Documentário estreia simultaneamente nos cinemas e nas plataformas de streaming dia 27 de maio (Fotos: Vitrine Filmes/Divulgação)
Jean Piter Miranda
Como foram os dias que antecederam a votação do “impeachment” no Congresso Nacional? Mais especificamente, como foram os últimos dias da presidenta Dilma Rousseff no Palácio da Alvorada? Isso é o que podemos ver em “Alvorada”, documentário dirigido por Anna Muylaert, de “Que Horas Ela Volta”(2015), e Lô Politi. A produção estreia nesta quinta-feira (27), nos cinemas e nas plataformas de streaming Now, Oi e Vivo Play.
Que foi um golpe todo mundo sabe. O ex-presidente Michel Temer confessou. A autora do pedido de “impeachment”, Janaína Paschoal, também admitiu. Tem o áudio da conversa entre o ex-senador Romero Jucá (MDB) e o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, admitindo que havia um “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”. Vários outros deputados, dirigentes partidários, juristas e cientistas políticos disseram o mesmo.
A então presidenta Dilma Rousseff não caiu por problemas de contabilidade (pedaladas fiscais), nem por ter cometido algum crime. Foi tudo uma farsa, um teatro para fingir que tudo estava sendo feito dentro da lei.
Diferente de outros documentários em que há um narrador, em "Alvorada", as imagens vão sendo conduzidas por si só. A sensação é de que são os olhos de alguém dentro do Palácio da Alvorada, a residência oficial do presidente ou presidenta da República. O filme acompanha o dia a dia no Alvorada, com Dilma, seus assessores, ministros e apoiadores. Tudo é passado de um ponto de vista de dentro do Palácio.
Ao longo do filme são apresentados trechos de diálogos entre ministros, assessores e a presidenta. Mas não há nenhuma conversa do tipo secreta que mostre estratégias de defesa ou articulações políticas para evitar o golpe. A grande novidade é o ambiente, o clima dos últimos dias de Dilma no governo. Algo que não foi exibido em outros documentários e reportagens especiais sobre o tema.
“Alvorada” mostra os cozinheiros e faxineiros em suas rotinas. O povo da manutenção, os guardas e as secretárias. Os rostos anônimos de pessoas comuns sem os quais o Palácio não funciona. E só assim é que o expectador realmente se dá conta de que se trata literalmente de um Palácio, em proporções e dimensão. São centenas de pessoas trabalhando todos os dias no local.
Outro ponto alto de “Alvorada” são as visitas que Dilma recebe, em atos de solidariedade. São muitos e muitos amigos, artistas, deputados, senadores, dirigente partidários, lideranças de movimentos sociais e sindicalistas se encontrando com a presidenta. O que mostra que embora ela tenha sido julgada individualmente, em momento algum ela esteve sozinha.
Muitos rostos conhecidos passam pelo Alvorada. Lula, Boulos, Chico Buarque e vários outros. A pessoa que acompanha a política mais de perto vai reconhecer as deputadas Maria do Rosário e Jandira Feghali, a senadora Kátia Abreu, os então ministros José Eduardo Cardozo e Aloizio Mercadante, e até mesmo os líderes sindicais e de movimentos sociais.
Por vezes, Dilma conversa com a câmera. Fala de tudo um pouco. Inclusive sobre a sensação de estar sendo filmada o tempo todo. Conta histórias. Sorri. É uma produção, de certa forma, bem intimista. É muito sobre a presidenta e mais ainda sobre o Palácio. Até os acontecimentos externos são mostrados a partir de algum ponto do Alvorada, visto por TVs.
O documentário não procura explicar como o golpe aconteceu, nem como a defesa de Dilma foi construída. Não fala sobre articulações políticas, negociações ou alianças. Mostra um misto de tensão e melancolia. Sensações que não passam, uma vez que todo mundo sabe o desfecho dessa história. E é por isso que ele é bom. Por mostrar os fatos sob um outro ângulo que as pessoas ainda não tinham visto.
