17 maio 2025

Perturbador, thriller "Uma Família Normal" dialoga com discussões contemporâneas e urgentes

Longa sul-coreano aborda temas semelhantes aos do filme “Parasita” e da série “Adolescência” (Fotos: Pandora Filmes)
 
 

Carol Cassese

 
Carros luxuosos, aparências impecáveis, chefs renomados. Esses são os principais valores dos protagonistas de "Uma Família Normal", thriller sul-coreano dirigido por Hur Jin-ho. No Brasil, a produção chegou às telas no início de maio, surpreendendo positivamente a crítica.

O filme, centrado na história de uma família rica que precisa lidar com as consequências de um crime violento, foi oficialmente lançado em 14 de setembro de 2023, durante o Festival Internacional de Cinema de Toronto, no Canadá. 

Logo na primeira cena, vemos um incidente violento no trânsito, que deixa um homem morto e sua filha gravemente ferida. O advogado criminalista Jae-wan (Sol Kyung-gu) é então chamado para defender o assassino (Yoo Su-bin), enquanto seu irmão mais novo, o médico Jae-gyu (Jang Dong-gun), realiza uma cirurgia de emergência na menina ferida. 


Os familiares, que costumam sair para jantar em restaurantes luxuosos com as respectivas esposas, logo começam a entrar em conflito, pois defendem pontos de vista aparentemente antagônicos (em especial no que diz respeito ao trágico evento).

Há, portanto, uma interessante oposição entre os dois irmãos, que lembra o clássico "O Médico e o Monstro" – o último, claro, representado pela figura do advogado criminalista, que parece sempre privilegiar o dinheiro. 

No entanto, assim como acontece na obra original de Robert Louis Stevenson, observamos que, na verdade, as duas figuras podem não ser tão diferentes uma da outra. 


As esposas, interpretadas por Kim Hee-ae e Claudia Kim, também discutem entre si. A primeira, Yeon-kyung, casada com o irmão médico, se dirige à cunhada, Ji-su, mais jovem de maneira desdenhosa, comentando sobre sua magreza: “Nem parece que você acabou de ser mãe”.

Por sua vez, a personagem Seon-ju (Choi Ri) demonstra condescendência e de fato evidencia que a estética é um valor primordial para ela – logo em uma das primeiras cenas do filme, Seon-ju afirma que “ainda precisa perder quatro quilos” para se sentir bem consigo mesma. 

Ao longo da noite, observamos diversas conversas sobre a “juventude” e o “envelhecimento” de bebidas, o que pode ser compreendido como um comentário sobre a diferença de idade entre as duas mulheres.


O mais grave de toda a situação, porém, é que, enquanto os personagens principais estão no jantar, seus filhos adolescentes cometem um tenebroso ato de violência contra uma pessoa vulnerável. 

É a partir desse ocorrido que uma das principais perguntas do longa emerge: qual escolha você tem quando seus filhos são criminosos? Ou, mais especificamente, como um médico e um advogado, representantes de setores tão tradicionais, podem lidar com o impacto social de um crime cometido por membros de suas famílias?

Os personagens, então, passam a discutir as diferentes implicações da ação de seus filhos. Ao longo da história, os familiares mostram diversos traços de suas personalidades, o que torna a trama bastante complexa.


Em um momento de lucidez, a mãe dos dois irmãos, que sofre de Alzheimer, afirma sobre Jae-gyu: “Ele parece bonzinho, mas pode ser muito violento”. Como apontamos anteriormente, a figura do médico gradualmente passa a se aproximar de uma representação monstruosa. 

Vale observar que o filme é baseado no romance "The Dinner" ("O Jantar"), do autor holandês Herman Koch, que já inspirou pelo menos outras três versões cinematográficas: "Het Diner" (Holanda, 2013), "I Nostri Ragazzi" (Itália, 2014) e "The Dinner" (Estados Unidos, 2017). 

Enquanto o romance se passa inteiramente ao longo de um jantar, o longa de Hur Jin-ho expande a história, ambientada durante vários dias. 

Mesmo considerando as particularidades de cada cultura, é interessante pensarmos que há algo de universal nesta história, ou, pelo menos, um número significativo de elementos comuns a sociedades capitalistas. 


Nesse sentido, o longa de Hur Jin-ho poderia facilmente se passar no Brasil, onde homens que dirigem carros luxuosos também possuem uma “autorização” para serem violentos, sem graves consequências. 

Poderia – e irá se passar: uma versão brasileira da história, intitulada "Precisamos Falar", deve chegar às salas de cinema ainda neste ano. Dirigido por Pedro Waddington e Rebeca Diniz, o filme conta com a presença de Marjorie Estiano e Alexandre Nero no elenco. 

Como esperado, segue uma premissa similar a do romance holandês "O Jantar", também explorando o tema da desigualdade de classe.


Ao considerarmos o título da adaptação coreana, lembramos ainda da autora argentina Samanta Schweblin que, em entrevista ao periódico El País, afirmou que “o que chamamos de normalidade” é uma falácia.

No longa, observamos que elementos como um jaleco branco ou um renomado escritório de advocacia definitivamente dizem muito pouco sobre a ética de uma pessoa. 

