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| Casal também faz do longa um registro para o filho que vai chegar, apresentando o mundo que o espera (Fotos: Divulgação) |
Eduardo Jr.
“O que eu era antes de eu ser?”. A provocação nos primeiros segundos de tela, que parece vinda de um bebê ainda no ventre, dá o tom do documentário brasileiro “Apolo”.
O filme, produzido pela Capuri Filmes e distribuído pela Biônica Filmes, chega aos cinemas dia 27 de novembro e marca a estreia da atriz Tainá Müller na direção, realizada em parceria com a atriz e artista musical Ísis Broken, que também estreia como diretora e é protagonista da obra.
O casal transgênero Ísis e Lourenzo apresentam o dia a dia da gestação de Apolo. A espera pelo bebê e a busca por cuidados arremessa na vida do casal uma série de episódios de preconceito e transfobia. Tudo porque a normatividade não está preparada para ver o pai, um homem trans, gerar uma criança.
Além de normalizar diferentes configurações familiares, alertar sobre práticas discriminatórias endossadas pelo Estado e valorizar o amor livre, o casal também faz do longa um registro para o filho que vai chegar, apresentando o mundo que o espera.
E o mundo que Apolo vai encontrar é retratado de forma crua, sem filtros. Apesar de os parentes de Ísis e Lourenzo acolherem o casal, em outros ambientes as experiências vividas geram revolta no espectador (aquele com um mínimo de humanidade).
São situações que vão do não reconhecimento do nome social no sistema de saúde à violência de chamar uma pessoa gestante de “coisa”.
Só quando o casal deixa o interior e se muda para a capital São Paulo é que o atendimento especializado humanizado se apresenta. Uma demonstração de que o Estado precisa educar e preparar os profissionais para exercer a empatia, principalmente os que estão fora dos grandes centros urbanos.
Outro desconforto da obra reside no campo da imagem. Os enquadramentos para os depoimentos soam infantis. Obviamente, são planejados, mas os personagens centralizados parecem ter posições demarcadas, demonstrando estarem pouco à vontade com a câmera observando as conversas.
Apesar desses pontos, o documentário é sintonizado na esperança. A mesma esperança que muitas mulheres chefes de família (como a avó, a tia e a mãe de Ísis) cultivam a cada dia.
A fotografia com luz mais quente, as referências à espiritualidade que sustenta o casal e a metáfora do amor no centro do universo são elementos que riscam da obra o clichê do relato de dor de quem é colocado à margem.
O roteiro e a montagem também demonstram sabedoria. A exemplo da sequência da visita à família, carregada de euforia, seguida dos desafios da vida a dois, da primeira casa, de administrar um futuro em transformação.
O diálogo está sempre presente no documentário. E é ele quem se veste de solução, até para dilemas pessoais, como a interrupção do uso de hormônios por Lourenzo durante a gestação.
A situação mexe com o corpo dele, que vislumbra uma regressão no processo de transição e se vê desafiado sobre a amamentação. A conversa sincera com Ísis facilmente se configura como um dos momentos mais emocionantes da obra — eu disse ‘um dos’, pois a obra reserva cenas importantes até o final.
Em suma, esta é uma obra que fixa imagens que a sociedade não está habituada a ver. Propõe reflexões sobre nossa postura diante do afeto LGBTQIAPN+. Nos apresenta alguns dos dramas de um casal transgênero e expõe violências institucionais que precisam ser tratadas para, então, viabilizar um futuro de respeito e igualdade.
A estreia ainda vai acontecer, mas os prêmios já começaram a chegar. “Apolo” Foi premiado no Festival do Rio nas categorias Melhor Longa-Metragem Documentário e Melhor Trilha Sonora Original, realizada pelo músico Plínio Profeta.
No 33º Festival Mix Brasil de Cultura e Diversidade, a produção conquistou o Coelho de Prata (Prêmio do Público) de Melhor Longa Nacional e uma Menção Honrosa do Júri na categoria de Melhor Longa-Metragem.
“Apolo” e sua proposta de fazer refletir merece ser visto na telona. Cada um de nós precisa responder ao questionamento inicial do filme e outros, do tipo: um casal trans não pode amar? O bebê nascido de um casal trans também merece sofrer as mesmas violências que o pai e a mãe? Se somos uma sociedade que despreza e maltrata o que difere da gente, quem somos nós?
Ficha Técnica:
Direção: Tainá Müller e Isis BrokenRoteiro: Tainá Müller, Tatiana Lohmann, Isis Broken, Lourenzo Duvale
Produção: Capuri, Biônica Filmes e Puro Corazón
Distribuição: Biônica Filmes
Duração: 1h22
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: documentário
País: Brasil
Gênero: documentário




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