Ficha técnica:
Direção: Anna Muylaert e Lô Politi Exibição: cinemas e plataformas Now, Oi e Vivo Play Produção: África Filmes / Dramática Filmes / Cup Filmes Distribuição: Vitrine Filmes Duração: 1h20 Classificação: 10 anos País: Brasil Gênero: Documentário
Documentário de Joana Nin estreia na plataforma Globoplay e no canal GNT (Fotos: Sambaqui Cultural/Divulgação)
Da Redação
Sabia que nascer em Fernando de Noronha é proibido? Entenda mais sobre esta polêmica questão no famoso arquipélago brasileiro no documentário “Proibido Nascer no Paraíso", em cartaz na plataforma Globoplay e com estreia prevista no canal GNT no próximo dia 5 de maio.
Dirigido por Joana Nin, o documentário foi rodado entre 2017 e 2019 e acompanha três gestantes de famílias tradicionais da ilha, cujo desejo é dar à luz no local onde moram, perto de seus familiares. Há décadas, Ione, Harlene e Babalu são obrigadas a se deslocar para o continente para realizarem seus partos. A ideia do projeto surgiu a partir da primeira visita dela à ilha quando ouviu a frase: “Aqui é proibido nascer”.
Ao investigar isso, descobriu que as grávidas são obrigadas a ir para Recife 12 semanas antes dos seus partos, que devem ser feitos na capital. Na ilha até existe hospital, mas que não realiza procedimentos obstétricos há quase 20 anos. Há muitos anos a comunidade acredita que os nascimentos foram suspensos para evitar que estes bebês reivindiquem direitos no futuro.
Como as terras são públicas, os terrenos não podem ser oficialmente vendidos. Eles são concedidos por meio de um Termo de Permissão de Uso – TPU, um documento muito cobiçado. Moradores permanentes – com mais de dez anos de ilha – podem pôr o nome em uma lista e esperar pelo recebimento de um terreno, ou uma casa, já que oficialmente não há compra e venda de imóveis. E disputam espaço com os empresários do turismo.
Para a diretora, o tema é de interesse de todos os moradores e moradoras locais, e, por isso, todo mundo a ajudou muito fornecendo informações. Para realizar o filme, ela também explica que foi preciso conhecer a ilha, suas peculiaridades administrativas.
Fernando de Noronha, um lugar dentro do Brasil com uma lógica própria, não é um município, é um distrito estadual de Pernambuco. O administrador é um cargo nomeado pelo governador, assim como todo pessoal de apoio.
A única instância local com eleição democrática é o Conselho Distrital, que não tem função legislativa. A ilha até hoje funciona, de certa forma, como um presídio ou um quartel, a população é tutelada. Tudo é controlado pelo “Palácio”, como os moradores chamam a sede da administração na ilha.
Em “Proibido Nascer no Paraíso", de acordo com a cineasta, a mulher sequer é considerada, parece ser propriedade de terceiros. Isso tem a ver com um movimento iniciado na década de 1940, quando a gestação passou a ser um tema médico, equiparado a uma doença, e não mais um assunto feminino familiar, como era até então.
"As condições precárias do hospital local, o São Lucas, afetam não apenas as gestantes, mas também os turistas, pois a instituição não está preparada para qualquer intervenção que dependa de um centro cirúrgico, anestesista, banco de sangue, UTI ou qualquer outro tipo de atendimento para além do básico", afirma Nin.
Joana aponta que um dos objetivos do filme é “fazer o turista entender que a ele também faltará atendimento emergencial, caso precise. É triste pensar isso, mas os visitantes tem muito mais poder de barganha do que as mulheres da comunidade”.
“Proibido Nascer no Paraíso" tem o poder de sensibilizar e transformar. "O fato de as mulheres não poderem escolher onde e como querem ter seus bebês foi tornado permanente há 17 anos, embora não exista nenhuma lei determinando nada disso. É revelador sobre o quanto ainda teremos que lutar para fazer valer nossos direitos, para ver respeitados nossos desejos. Espero que o filme contribua para essa reflexão e ajude, de alguma forma, em um processo de transformação desta realidade. Para que gestar e parir sejam atos mais respeitosos com as mulheres no futuro, não apenas em Fernando de Noronha, mas em todos os lugares”, conclui a diretora.
