22 julho 2025

Cinebiografia “Um Lobo Entre os Cisnes” mostra que uma fera pode alçar grandes voos

Filme sobre a vida do bailarino Thiago Soares, premiado no Bolshoi e interpretado por Matheus Abreu,
entrega transformação e emoção (Fotos: Lucas Sadalla)


Eduardo Jr.


Estreia no dia 24 de julho mais uma obra do cinema nacional que promete mexer com as emoções do público: “Um Lobo Entre os Cisnes” traz a história real do bailarino Thiago Soares, um dos maiores nomes da dança mundial, que saiu das periferias cariocas para alcançar o estrelato no balé clássico. Dirigido por Marcos Schechtman e Helena Varvaki, o longa figura como o primeiro filme brasileiro de dança. 

A equipe do Cinema no Escurinho foi convidada para a pré-estreia em Belo Horizonte, com presença do protagonista Matheus Abreu e do biografado, Thiago Soares. E viu que, além da interessante história do brasileiro que foi, por 14 anos, primeiro bailarino do Royal Ballet de Londres, o filme conta com uma bela entrega dramática de Matheus (“Pureza”, 2022) e do argentino Dario Grandinetti (“Relatos Selvagens”, 2014). 

Thiago Soares, Darío Grandinetti e
Matheus Abreu (Foto: Rogério Resende)

Na história, Thiago é um jovem impetuoso que mora com a tia e tem talento para a dança. No hip-hop, ele encontra sua diversão - e também uma sensação de poder diante da incerteza que é o fim da adolescência, da falta de dinheiro e de perspectivas. 

As coisas começam a mudar quando o professor de hip-hop (Alan Rocha) recomenda a Thiago uma escola profissional de balé, onde o jovem poderá ganhar uma bolsa de estudos. 

Sob o rígido comando do bailarino e coreógrafo cubano Dino Carrera (interpretado com maestria por Grandinetti), Thiago (Matheus Abreu) precisa domar seu animal interior e decidir se abre mão da diversão, dos amigos e dos bailes noturnos em Madureira ou se abraça a disciplina e a exigente rotina de treinos. 


A jornada do bailarino é de busca pelo sucesso, mas também de cura das feridas emocionais. O contato com Dino é a chance de resgatar a figura paterna ausente, de não ser abandonado por mais ninguém. Tudo isso, enfrentando os próprios preconceitos, impostos por uma sociedade que fez de tudo para mantê-lo à margem. 

Como toda jornada do herói, Thiago vai colocar sua grande chance à prova, vai sofrer e buscar formas de retomar o caminho que pode levá-lo à consagração. Pode parecer algo já visto, mas a transposição dessa ideia para a tela é bem executada, oferecendo ao espectador pitadas de comédia, drama e apreensão. 


A avaliação positiva do longa talvez possa ser creditada à experiência de Schechtman em abordar com simplicidade e inteligência uma linguagem popular. Habilidade construída na direção de novelas como “Caminho das Índias”. 

A obra, exibida na TV Globo, foi vencedora do Emmy em 2009. E talvez, também pela supervisão artística de Rosane Svartman, novo nome no hall da fama das telenovelas, após o sucesso de “Vai na Fé” (obra já disponível no Globoplay). 


A direção mostra sensibilidade ao apresentar inicialmente a personalidade inflexível de Dino Carrera, fazendo com que o público se solidarize com Thiago, visto como vítima. Com o desenrolar da trama, a narrativa revela o lado humano de Dino, mostrando que a vida é feita de altos e baixos — quem hoje exerce controle, amanhã pode ter que se submeter a ele.

Sensibilidade, transformação e afeto são palavras que podem ajudar a definir este drama, que desliza na tela sem cansar o espectador. O roteiro tem assinatura de Camila Agustini (“Manas”, 2024) e produção criativa do cineasta mexicano Guillermo Arriaga (que roteirizou “Babel” e “Amores Brutos”). A trilha sonora original é de Alexandre de Faria.


A chegada do filme na telona foi um caminho árduo. No debate após a exibição, Matheus Abreu contou que a preparação para o papel começou em 2018. As filmagens foram interrompidas em 2020 pela pandemia e retomadas no início de 2022. 

A equipe gravou tudo em um mês e meio, no Brasil e na França, em locações como o viaduto de Madureira, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o bairro de Montmartre e a Ópera Garnier, em Paris. 

"Um Lobo Entre os Cisnes" é uma produção da TvZero, em coprodução com a Mandrágora, Globo Filmes e RioFilme. A distribuição é da Sessão Vitrine Petrobras. Este é o primeiro longa da Mandrágora, produtora recém-criada que tem Marcos Schechtman como sócio-fundador, e busca histórias que ainda não foram contadas.


Um projeto acalentado durante muito tempo e, por sua relevância, escolhido para ser a primeira investida da empresa. A obra já começou a colher frutos: por onde passou, a cinebiografia conquistou o público e alguns prêmios. 

Participou do 27º Festival de Cinema Brasileiro de Paris e do 34º Cine Ceará — neste último conquistando prêmios nas categorias de Melhor Ator (Matheus Abreu), Melhor Ator Coadjuvante (Darío Grandinetti) e Melhor Direção de Arte (Dina Salem Levy). Credenciais convincentes para levar o público aos cinemas pra ver que um lobo pode voar. 


