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| Longa português dirigido por António Ferreira tem José Martins e Mina Andala entregando ótimas interpretações (Fotos: Bretz Filmes) | 
Eduardo Jr.
A velhice é sempre digna de nossa piedade? O passado, por ser passado, merece perdão? Essas são questões que podem surgir do contato com o longa português “A Memória do Cheiro das Coisas”, que estreia nesta quinta-feira, no Centro Cultural Unimed-BH Minas.
Dirigido por António Ferreira, coproduzido pela brasileira Muiraquitã Filmes e distribuído pela Bretz Flmes, o longa tenta aplicar uma aura poética ao abordar velhice, passado, preconceito e memória. 
O ator José Martins dá vida ao Sr. Arménio, um octogenário que é levado pelo filho para morar em um lar de idosos. A você, que me lê e pode sentir pena do protagonista deixado no asilo, já aviso: dificilmente você conseguirá gostar dele. 
Nos primeiros segundos Arménio já exibe seu lado rude. E daí em diante o espectador vai conhecendo o passado e a personalidade daquele homem, ex-combatente da Guerra Colonial Portuguesa, em Angola. Mas a guerra continua com ele, na memória e nos cheiros que remetem a experiências do passado. 
Ele também carrega consigo o preconceito racial, que fica evidente quando seu cuidador no asilo deixa o trabalho e no lugar dele chega Hermínia, mulher negra a quem ele assedia e ofende. A personagem, vivida por Mina Andala, tem a chance de desconectar Arménio das ideias racistas. A direção, no entanto, revela que não sabe reconhecer e representar igualdade. 
No filme, a cuidadora até se defende das violências. Chega a dar pistas de que será o elemento capaz de oferecer alguma dignidade a quem atacou a dignidade dos africanos. Mas seu discurso é o de que, embora negra, é cidadã portuguesa e que seu pai também lutou na guerra. Parece precisar convencer que é uma pessoa digna de ser aceita pelo homem branco.  
Já em outros aspectos, como a tentativa de expressar uma velhice que parece acorrentar Arménio à margem do mundo, a obra obtém resultados melhores. Se o tempo passou, dificultando alguns atos do cotidiano e exigindo dele paciência, também vai cobrar isso do espectador, em cenas lentas, em que a câmera mal se move. 
Nos corredores apertados e ora escuros do lar para idosos é possível experimentar uma claustrofobia. A sensação é acentuada pela ausência de janelas abertas. Para ver uma passeata ou o cachorro que gosta o velho ex-combatente de guerra não pode fazer mais do que lançar seu olhar através da vidraça que o separa da vida pulsante. 
Resta a Arménio enfrentar seus fantasmas do passado. E ao espectador, se incomodar com a postura da direção, que aplica em um relato do passado do idoso a tentativa de fazer dele uma vítima, mesmo ele já tendo confessado os horrores praticados em nome de seu país. 
Observando mais atentamente as camadas do roteiro, a velhice pintada com as tintas do abandono, do constrangimento e do trauma parece uma merecida vingança. 
Em resumo, esta pode ser considerada uma obra de naturalizar preconceitos que se apresenta vestida de véu poético. Como aquele já conhecido patriotismo, que acredita serem válidas as piores das vilanias.
Direção: António Ferreira
Produção: Persona Non Grata Pictures, coprodução da brasileira Muiraquitã Filmes
Distribuição: Bretz Flmes
Exibição: Centro Cultural Unimed-BH Minas - sala 2
Duração: 1h40
Classificação: 14 anos
País: Portugal, Brasil
Gênero: drama




 
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