Campanha de impacto
O lançamento de “Proibido Nascer no Paraíso" foi planejado para acontecer na sequência de uma campanha de impacto. Desde maio de 2020, a produtora Sambaqui Cultural vem realizando sessões fechadas online com públicos estratégicos ligados diretamente ao tema gravidez e parto, ou ao direito da mulher, sempre seguidas de debate com a diretora e equipe.
Foram mobilizados parceiros como OAB Mulher, Grupo Curumim, Rehuna, Instituto Aurora, CLAM (Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos) entre outros, atingindo um público qualificado.
Para o lançamento em maio, a equipe de produção está preparando um "barrigaço do mês das mães" com templates e convites para mulheres de todo o Brasil contarem sobre como tiveram, ou não, suas escolhas de parto respeitadas – a ser postada nas redes sociais do filme. Para saber como foi esse trabalho, acompanhe as redes sociais do filme listadas em https://linktr.ee/proibidonascernoparaiso.
Ficha Técnica
Produção, direção e roteiro - Joana Nin, Ade Muri, Sandra Nodari e Julia Lea de Toledo Produção: Sambaqui Cultural Distribuição: Boulevard Filmes Duração: 1h18 minutos Gênero: Documentário Classificação: Livre
Sérgio Chamy é o simpático idoso contratado para bisbilhotar uma casa de repouso na capital chilena (Fotos Globoplay/Divulgação)
Mirtes Helena Scalioni
Único filme latino-americano indicado ao Oscar – concorre a
Melhor Documentário de Longa Metragem – “Agente Duplo” ("The Mole
Agent" / "El Agente Topo") é dessas produções que prendem o
espectador do início ao fim, mesmo que o público saiba que não se trata de
ficção. É tão carismática a atuação de Sérgio Chamy, um senhor de 83 anos
contratado para bisbilhotar uma casa de repouso, que, por vezes, pode-se
confundi-lo com um ator.
A direção é da
chilena Maite Alberti, mas como há outras pessoas de nacionalidades diferentes
envolvidas na produção, “Agente Duplo” acaba por se tornar um filme universal.
O tema – a velhice e suas questões – também ajuda a tornar o longa fácil de
assistir por pessoas de todas as idades.
A sinopse: o detetive chileno Rômulo coloca anúncio num
jornal para contratar um idoso para se infiltrar na Casa de Repouso San
Francisco, em Santiago do Chile. A ideia é que ele ateste – ou não – se uma tal
senhora moradora do asilo está recebendo maus-tratos. Entre os muitos
candidatos, o escolhido é Sergio Chamy, que mora meses na casa para espionar
com a única obrigação de fazer um relatório diário para o escritório.
A dedicação de Sergio, a seriedade com que ele leva adiante
sua missão e, principalmente, seu cavalheirismo e gentileza o tornam uma
espécie de galã, cortejado por quase todas as velhinhas. Se, no início, as
dificuldades do espião com o uso do celular, as filmagens e mensagens de
WhatsApp fazem rir, aos poucos o espectador vai se envolvendo com o que
verdadeiramente ele vai descobrindo: a solidão e o abandono de muitos daqueles
moradores. “A vida é cruel”, diz, a certa altura, um dos internos.
Segundo contou a diretora em entrevistas, os moradores da Casa
de Repouso San Francisco foram avisados de que alguém estaria, naqueles dias,
gravando um documentário sobre o asilo. Mas os idosos não pareciam se incomodar
com isso. Na verdade, nada parecia incomodá-los. Com raras exceções, o que
prevalece é a desesperança. Sem dúvida, “Agente Duplo” é um filme muito triste.
