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11 dezembro 2025

"Sexa" acerta na direção, mas não aprofunda nos temas ligados aos 60+

Primeiro longa dirigido por Glória Pires aborda o medo do envelhecimento e o preconceito da sociedade
(Fotos: Helena Barreto/Divulgação)
 
 

Marcos Tadeu
Blog Jornalista de Cinema

 
Glória Pires faz sua estreia por trás das câmeras dirigindo o longa "Sexa", também protagonizado por ela, que entrou em cartaz nos cinemas nesta quinta-feira. 

A produção revela uma artista que não apenas atua com força, mas também assume com segurança a condução narrativa de um filme sensível e bem-humorado. 

"Sexa" reúne um elenco cheio de rostos conhecidos: Thiago Martins, Isabel Fillardis, Danilo Mesquita, Eri Johnson, Rosamaria Murtinho, Dan Ferreira e Déa Lúcia, em um projeto produzido pela Giros Filmes em parceria com a Audaz Filmes e distribuído pela Elo Estúdios.


A história acompanha Bárbara (Glória Pires), uma revisora de 60 anos que enfrenta o medo do envelhecimento e compartilha suas dúvidas e descobertas com a melhor amiga, Cristina (Isabel Fillardis). 

Após sucessivas frustrações afetivas, ela acredita ter encerrado a vida amorosa até conhecer Davi (Thiago Martins), um viúvo bem mais jovem que a faz revisitar suas certezas. 

A partir desse encontro, acompanhamos a protagonista mergulhar em seus próprios desejos, inseguranças e no embate entre o que sente e o que a sociedade espera dela. 

A diferença geracional entre o casal é tratada com naturalidade, revelando como carregamos frases que reforçam padrões rígidos de envelhecimento, como “tenho idade para ser sua mãe/avó”. 


Essas barreiras externas acabam alimentando uma autocrítica dura, marcada pelo medo de “não acompanhar”, pela comparação com a juventude e pelo receio do julgamento. 

Bárbara vive esse conflito de forma tão crível que se torna fácil se reconhecer nela, apesar de o filme poder explorar ainda mais essas camadas internas. 

Existem momentos dramáticos baseados principalmente na ideia de que uma relação com alguém mais jovem não dará certo, pois ele poderia escolher alguém da própria idade e não uma mulher sexagenária.


O grande mérito da obra está em desmontar, com delicadeza, o etarismo afetivo. A relação entre uma mulher de 60 anos e um homem de 35 surge com espontaneidade, mas é atravessada por um tabu social que recai quase exclusivamente sobre mulheres. 

Enquanto romances entre homens mais velhos e mulheres jovens são normalizados, o oposto ainda causa desconforto. 

O filme confronta esse padrão ao afirmar que afeto, desejo e recomeço não têm prazo de validade e que mulheres maduras continuam potentes, inteiras e dignas de viver histórias de amor.


Glória Pires também acerta no humor, usando referências populares — como o meme “não sou capaz de opinar” — de forma inteligente, sem enfraquecer o tema central. 

Há cuidado na construção da individualidade da protagonista e na forma como ela ressignifica sua autoestima e seu corpo. A personagem Bárbara tem vida própria, vai à boate, sai com a amiga, e se permite viver.

O ponto menos desenvolvido fica por conta do arco envolvendo o filho dela, interpretado por Danilo Mesquita. Ele surge como um jovem pai controlador, moralista e dependente da mãe, especialmente nas decisões sobre a educação do filho dele. 


Embora esse conflito traga questões importantes como machismo estrutural, padrões familiares e as diferenças etárias, algumas soluções do roteiro soam abruptas. A mudança do personagem acontece de forma rápida demais, enfraquecendo a potência dessa parte da narrativa.

O filme também poderia explorar mais atividades que os sessentões realizam, no sentido de mostrar seu bem-estar e sua rotina, algo que seja cotidiano e orgânico. 

Sabemos que a vida é imprevisível e cheia de surpresas, mas parece haver certo receio de mostrar que pessoas acima dos 60 anos são ativas, lúcidas e têm desejos e vontades como qualquer outra.


No conjunto, "Sexa" se estabelece como um filme que celebra mulheres nesta faixa de idade e reafirma seu direito ao amor e ao recomeço, mesmo quando a sociedade insiste em dizer o contrário. 

É uma obra que emociona pela honestidade, diverte com sutileza e abre conversas necessárias, apesar de aprofundar pouco em algumas reflexões. Mas entrega uma conclusão limpa e coerente com o que propõe.


