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| Incursão do diretor Shinobu Yaguchi no gênero terror tem semelhanças com "Annabelle", da franquia "Invocação do Mal" (Fotos: Sato Company) |
Wallace Graciano
Obra resgata o medo silencioso da mitologia japonesa. Uma carta de amor ao gênero que se arrasta, mas não decepciona. Preciso jogar limpo, caro leitor. Nunca havia visto um filme sequer do diretor Shinobu Yaguchi. Porém, ao procurar sobre sua carreira, ficou claro que ele sempre foi sinônimo de leveza e superação jovial.
Talvez por isso, sua incursão no terror, gênero que exige peso e introspecção, me despertou uma extrema curiosidade ao receber o convite para assistir "Dollhouse". E posso falar que ele não precisava assinar sob pseudônimo, como o fez. Afinal, o filme não apenas abraça o J-Horror clássico, mas o faz com uma convicção surpreendente.
Distribuído no Brasil pela Sato Company e com estreia nesta quinta-feira, 6 de novembro, "Dollhouse" é uma obra que se apoia na estrutura previsível para, justamente, construir sua força.
Aqui, o clichê é uma homenagem, e a repetição do ciclo de maldição evoca a tradição de "Ringu" e "Ju-On", obras tão aclamadas pelo público. Abaixo, explico o porquê.
O clichê do trauma e da tragédia
De cara, podemos falar que "Dollhouse" não economiza em tragédia inicial. No filme, conhecemos Yoshie (Masami Nagasawa), uma mãe traumatizada após a perda da filha, Mei em um brutal acidente doméstico com uma máquina de lavar.
O luto da matriarca é a verdadeira semente do horror. Incapaz de seguir, ela preenche o vazio com uma boneca ningyō ikiningyō, um artefato realista do período Showa.
Cinco anos depois, a paz do casal Yoshie e Tadahiko (Koji Seto) é desfeita quando a segunda filha, Mai, encontra a boneca esquecida. O que começa como um drama familiar de negação se torna um pesadelo psicológico: a boneca, agora chamada Aya, manifesta um ciúme possessivo, deixando hematomas em Mai e reivindicando, de alguma forma, seu "lugar de volta".
A narrativa atinge sua elegância fria ao transformar o luto em uma entidade viva e ameaçadora. O terror se constrói no som do vento, no ranger do assoalho da antiga casa e na frieza assustadora da boneca.
Yaguchi demonstra um entendimento profundo de que o horror japonês funciona melhor no silêncio e na sugestão, ancorando a narrativa na superstição e na cultura japonesa de rituais com bonecas.
Falta um pouco de ritmo
Visualmente, "Dollhouse" é impecável. A fotografia em tons azulados e a direção de arte minimalista transformam o cotidiano da casa em uma fonte de angústia.
Somado a isso, podemos dizer que as atuações seguem a mesma tônica, com Masami Nagasawa transmitindo, sem explorar o pieguismo do drama, a dor e a fragilidade de Yoshie, bastando apenas dar um olhar vazio que comunica melhor do que qualquer diálogo.
Porém, o filme tropeça em sua ambição. Embora o terror se aprofunde com a aparição do sacerdote Kanda (Tetsushi Tanaka) e a exploração da mitologia da boneca, o roteiro chega a trazer um pouco de bocejos.
A longa jornada do casal para tentar incinerar o objeto amaldiçoado, incluindo contratempos e até momentos de humor macabro, torna o clímax excessivamente prolongado.
No fim, "Dollhouse" é uma obra dolorosa, elegantemente dirigida e profundamente humana. É um filme sobre o que acontece quando o amor se recusa a aceitar a morte, transformando o luto no verdadeiro fantasma.
Yaguchi, se era tido como um mestre da comédia por quem o viu (não este que vos escreve, mas que confia demais no julgamento), se revela um promissor artesão do terror.
O que achamos de "Dollhouse"?
"Dollhouse" é um retorno bem-vindo e sofisticado ao terror japonês de raiz, ancorado em grandes atuações e uma mitologia assustadora. Apesar de um ritmo desigual e um clímax alongado, a força da sua construção atmosférica e o peso emocional o elevam acima da média do gênero.
Ficha técnica:
Direção: Shinobu YaguchiDistribuição: Sato Company
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h50
Classificação: 16 anos
País: Japão
Gênero: terror
Nota: 4 (0 a 5)





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