Ficha técnica:
Direção e roteiro: Maite Alberdi Exibição: Globoplay Duração: 1h24 Classificação: 12 anos País: Chile Gênero: Documentário
Documentário aborda o trabalho desenvolvido nas Apacs do país sob a perspectiva do recuperando (Fotos: Camino Productions/Divulgação)
Flávia Carneiro Jornalista e colaboradora
Foi lançado oficialmente nesta segunda-feira (19) para um público especial, o documentário "Unguarded" (em português, desarmados). A produção cinematográfica aborda particularidades da aplicação da metodologia da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) em comarcas mineiras.
Dirigido pela cineasta italiana e professora universitária nos EUA, Simonetta D´Italia-Wiener, o documentário foi exibido online e reuniu mais de 300 conexões simultâneas com o público que cumpre pena em diversas Apacs de Minas Gerais, do Brasil (mais de seis mil pessoas) e de outros países, como a Itália, além de funcionários e voluntários. O documentário completo estará disponível em breve no canal Globoplay.
Desenvolvido em parceria com a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), a produção contou com o apoio do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e tem sido difundida mundialmente, recebendo vários prêmios do cinema internacional.
Simonetta D'Italia-Wiener explicou que "Unguarded", de 2020, é fruto de visitas às unidades das Apacs de Itaúna e São João del-Rei em 2018. A filmagem retrata a experiência da aplicação da metodologia apaquiana, sob a perspectiva do recuperando.
"O documentário nos leva para dentro dos muros das Apacs, o revolucionário sistema carcerário brasileiro voltado para a plena recuperação e reabilitação da pessoa. A partir de 1970, o advogado Mário Ottoboni foi voluntário em algumas das piores prisões do Brasil. Vendo homens e mulheres frequentemente retornarem à vida do crime depois de serem libertados da prisão, ele decidiu fundar seu próprio sistema de justiça restaurativa”, destacou a diretora.
Os resultados têm sido extraordinários: enquanto o índice de criminalidade e reincidência é alto nas prisões públicas brasileiras, dentro do sistema Apac tem diminuído constantemente, constatou.
O documentário conta com depoimentos de recuperandos como o de Bruno Adriano Bacelar, que mostrou como é a rotina dos internos, com atividades de trabalho e estudo. Saiba mais sobre a produção clicando aqui
O juiz Luiz Carlos Rezende e Santos, coordenador-executivo do programa Novos Rumos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, é um dos entrevistados. Ele fala sobre a proposta da produção e a metodologia Apac e a relação na qual a segurança social se alcança mais com trabalhos de recuperação do infrator do que com a simples punição.
Valdeci Antônio Ferreira, diretor-executivo da FBAC, acredita que o documentário pode ser encarado como um marco para a expansão das Apacs não só no Brasil, mas em outros países, diante do aumento da visibilidade da iniciativa. O que aumenta a responsabilidade, uma vez que as Apacs passam a ser mais observadas e monitoradas.
Simonetta D´Italia-Wiener, natural de Florença (Itália), é diretora e produtora de filmes e professora de Língua Italiana, Literatura e Cinema no St. Francis College, em Nova York. Na mesma cidade ela também é codiretora do programa de estudos da School of Visual Arts. Foi curadora de vários eventos cinematográficos, entre eles, o Centro Cultural Crossroads.
Por oito anos, ela foi a organizadora americana do Rimini Film Festival Meeting. Foi consultora de produção de curtas e, mais recentemente, fundou a produtora de filmes Camino Productions NYC, LLC. Em 2015-2016, ela codirigiu e coproduziu o premiado documentário "The Awakened Heart". Assina como diretora os documentários "The Awakened Heart "(2016) e "Unguarded" (2020).
Documentário em quatro episódios conta a vida de um dos maiores contraventores do país (Fotos: Globoplay/Reprodução)
Mirtes Helena Scalioni
Personagens absurdos, incoerentes e paradoxais costumam
encantar leitores e espectadores da ficção. E quando essas figuras saltam dos
livros e das telas para o mundo real, aí sim é que fascinam e instigam. É o
caso do bicheiro Castor de Andrade, cujas vida e obra são contadas com maestria
no documentário “Doutor Castor”, em cartaz no Globoplay. Em quatro episódios
bem amarrados, imagens inéditas e uma variedade grande de depoimentos, a
minissérie prende e fisga o público.
