17 dezembro 2025

Comédia “Perfeitos Desconhecidos” ganha versão brasileira, mas contraria o gênero

Produção nacional sob a direção de Júlia Jordão tem elenco conhecido de TV e cinema (Fotos: Desirée do Vale)
 
 

Eduardo Jr.

 
A lista de comédias nacionais ganha mais uma obra. O filme “Perfeitos Desconhecidos”, em cartaz nos cinemas, apresenta um grupo de amigos que decide brincar de expor todas as mensagens e ligações que receberem no celular. 

O longa, dirigido por Júlia Jordão, é uma das 24 versões do sucesso italiano “Perfetti Sconosciuti”, dirigido em 2016 por Paolo Genovese.  

A experiência para a imprensa já começa negativa, pois o link enviado pela distribuidora para os profissionais traz uma marca d’água, em tamanho gigante, que fica no meio da tela durante os 90 minutos do filme. 


Se o original italiano foi um sucesso, entrando para o Guinness Book como o filme com maior número de remakes da história, na versão brasileira o churrasco dos amigos que tentam provar que não têm o que esconder fracassa na tentativa de arrancar risos.

No elenco, Sheron Menezzes, Danton Mello, Débora Lamm, Gisele Itié, Fabrício Boliveira vão acumulando cenas nas quais o drama ganha maior proporção. E a atuação do casal adolescente vivido por Madu Almeida e Luigi Montez consegue, no máximo, irritar o espectador.  

A história tem ares de adaptação teatral, poderia facilmente ser transportada para os palcos. Carla e Gabriel (Sheron e Danton) acabaram de se mudar para uma bela casa, e recebem os amigos para apresentar o espaço: o solteirão pegador João (Boliveira), e o casal vivido por Luciana (Gisele Itié) e Paula (Débora Lamm). 


O atrito começa quando a filha dos anfitriões, Alice (Madu Almeida), se irrita com o controle da mãe sobre sua vida e o uso do celular. Ela diz que não tem nada a esconder, e que duvida que os adultos tenham coragem de deixar os celulares desbloqueados com todo o conteúdo à disposição. 

Aí vem a sequência de apitos de mensagens que tentam criar tensão, apresentando pistas falsas e deixando no ar os possíveis segredos de cada um. Com sonoplastia discreta e a câmera atuando de forma quase didática em alguns momentos, a obra entrega zero momentos engraçados. 

Mais uma obra de comédia brasileira. Porém, na categoria de filmes esquecíveis. 


Ficha Técnica:
Direção: Júlia Jordão
Produção: Quitanda Filmes, coprodução Arpoador Filmes e Sony Pictures
Distribuição: Sony Pictures
Duração: 1h31
Exibição: salas da rede Cineart e demais cinemas
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gênero: comédia

12 dezembro 2025

"Sorry, Baby" reflete sobre o impacto de uma agressão sexual na vida de uma mulher

A cineasta e roteirista franco-americana Eva Victor também protagoniza este drama que narra sua própria experiência no passado (Fotos: A24)
 
 

Patrícia Cassese

 
No dia 19 de novembro deste ano, a Organização Mundial da Saúde divulgou dados apontando que cerca de 840 milhões de mulheres em todo o mundo já sofreram algum episódio de violência doméstica ou sexual ao longo da vida. 

Na ocasião, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da agência especializada da ONU, lembrou que, por trás de cada um desses corpos que compõem a estatística, uma vida foi alterada para sempre. 

O número, claro, pode ser muito maior, já que muitas vítimas sequer denunciam as agressões sofridas. Em cartaz no Cineart Ponteio e demais cinemas, "Sorry, Baby", primeiro longa-metragem da cineasta e roteirista franco-americana Eva Victor, tem como espinha dorsal justamente um caso de abuso. 


No caso, impetrado por um homem do círculo de convívio da vítima - o orientador da tese da personagem central, a estudante Agnes, interpretada pela própria Eva, hoje com 31 anos.

Embora o início da narrativa flagre a personagem passados alguns anos do fatídico episódio, não demora para que o espectador tenha a contextualização dos eventos que antecederam esse momento. 

