despertar dos poderes, a entrada no Planeta Diário como Clark Kent, o encontro com Lois Lane e o surgimento de Lex Luthor em sua vida. 


Esqueça tudo isso. Quem já viu qualquer filme do Superman já sabe estes pontos, e Gunn não quis ser repetitivo. Optou por abrir com um breve histórico em texto e entrar diretamente no presente, com o herói em meio a confrontos e apanhando muito. 

Uma vulnerabilidade que o torna mais humano, confirmando a icônica frase de Batman em "A Origem da Justiça" (2016) - "o Superman sangra".

Além de sangrar, o Homem de Aço, interpretado por David Corenswet, mostra-se mais emotivo, romântico, sofre com as críticas que recebe pela forma de agir em favor da salvação do planeta Terra e de seus habitantes. Admito que fui com poucas expectativas para este filme e me surpreendi com a boa interpretação do personagem feita por Corenswet. 


Apesar de ser muito parecido fisicamente com Henry Cavill, seu antecessor (que é ainda mais bonito), ele tem um olhar mais doce. Ele passa mais credibilidade ao demonstrar o amor por Lois Lane (Rachel Brosnahan) e a importância da família em sua formação. 

Sem esquecer a preocupação com a humanidade e os animais, do esquilo ao cachorro, estando sempre pronto para tentar salvar todos que puder. Nesta nova versão, Clark Kent aparece pouco, deixando o protagonismo para o Superman.


Destaque absoluto para a atuação de Nicholas Hoult como Lex Luthor. O ator vem realizando ótimos trabalhos e está excelente no papel do gênio bilionário, arrogante, machista e invejoso, cuja obsessão é destruir o Superman - o alienígena que conquistou a humanidade e é responsável por sempre frustrar seus planos.

Hoult entrega um vilão à altura do personagem, que vai de explosões de fúria a momentos de choro quanto seus planos falham. O ator talvez seja um dos melhores ou o melhor Lex Luthor já apresentado pelo cinema.


Outro ponto alto é o fofo e alucinado Krypto, o cão que Superman está cuidando temporariamente para sua prima Supergirl. As cenas em que ele aparece, criadas em CGI, são as mais divertidas e, em algumas situações, decisivas, especialmente pela forma descontrolada como ele se comporta. Nem o Homem de Aço dá conta de tanta adrenalina canina. Apaixonei pela versão macho do meu cachorro.

A Lois Lane de Rachel Brosnahan também ganha mais tempo de tela e também é essencial em diversas cenas. Com habilidade, o diretor aproveita para relembrar a franquia "Guardiões da Galáxia" ao colocar a jornalista pilotando uma espaçonave no estilo de Peter Quill/Star Lord.


"Superman" também entrega efeitos visuais incríveis, dignos de um grande super-herói dos quadrinhos e da telona. Embora algumas informações tecnológicas complexas possam deixar o público em geral confuso (os fãs "nerds" vão entender), isso nada impede a compreensão do enredo.

A trama é recheada de monstros gigantescos, Inteligência Artificial avançada e portais tridimensionais. Além disso, dá uma "cutucada" nada sutil em conflitos mundiais e nos replicadores de fake news que trabalham incessantemente para destruir a imagem do super-herói. 

Outros super-heróis atuam também na defesa de Metrópolis e do mundo: Lanterna Verde (Nathan Fillion, num papel que deixa o personagem abobalhado), Isabela Merced (Mulher Gavião) e Edi Gathegi (Senhor Incrível). 


O elenco conta ainda com nomes conhecidos em papéis menores como Bradley Cooper, Frank Grillo, Maria Gabriela de Faria, Skyler Gisondo, Milly Alcock, entre outros. 

Até William Reeve, filho caçula de Christopher Reeve, o primeiro e um dos mais queridos Superman do cinema, teve uma breve aparição no longa como o âncora de um noticiário. 

A música-tema original, composta por John Williams, ganhou novas versões e continua marcante nos principais momentos do super-herói. Associada a ela, a trilha sonora sob a batuta de John Murphy reunindo outros sucessos, está disponível no Spotify.


James Gunn acertou na escolha do elenco, na qualidade dos efeitos visuais e na abordagem da narrativa para contar a história de um dos mais emblemáticos super-heróis da DC, sem cair na mesmice. 

Mas será o sucesso nas bilheterias de "Superman", adaptado dos quadrinhos de Jerry Siegel e Joe Shuster, que irá ditar a fórmula a ser aplicada nas próximas produções do estúdio. 

Esta ficou ótima e merece ser assistida em IMAX ou 3D para uma experiência mais completa. Uma dica: não saia correndo da sala de cinema, o filme tem duas cenas pós-credito.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: James Gunn
Produção: DC Studios, Warner Bros.
Distribuição: Warner Bros Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h09
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: ação, ficção, aventura