Nascido em 1926, o carioca Castor Gonçalves de Andrade e
Silva se estabeleceu e fez sua vida, digamos, profissional, em Bangu, subúrbio
do Rio de Janeiro. Simpático, carismático e sedutor, era capaz de gestos
extremos de generosidade e crueldade num mesmo dia sem perder o sorriso.
Afinal, tinha nas mãos o poder de comando das duas maiores paixões do Brasil: o
futebol e o Carnaval.
Bicheiro assumido, Castor presidiu praticamente a vida toda
o Bangu Atlético Clube, que viveu sua fase áurea nas décadas de 1960 a 1985,
ano que conquistou o vice-campeonato brasileiro, além de comandar a Mocidade
Independente de Padre Miguel, escola que foi cinco vezes campeã do Carnaval.
Tendo essas duas funções como vitrine, ele circulou pelo high society carioca,
frequentou a mesa de políticos influentes e fez muitos amigos na imprensa, na
polícia e na Justiça. Ou seja: sua vida está intimamente ligada à história do
Rio de Janeiro, com suas estranhas relações de poder que ligam a bandidagem à
oficialidade.
O que mais confere autenticidade ao documentário dirigido
por Marco Antônio Araújo e Rodrigo Araújo são os depoimentos, variados e
editados de forma inteligente e equilibrada. Historiadores, pesquisadores, ex-jogadores,
amigos e jornalistas contam histórias curiosas, edificantes, inacreditáveis e
escabrosas do bicheiro.
Chamam atenção as falas de um ex-juiz de futebol, que
confessa ter recebido propina para beneficiar o time do Bangu; de Boni, ex-todo
poderoso da Globo, que despista como pode sua relação de amizade com Castor; e
de Michel Assef, ex-advogado do contraventor, que tenta justificar seus crimes.
Sem falar na entrevista que ele, como um pop star, concedeu a um então poderoso
Jô Soares.
Capítulo à parte entre os depoimentos são as declarações
mais do que contundentes da juíza Denise Frossard, responsável por um dos
processos e uma das prisões de Castor de Andrade, marcando, talvez, o início da
derrocada do império do maior bicheiro do Brasil.
Ao desnudar as relações da
contravenção com o poder, revelando o talento e senso de oportunidade do nosso
“capo di tutti i capi”, “Doutor Castor” coloca o Brasil no rol dos países que,
além de tratar bem, compactuam e acobertam seus mafiosos, com sua violência,
bizarrices e malas sempre repletas de dinheiro.
Ficha técnica:
Direção: Marco Antônio Araújo Exibição: Globoplay Duração: Série de 4 episódios (média de 60 minutos) País: Brasil Gêneros: Documentário / Série
Josefina Ramirez faz uma atuação com dignidade e talento a
protagonista (Fotos: Vitrine Filmes/Divulgação)
Mirtes Helena Scalioni
Qualquer pessoa minimamente interessada em cinema fica
imediatamente curiosa ou interessada ao ler a sinopse de "Nona: Se Me Molham,
Eu Os Queimo" (“Nona, si me mojan, los quemo”), filme chileno em
coprodução com Brasil, França e Coreia do Sul. Ou seja: não se trata de uma
empreitada qualquer. A estreia está prevista para quinta-feira (18) nos
cinemas.
“Aos 66 anos, Nona decide finalmente se vingar de seu
ex-amante e comete um atentado que a obriga a fugir para que não seja presa.
Depois de se estabelecer em uma cidade costeira do Chile, um incêndio de
grandes proporções obriga seus vizinhos a deixarem suas casas, mas estranhamente
sua moradia é a única a não ser afetada”.
Mas, verdade seja dita: “Nona...” não é um filme fácil de
ver. Arrastado, arrastadíssimo, parece, a princípio, um filme caseiro. Na
verdade é, pelo menos em parte. A diretora, Camila José Donoso, que também
assina o roteiro, mistura ficção com vídeos domésticos de sua avó real, Nona,
mulher misteriosa e guerreira que militou na resistência da ditadura de Augusto
Pinochet.