Agnes é abusada pelo professor/orientador Preston Decker (Louis Cancelmi) durante um encontro na casa do docente, teoricamente articulado por uma revisão de alguns pontos do trabalho da garota - o qual, aliás, ele tece elogios. A câmara não mostra exatamente o que acontece ali dentro. 


O detalhamento possível (posto que um acontecimento desse impacto não raro turva a mente da vítima) chega ao público por meio do relato de Agnes à amiga com a qual divide a casa, Lydie (Naomi Ackie). 

De todo modo, a diretora marca pontos ao, no momento em que a violência se desenrola, fixa a câmera diante da parte frontal da residência de Decker, passando a sinalizar a passagem das horas pela variação cromática que marca o dia. 

A sequência encerra-se com a noite já caída, quando Agnes sai apressada e extremamente nervosa da casa, preocupada em amarrar os cadarços de suas botas e sem olhar para trás. 


Corroborando as palavras do diretor da OMS, citadas no início da matéria, naquele dia, a vida de Agnes é, pois, alterada para sempre. Ao contrário das mulheres que silenciam, porém, ela resolve sim, se submeter a um exame de corpo de delito até para ter subsídios em uma eventual denúncia contra o agressor. 

As perguntas protocolares do médico - sim, um homem - encarregado do atendimento já deixam claro que Agnes não vai encontrar, ali, a guarida necessária. 

Mais tarde, ao tentar levar o caso à própria instituição de ensino, a jovem se depara com outra barreira: horas antes, a pretexto de ir morar em Nova Iorque, o agressor se desligou do quadro de funcionários da universidade. Assim, como o relato da dicente se dá após a saída dele, eventuais sanções profissionais não podem mais ser aplicadas por lá.


Em um misto de raiva, dor, impotência, Agnes chega a pensar em soluções extremas, embora não leve o plano que lhe acorre à cabeça a cabo. Resta-lhe, pois, seguir tocando a vida, ainda que as implicações do ocorrido sigam assombrando a garota, num compasso demarcado com muita sagacidade pela diretora. 

Inclusive na escolha dos figurinos pós-evento, severos, marcados por tons sombrios, fechados, e de modelagem ampla, inclusive "masculinizada" - como se fosse uma saída inconsciente para que seu corpo deixe de provocar desejo nos homens.

Neste percurso, várias nuances de uma agressão sexual são abordadas de forma muito competente. Caso da reconexão de Agnes com a possibilidade de afeto, ativada quando, no meio de um trajeto, se depara com um filhote de gato. Ou seja, um ser que demanda cuidados. 


Ou, ainda, de uma situação inusitada e específica que envolve o felino. Da mesma maneira, quando ela entende ser o momento de tentar reativar a pulsão sexual, que foi bruscamente interrompida. 

Há uma cena particularmente curiosa, quando a jovem, escolhida para compor um corpo de jurados, pede ao tribunal que seja dispensada, por ter vivido uma situação de violência que pode influenciar em suas deliberações. 

Ao ser instada a falar mais detalhes, ela pontua que não quer compartilhar o episódio que sofreu com estranhos. No entanto, em outra cena, é a um estranho - um homem que vende sanduíches - que a socorre em um ataque de pânico que ela resolve se abrir um pouco. Aliás, atenção para esse diálogo, muito contundente e assertivo.


A palavra "sorry", do título, é proferida durante o filme mais de uma vez, inclusive na já referida situação envolvendo o gato. Mas é no final, quando Agnes estabelece uma conversa com um interlocutor muito particular (não dá para citar pormenores), é que o filme endossa o que já de certa forma já estava no cerne da conversa com o vendedor de sanduíches, com a amiga de vida e mesmo com o vizinho de casa. 

Se não há nada que possa afastar o mal de nosso caminho, que pelo menos seja possível encontrar pessoas que possam nos ajudar a reunir forças para seguir adiante.


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Eva Victor
Produção: High Frequency Entertainment, Big Beach, Tango Entertainment, Pastel
Distribuição: Mares Filmes e Alpha Filmes
Exibição: Cineart Ponteio e rede Cinemark
Duração: 1h44
Classificação: 14 anos
Países: Espanha, França
Gêneros: drama, comédia