Ficha técnica:
Direção: Glória Pires
Produção: Giros Filmes e Audaz Filmes, coprodução da Paramount Pictures e Riofilme
Distribuição: Elo Studios
Exibição: Cinemark Pátio Savassi
Duração: 1h30
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gêneros: comédia, romance

30 março 2022

“O Presidente Improvável” faz refletir sobre a história recente do Brasil

Brilhante documentário sobre a trajetória do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (Fotos: Rossana Giesteira/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni

Quando foi criado em 1994, o Plano Real, que salvou o Brasil de uma inacreditável inflação de 3.000% ao ano, muitos receavam que o brasileiro não compreendesse e rejeitasse o que parecia complicado demais, incluindo uma conversão da moeda, o Cruzeiro Real, para uma tal URV (Unidade Real de Valor). “Felizmente, todo o Brasil compreendeu, inclusive o Lula, que foi contra exatamente porque entendeu e sabia que ia dar certo. Como meu concorrente às eleições, era esse o papel dele”. 

“Política é jogo de poder". O argumento, usado por Fernando Henrique Cardoso no documentário “O Presidente Improvável”, resume uma das ideias que o tucano tem hoje, do alto dos seus 90 anos, sobre a arte de fazer política. O filme entra em cartaz nesta quinta-feira (31 de março), no UNA Cine Belas Artes, em Belo Horizonte, e em salas no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Salvador, Curitiba e Manaus.

Gilberto Gil, FHC e o diretor Belisário Franca

A relação do entrevistado com Lula, que ele considera como "complexa”, é apenas um dos muitos temas do documentário dirigido por Belisário Franca, que reúne a nata de uma geração de intelectuais brasileiros e algumas personalidades estrangeiras. 

Estão lá Bill Clinton, Pedro Malan, Gilberto Gil, Raul Jungmann, Celso Lafer, Maria Hermínia Tavares, Nelson Jobim, Alain Touraine e outros, todos maduros, acima dos 80 anos. Tanto que, logo no início da reunião alguém brinca: “A essa altura da vida, só nos resta falar”. Uma observação: FHC se comunica em português, inglês, francês e espanhol.

Maria Hermínia Tavares

Intercalando conversas e entrevistas com material de arquivo, o filme é uma aula de História e, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre o passado recente do Brasil. Bem-humoradas e falantes, as pessoas ali presentes debatem principalmente a política e redes sociais, mas também buscam lembranças e comentam sobre o casamento de mais de 50 anos do entrevistado com dona Ruth, o exílio no Chile e na França e seu início na política partidária. 

Fernando Henrique assegura, mais de uma vez, que nunca quis ser político e que governar o Brasil é carregar uma cruz muito pesada. “Ser presidente não é agradar todo mundo”, ele diz a certa altura. “É fazer o que é certo”. Tancredo Neves e Ulisses Guimarães foram grandes incentivadores do ingresso de FHC na política. 


Segundo uma história lembrada no documentário, a certa altura da convivência do professor sociólogo com as duas velhas raposas do MDB, Tancredo teria perguntado a Ulisses: “Você não acha que está na hora deste coroinha virar padre e começar a rezar missa?”

Nascido no Rio de Janeiro, mas criado em São Paulo, Fernando Henrique se considera um privilegiado de classe média alta, e admite que o que o aproximou da favela, dos negros e do campo foi sua atividade como sociólogo. Ele estava em Paris em maio de 1968 e confessa: “Aquilo mudou minha vida”. 

Entre outras coisas, o ex-presidente revela que nunca foi neoliberal, que votou em Lula em 1989, que aprendeu muito com Itamar Franco, que se orgulha de ter criado a Comissão de Mortos e Desaparecidos e que, de certa forma, se arrepende de ter incentivado a mudança na legislação para aprovar a própria reeleição. “Se fosse hoje, tenho dúvidas se faria isso”.


Apreciando ou não as ideias, conceitos e a atuação de FHC, “O Presidente Improvável” é uma oportunidade imperdível de se conhecer mais sobre o Brasil e os brasileiros. A conversa dos participantes é sempre leve e de alto nível, as observações são sempre curiosas e reveladoras e alguns comentários são exemplares. 

A certa altura, alguém se lembra da campanha das Diretas Já em 1984, que reunia, num só palanque, Brizola, Ulisses, Tancredo, Montoro, Quércia, Covas, Lula, Suplicy, Miguel Arraes e Teotônio Vilela, entre outros, uma diversidade impensável nos dias de hoje. Segundo ele, a polaridade, incentivada pelas redes sociais, pode ser um risco para a democracia.


Ficha técnica:
Direção: Belisario Franca
Roteiro: Lyana Peck e Belisario Franca
Produção: Giros Filmes
Distribuição: Bretz Filmes
Exibição: UNA Cine Belas Artes
Duração: 1h40
Classificação: Livre
País: Brasil
Gênero: Documentário