Ficha técnica:
Direção:
Marcos Schechtman e Helena Varvaki
Roteiro: Camila Agustini
Produção: TvZero, coprodução Globo Filmes, RioFilme, Mandrágora
Distribuição: Vitrine Filmes
Exibição: UNA Cine Belas Artes - sala 1
Duração: 1h55
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gêneros: drama, biografia



20 julho 2025

"Uma Bela Vida" e o direito à dignidade na hora da despedida

O diretor Costa-Gavras explora o tema da medicina paliativa por meio da relação de amizade que surge
entre um filósofo escritor e um médico especialista nesta área e seus pacientes (Fotos: Filmes do Estação)


Patrícia Cassese


Em uma cena logo no início de "Uma Bela Vida", em cartaz na cidade, um dos personagens, um médico, lista os três grandes eixos atuais da medicina - a preventiva, a curativa e a paliativa. Certo, um profissional da mesa ao lado se levanta da cadeira neste momento e acrescenta o que seria o quarto, a medicina reabilitadora. 

Mas é sobre o braço "medicina paliativa" que o novo filme do veterano Costa-Gavras ("Estado de Sítio" - 1972, "Z" - 1969) se volta. Sim. Atualmente com 92 anos de idade (completados em fevereiro), o diretor franco-grego se debruça sobre um tema árido, a partir do momento em que se dá a constatação de que os recursos disponíveis na medicina para um tratamento visando a cura já se esgotaram.


O termo "tratamento paliativo" vem se tornando cada vez mais ventilado e proferido na sociedade contemporânea, e muito em função do aumento na incidência de certos tipos de doença (como as neoplasias), bem como em função do aumento da expectativa de vida da população. 

Grosso modo, trata-se de um ramo da medicina voltado a propiciar dignidade e conforto àqueles que estão se aproximando da finitude, e para os quais, como dito acima, os recursos hoje disponíveis para tratamento já não surtem mais efeito. Ressalte-se, um braço ainda inacessível a muitos, notadamente por razões econômicas, mas, de todo modo, digno de reverência pelo aspecto humanitário que carrega em seu bojo.


Certo, Costa-Gavras escolheu um tema pouco palatável para trabalhar no écran. Árido. Não parece ser de todo descabido pressupor que o interesse pela finitude tenha a ver com a própria idade deste que se tornou conhecido mundialmente por filmes de viés político. 

De todo modo, é necessário situar que "Uma Bela Vida" baseia-se no livro "Le Dernier Souffle", escrito em conjunto pelo jornalista e ensaísta Régis Debray e pelo médico Claude Grange. "Le Dernier Souffle" - em tradução literal, "O Último Suspiro" -, aliás, é o título original do filme.  

No longa, Fabrice (o veterano e conhecido Denis Podalydès) é um filósofo bastante conhecido por seus livros (a ponto de, no curso da trama, ter seu rosto prontamente identificado por outros personagens, mesmo trajando um jaleco). Em uma viagem aos Estados Unidos, durante um exame de imagem, ele descobre estar com uma pequena mancha entre o fígado e os pulmões. 


Naquele momento específico, ela (mancha) está inativa, mas Fabrice é informado de que a mácula exigirá um controle constante, pelo risco de um "desenvolvimento fulminante", nas palavras proferidas no pós-exame pelos profissionais. 

De início, o escritor é orientado a repetir o exame apenas meses depois, mas, poucos dias após retornar à França, já está novamente a perscrutar o estágio da inquietante descoberta. É exatamente neste momento em que Fabrice é apresentado ao médico Augustin (Kad Merad), especializado em cuidados paliativos. Na verdade, Augustin havia pedido para ser apresentado a Fabrice, de cujos livros é apreciador. 


Após o café citado no parágrafo inicial desta resenha, os dois aprofundam o relacionamento, posto que o filósofo se mostra cada vez mais interessado em adentrar o universo dos que estão para partir, bem como das reações, posições e sentimentos dos parentes nesta etapa tão intrincada. 

A partir deste laço, o filme desfila uma série de personagens, vivendo situações bem distintas, ainda que com o denominador comum de estarem sob cuidados paliativos.

Neste percurso, vemos personagens vividos por nomes icônicos do cinema, como Charlotte Rampling e a espanhola Angela Molina ("Esse Obscuro Objeto do Desejo" - 1977, de Luis Buñuel). Ambas interpretam mulheres fortes, dispostas a assumir as rédeas nesta última etapa da existência terrena. 


Se Charlotte Rampling brilha por transmitir a ciência de seu estado e fincar posição apenas pelo olhar, Molina, que vive uma cigana, resplandece na sua despedida. Mas há outras tantas (despedidas) que se arrolam no curso da vivência de Fabrice com Augustin, e que se sucedem em meio a discussões filosóficas que ocorrem tanto em meio aos corredores do centro voltado aos cuidados paliativos, assim como na casa de Fabrice, onde crianças (os netos de Fabrice), na contramão dos que estão na zona limítrofe da vida, estão imersas no instigante processo de descobertas do mundo adulto.


Difícil avançar além sem incorrer em spoilers, mas vale destacar, ainda, a belíssima cena envolvendo outra grande atriz do cinema francês, Karin Viard, que fala da esperança e do olhar para frente mesmo quando a realidade é perturbadora.

No balanço, um belo e comovente filme, mas que percorre caminhos bastante sensíveis, que podem ativar gatilhos em alguns espectadores. Talvez até por isso o título original poderia ter sido mantido, pois repassa, com mais fidelidade, o propósito deste filme, cujo teor vai certamente retumbar na mente do público por muito tempo.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Costa-Gavras
Produção: KG Productions
Distribuição: Filmes do Estação
Exibição: Centro Cultural Unimed-BH Minas e Una Cine Belas Artes
Duração: 1h40
Classificação: 14 anos
País: França
Gênero: drama