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25 novembro 2025

Os dilemas da maternidade pautam o sensível "Amada"

Filme italiano aborda os temores e anseios sob o ponto de vista de duas mulheres de idades e realidades
bem distintas (Fotos: Divulgação)
 
 

Patrícia Cassese

 
Em curso até o dia 29 de novembro e com acesso gratuito pelo site https://festivalcinemaitaliano.com, o Festival de Cinema Italiano traz, como de praxe, produções recentes que valem muito ser vistas, até pelo fato de que nem todas efetivamente entrarão em cartaz nos cinemas do Brasil. 

Entre as opções, um título aborda os temores e anseios que a perspectiva da maternidade provoca sob o ponto de vista de duas mulheres de idades e realidades bem distintas. Estamos falando de "Amada" ("Amata"), que, vale assinalar, é uma adaptação do livro homônimo de Ilaria Bernardini, com direção de Elisa Amoruso.


Nunzia (Tecla Insolia) é uma jovem de 19 anos, solteira, enquanto Maddalena (Miriam Leone), uma bem sucedida engenheira na faixa dos 40 anos, casada. Ambas sem filhos. No curso da narrativa, o momento vivido pelas duas é contado paralelamente, sem um ponto concreto de tangência. 

Morando em Milão, vinda da Sicília, Nunzia se divide entre os estudos, o convívio com as amigas com as quais partilha um apartamento e, coerentemente à idade, com os momentos de prazer desfrutados na pista de casas noturnas ou nos mais íntimos, com eventuais ficantes. 

Já Maddalena vivencia a frustração de não conseguir realizar o sonho de ser mãe. Não que não consiga engravidar, mas, sim, por conta dos sucessivos abortos espontâneos que sofre. 


Casada com Luca (Stefano Accorsi), um virtuose do piano, ela passa a se questionar quanto ao real desejo de ter um filho, aventando se as várias (e desgastantes) tentativas de gerar um ser em seu ventre não estariam vinculadas à expectativa de realizar o sonho do parceiro - e, por que não dizer, de se alinhar às regras tácitas da sociedade.

A um dado momento, Nunzia descobre estar grávida, acontecimento que se recusa a aceitar e até mesmo a compartilhar com o pai da criança, com quem, na verdade, não pretende estabelecer um compromisso. 

Sua primeira decisão é, pois, abortar, mas, ao chegar à clínica para realizar o procedimento, é informada que, de acordo com a legislação vigente no país, não poderá concluí-lo por vias legais, já que está na 13ª semana de gravidez (a Lei italiana 194 eventualmente permite o requerimento do procedimento até a 12ª). 


No entanto, Nunzia é informada quanto à existência de uma alternativa. Uma opção que, vale pontuar, se configura como uma nova versão da antiga "roda dos expostos". 

Trata-se do projeto La Culla Pela Vita ("O Berço Pelo Vida"), iniciativa real na qual a mãe pode entregar seu bebê anonimamente para a adoção, em certos hospitais ou paróquias da Itália. 

A dinâmica é simples: ela deposita a criança em um compartimento, que, na verdade, é rotatório. Naturalmente, o compartimento é totalmente preparado para este fim, constituindo-se internamente como uma espécie de "berço". 

Ao fechar a portinhola, um sensor avisa à instituição do ocorrido, fazendo com que o acolhimento ocorra em pouquíssimo tempo. A criança é, pois, de pronto encaminhada a uma unidade neonatal para exames e cuidados iniciais. Posteriormente, encaminhada à adoção.


Enquanto a hora do parto não chega, Nunzia vai burilando a ideia de se separar ou não da criança, enquanto Maddalena se debruça sobre as vantagens e riscos de recorrer à adoção, já que seu corpo, como um médico avisa, não aguentaria mais uma nova gestação. 

Neste percurso de angústia e indecisões, as duas se deparam com uma série de situações bastante familiares às mulheres, independentemente do argumento central do filme, a maternidade. 

Assim, se em alguns momentos encontram acolhida no interlóquio com outras companheiras de sexo, em outros, esbarram na incompreensão, na cobrança e na culpabilização. 

Grande parte do êxito do filme sem dúvida reside no fato de a direção ser de uma mulher, dada a necessidade precípua de uma compreensão acerca da miríade de sentimentos que invadem Nunzia e Maddalena no curso de suas respectivas jornadas. 



Com seu inequívoco lugar de fala, Amoruso oferece, ao espectador, um filme sensível e tocante, que vai fazê-lo torcer, pensar, refletir. O que, convenhamos, em se tratando do tema, não é pouco.

Vale dizer que, em entrevista à publicação Cinecittà News, voltada ao cinema, a diretora contou que foi precisamente a mensagem de grande solidariedade e irmandade entre duas mulheres que nunca se encontraram que a levou a escolher o livro como base do filme. 

"É precisamente para dizer às mulheres que devemos ajudar-nos umas às outras, que ainda vivemos tempos difíceis por uma série de razões; ainda não atingimos um nível de emancipação completa", declarou. Contradizê-la, quem há de?


