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30 março 2022

“O Presidente Improvável” faz refletir sobre a história recente do Brasil

Brilhante documentário sobre a trajetória do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (Fotos: Rossana Giesteira/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni

Quando foi criado em 1994, o Plano Real, que salvou o Brasil de uma inacreditável inflação de 3.000% ao ano, muitos receavam que o brasileiro não compreendesse e rejeitasse o que parecia complicado demais, incluindo uma conversão da moeda, o Cruzeiro Real, para uma tal URV (Unidade Real de Valor). “Felizmente, todo o Brasil compreendeu, inclusive o Lula, que foi contra exatamente porque entendeu e sabia que ia dar certo. Como meu concorrente às eleições, era esse o papel dele”. 

“Política é jogo de poder". O argumento, usado por Fernando Henrique Cardoso no documentário “O Presidente Improvável”, resume uma das ideias que o tucano tem hoje, do alto dos seus 90 anos, sobre a arte de fazer política. O filme entra em cartaz nesta quinta-feira (31 de março), no UNA Cine Belas Artes, em Belo Horizonte, e em salas no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Salvador, Curitiba e Manaus.

Gilberto Gil, FHC e o diretor Belisário Franca

A relação do entrevistado com Lula, que ele considera como "complexa”, é apenas um dos muitos temas do documentário dirigido por Belisário Franca, que reúne a nata de uma geração de intelectuais brasileiros e algumas personalidades estrangeiras. 

Estão lá Bill Clinton, Pedro Malan, Gilberto Gil, Raul Jungmann, Celso Lafer, Maria Hermínia Tavares, Nelson Jobim, Alain Touraine e outros, todos maduros, acima dos 80 anos. Tanto que, logo no início da reunião alguém brinca: “A essa altura da vida, só nos resta falar”. Uma observação: FHC se comunica em português, inglês, francês e espanhol.

Maria Hermínia Tavares

Intercalando conversas e entrevistas com material de arquivo, o filme é uma aula de História e, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre o passado recente do Brasil. Bem-humoradas e falantes, as pessoas ali presentes debatem principalmente a política e redes sociais, mas também buscam lembranças e comentam sobre o casamento de mais de 50 anos do entrevistado com dona Ruth, o exílio no Chile e na França e seu início na política partidária. 

Fernando Henrique assegura, mais de uma vez, que nunca quis ser político e que governar o Brasil é carregar uma cruz muito pesada. “Ser presidente não é agradar todo mundo”, ele diz a certa altura. “É fazer o que é certo”. Tancredo Neves e Ulisses Guimarães foram grandes incentivadores do ingresso de FHC na política. 


Segundo uma história lembrada no documentário, a certa altura da convivência do professor sociólogo com as duas velhas raposas do MDB, Tancredo teria perguntado a Ulisses: “Você não acha que está na hora deste coroinha virar padre e começar a rezar missa?”

Nascido no Rio de Janeiro, mas criado em São Paulo, Fernando Henrique se considera um privilegiado de classe média alta, e admite que o que o aproximou da favela, dos negros e do campo foi sua atividade como sociólogo. Ele estava em Paris em maio de 1968 e confessa: “Aquilo mudou minha vida”. 

Entre outras coisas, o ex-presidente revela que nunca foi neoliberal, que votou em Lula em 1989, que aprendeu muito com Itamar Franco, que se orgulha de ter criado a Comissão de Mortos e Desaparecidos e que, de certa forma, se arrepende de ter incentivado a mudança na legislação para aprovar a própria reeleição. “Se fosse hoje, tenho dúvidas se faria isso”.


Apreciando ou não as ideias, conceitos e a atuação de FHC, “O Presidente Improvável” é uma oportunidade imperdível de se conhecer mais sobre o Brasil e os brasileiros. A conversa dos participantes é sempre leve e de alto nível, as observações são sempre curiosas e reveladoras e alguns comentários são exemplares. 

A certa altura, alguém se lembra da campanha das Diretas Já em 1984, que reunia, num só palanque, Brizola, Ulisses, Tancredo, Montoro, Quércia, Covas, Lula, Suplicy, Miguel Arraes e Teotônio Vilela, entre outros, uma diversidade impensável nos dias de hoje. Segundo ele, a polaridade, incentivada pelas redes sociais, pode ser um risco para a democracia.


Ficha técnica:
Direção: Belisario Franca
Roteiro: Lyana Peck e Belisario Franca
Produção: Giros Filmes
Distribuição: Bretz Filmes
Exibição: UNA Cine Belas Artes
Duração: 1h40
Classificação: Livre
País: Brasil
Gênero: Documentário