Mesmo que os dois irmãos possam ser significativamente cruéis, as cenas mais angustiantes do longa são centradas nos adolescentes, Seon-ju e Hyung-cheol (Yoo Su-bin)l, que passam horas assistindo a conteúdos violentos nas redes sociais. 


Por abordar o impacto nocivo dessas mídias na vida dos mais jovens, o filme também dialoga com a discussão da comentada série "Adolescência", disponível na Netflix. 

A partir de "Uma Família Normal", compreendemos que meninas, em especial as mais ricas, também podem incorporar ideais violentos – mesmo que figuras do sexo masculino sejam, ainda, as principais responsáveis por agressões. 

Logo, é importante considerarmos que, assim como o gênero (fator bem explorado em "Adolescência"), a classe é um elemento fundamental para a compreensão das violências contemporâneas.


Além disso, não é surpreendente que o filme de Hur Jin-ho tenha sido comparado à "Parasita", de Bong Joon-ho, já que as duas produções sul-coreanas evidenciam muitas disparidades do sistema econômico vigente e, ainda, abordam conflitos familiares. 

Nesse sentido, "Uma Família Normal" confirma a força do cinema contemporâneo do país, que tem apresentado histórias densas e uma estética singular. 

Contando com um ritmo eletrizante e atuações surpreendentes, o filme de Hur Jin-ho perturba o espectador do começo ao fim, suscitando reflexões sobre a banalização das desigualdades. 

Essa história, significativa para tantas culturas, ilustra que, muitas vezes, os cidadãos “normais” (ou “de bem”, como diríamos por aqui) operam primordialmente a partir de uma lógica desequilibrada e egocêntrica.


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Hur Jin-ho
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: em breve no streaming
Duração: 1h49
Classificação: 16 anos
País: Coreia do Sul
Gênero: drama

15 maio 2025

Drama erótico e pitadas sobrenaturais compõem o estranho “Caiam as Rosas Brancas!”

A diretora Albertina Carri explica que a jornada de descobertas do grupo de mulheres inspira a estrutura do filme (Fotos: Boulevard Filmes)
 
 

Eduardo Jr.


Chega aos cinemas nesta quinta-feira (15) o longa argentino “Caiam as Rosas Brancas!”. Dirigido por Albertina Carri, com coprodução brasileira da Quarta-feira Filmes, o longa se define como um drama erótico, gravado parcialmente em São Paulo e Ilhabela. O filme não será exibido em salas de BH.

No longa, uma cineasta abandona o set de filmagem da produção após desistir da obra. Após fazer sucesso com um filme pornô, ela está em conflito com o conceito do atual projeto, e foge com as amigas lésbicas para o Brasil. 

O grupo chega a um lugar onde coisas estranhas acontecem. E esses acontecimentos vão alterando a percepção do grupo.


É possível enxergar uma militância no longa, já que o filme é recheado de mulheres que comandam seus próprios destinos, expressando amor e desejos sem pestanejar. Mas esta parece ser uma das poucas possibilidades (senão a única) de absorver algum sentido do roteiro.

Por mais que as cores vivas, o idioma espanhol e uma cena de sadomasoquismo possam fazer lembrar o cineasta Pedro Almodóvar, as atuações um pouco rígidas e a duração das cenas podem enfraquecer a paciência do espectador.


A promessa é de ação quando a aventura das quatro mulheres se aproxima de um road movie. Do nada, casais de mulheres se beijam como se não houvesse amanhã. 

No trajeto, o grupo se abriga na casa de um estranho, e entra em cena uma perseguição por motociclistas, e vem uma fuga da tal casa, e vem a perda (nada crível) de uma mochila… e por aí vai.

E vai de forma bem confusa - pois não deve haver outro termo além deste para definir uma mistura entre lésbicas, mistério, cinema e eventos sobrenaturais. 


A diretora já é conhecida por narrativas fora do comum (como “Géminis”, de 2005). E ela mesma declara que as descobertas e mudanças das mulheres no caminho percorrido em “Caiam as Rosas Brancas!” é que vão também transformando a narrativa.

O novo filme marca a segunda parceria da cineasta com a protagonista Carolina Alamino, com quem já tinha trabalhado no longa “As Filhas do Fogo” (2018). 


O elenco traz ainda a argentina Laura Paredes (Argentina1985” - 2022); a veterana espanhola Luisa Gavasa (“Maus Hábitos”, de Pedro Almodóvar - 1983); e a brasileira Renata Carvalho, atriz e militante trans, conhecida por seus papéis em “Os Primeiros Soldados” (2021) e “Salomé” (2024).  

O longa é distribuído pela Boulevard Filmes em codistribuição com a Vitrine Filmes. A brasileira Quarta-feira Filmes, uma coprodutora independente, sediada em São Paulo, tem como proposta reinventar processos e métodos de produção para criar filmes que celebrem a diversidade e a invenção.


Ficha técnica:
Direção:
Albertina Carri
Produção: Gentil Cine e El Borde (Argentina), Quarta-feira Filmes (Brasil) e Doxa Producciones (Espanha)
Distribuição: Boulevard Filmes em codistribuição com a Vitrine Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h03
Classificação: 18 anos
Países: Argentina, Brasil, Espanha
Gênero: drama erótico