Ficha técnica:
Direção: Elisa Amoruso
Roteiro: Ilaria Bernardini
Produção: Memo Films Indiana Production e Rai Cinema
Distribuição: Rai Cinema International Distribution
Exibição: gratuita pelo site https://festivalcinemaitaliano.com
Duração: 1h40
Classificação: 14 anos
País: Itália
Gênero: drama

12 julho 2025

“Yõg ãtak: Meu Pai, Kaiowá” é a própria história em movimento

Um filme feito por indígenas, com indígenas, para indígenas, mas também o reflexo do Brasil
(Fotos: Embaúba Filmes)
 
 

Silvana Monteiro

 
Em cartaz nos cinemas, “Yõg ãtak: Meu Pai, Kaiowá” é um documentário que se apresenta como um memorial à identidade, à terra indígena, seus filhos e filhas. É uma obra que eu ousaria em batizar de: “os indígenas ainda estão aqui”, apesar de todas as injustiças as quais não devemos nos esquecer. 

Dirigido por Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero e Luisa Lanna, o filme acompanha a travessia das irmãs Maxakali em busca da memória de seu pai, Luiz Kaiowá, separado delas há 40 anos, durante a ditadura militar. O que começa como um retrato íntimo logo se revela parte de uma memória coletiva, marcada por silenciamentos, apagamentos, dor. 


O desaparecimento forçado, que muitos brasileiros ainda insistem em relativizar, se mostra aqui em sua dimensão mais cruel: a que atinge o afeto, a identidade, o pertencimento não só de duas mulheres, mas de um povo.

O tempo cênico do filme é o tempo da escuta. Nada se apressa. Os planos longos, a cadência dos gestos, o caminhar da câmera, tudo nos convida a permanecer para procurar e saber. Não se trata de observar de fora, mas de estar junto, de ouvir o relato dos mais velhos, daqueles guardiões da memória. 

O cinema, nesse caso, é de imersão. E como quem procura só deseja encontrar, de qualquer forma que seja a obra nos faz sentir que estamos juntos, olhando pelos olhos de quem busca e buscando com eles. 

Família kaiowá-makaxali, que se reencontrou
40 anos depois, em 2022, na aldeia Panambizinho:
da esquerda para a direita, Sueli Makaxali,
Ceila Kaiowá, Luis Kaiowá,  Maiza Makaxali
e Vanusa Makaxali

Um filme feito por indígenas, com indígenas, para indígenas, mas também o reflexo do Brasil. Um país, que embora indígena, precisa, com urgência, se reconhecer em suas ausências e encarar o que fez e ainda faz com seus povos originários.

A busca pelo reencontro com o pai é também uma forma de reencontrar a língua, a visão de mundo, a terra como extensão do corpo. E a presença de Sueli, não só diante das câmeras, mas atrás delas, conduzindo a narrativa da sua própria vida, é de uma potência rara. 

A beleza do filme está nesse entrelaçamento entre o pessoal e o coletivo, entre a busca, os vácuos, os encontros, entre o que foi tirado e o que resiste. A terra, por sua vez, tal como território e dimensão do ser, não é só o cenário da obra, é a territorialização de corpo e alma.  


Ponto alto para as cenas de ritos, o cotidiano do cozer a roupa e o dividir do alimento entre os parentes, a conquista de direitos básicos e os diálogos intimistas. Bem como as lutas enfrentadas pelos povos indígenas Tikmũ’ũn e Kaiowá em defesa de seus territórios e modos de vida.

Ao fim, embora dê um nó na garganta, essa sensação é necessária à composição e missão dessa obra. Há um vazio que permanece e um incômodo que se recusa a ir embora. 

“Yõg ãtak: Meu Pai, Kaiowá” é mais do que um filme sobre o passado. É um lembrete de que a democracia que construímos, ou achamos ter construído, não é plena enquanto essas histórias não forem plenamente reconhecidas e ressignificadas.


Gravações em Minas e Mato Grosso do Sul

As filmagens foram realizadas tanto na Aldeia-Escola-Floresta, retomada em 2021 por cem famílias maxakali em Minas Gerais, quanto nas Terras Indígenas Panambi-Lagoa Rica, Panambizinho e Laranjeira Ñanderu, do povo Guarani Kaiowá, em Mato Grosso do Sul.
 
Os dois territórios ainda são marcados pelas graves violações de direitos humanos que sofreram no período militar, como o esbulho de terras e remoções forçadas. 

"Yõg ãtak: Meu Pai, Kaiowá" já recebeu os prêmios de Melhor Direção no Festival de Brasília (2024), Melhor Filme pelo Júri Popular no Festival Cachoeira DOC e entrou na Seleção Oficial Olhar de Cinema, do Festival de Curitiba, ambos em 2025.


Ficha técnica:
Direção: Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero, Luisa Lanna
Roteiro: Sueli Maxakali, Roberto Romero, Tatiane Klein e Luisa Lanna.
Produção: Escola Aldeia Floresta, Batráquia Filmes, Filmes de Quintal, Javali do Mar
Idioma: Maxakali, Kaiowá, Português (com legendas)
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: UNA Cine Belas Artes e Centro Cultural Unimed-BH Minas
Duração: 1h33
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: documentário