Acontece que esses filmetes são talvez utilizados em
excesso, em várias situações, e sempre por longos períodos de tempo. Outro
detalhe: cenas que poderiam ser facilmente resolvidas com começo e fim se
alongam infinitamente no miolo, no processo, sem nenhuma necessidade. Além de
distrair, desconcentra o espectador. Cansa.
O que salva no longa chileno é a atuação de Josefina
Ramirez, que faz com dignidade e talento a protagonista Nona, de quem o
espectador fica sabendo pouquíssimas coisas: que gosta de dançar, que costuma
mentir, que é meio dissimulada, quase bipolar. E que aprendeu, na ditadura, a
fabricar artesanalmente e com certa destreza, coquetéis molotov capazes de
fazer grande estrago em um carro, destruir casas ou de tocar fogo em florestas.
Chama atenção também a participação – pequena, mas marcante
para nós, brasileiros – de Du Moscovis, que entra meio sem aviso nem
explicação, atua quase como um figurante de luxo, aumentando ainda mais as
dúvidas do espectador. Há coisas no filme que o público desconfia, mas não
consegue ter certeza quando termina a
história. Para os que gostam desse tipo
de jogo, "Nona: Se Me Molham, Eu Os Queimo" é um prato cheio.
Por uma questão de justiça, registre-se também a atuação dos
demais que aparecem no filme: Gigi Reyes, Paula Dinamarca e Nancy Gomez, além
de outros, não atores, com participações irrisórias. Fora Josefina Ramirez e Du
Moscovis, ninguém mais se destaca na trama.
Pode ser que os cinéfilos mais ligados nos chamados filmes
de arte apreciem o longa e toda a simbologia que há embutida nele. Mas não se
trata de uma trama fácil de ser assimilada. Ao final da história, o espectador
fica sabendo, concretamente, que Nona se muda de Santiago para a cidade
costeira de Pichilemu, vive sozinha numa casa relativamente grande e com
quintal cheio de plantas, e que, entre outros detalhes, convive relativamente
bem com os constantes incêndios na sua vizinhança. Mais do que isso, impossível.
Ficha técnica Direção e Roteiro: Camila José Donoso Distribuição: Vitrine Filmes Países: Chile / Brasil / França / Coreia do Sul Duração: 1h26 Classificação: 12 anos Gêneros: Documentário / Ficção
Documentário mostra o belo trabalho de solidariedade que começou no século XVIII na antiga Hospedaria do Imigrante, em São Paulo (Fotos: Luca Meola)
Maristela Bretas
"Não é apenas uma história sobre uma casa de acolhimento,
mas um convite a refletir sobre amor, fraternidade e ajuda mútua". Esta é
a melhor definição para "Vidas (In)visíveis - Um Arsenal de
Esperança", da diretora Erica Bernardini. Um documentário emocionante
feito a partir da pandemia de Covid-19 que tomou conta do mundo em 2020. A
antiga Hospedaria do Imigrante, que um dia foi ponto de controle para evitar a
entrada de possíveis doenças na cidade de São Paulo trazida por quem chegava ao
país, retorna a suas origens para cuidar de um novo público.
A produção gira em torno do trabalho desenvolvido no Arsenal
da Esperança, uma casa de acolhimento fundada em 1996 por Ernesto Olivero e Dom
Luciano Mendes de Almeida, que começou em Turim, na Itália com o Arsenal da Paz
e hoje possui outra unidade italiana voltada para crianças e uma na Jordânia
para jovens deficientes. O abrigo paulista recebe diariamente uma média de
1.200 homens que se encontram em estado de vulnerabilidade.
Um ótimo documentário que deve ser assistido por italianos e
descendentes no Brasil e pelo público em geral. Ele aborda um pouco de como era
tratada a questão da saúde no início da imigração no final do século XVIII e o
importante papel da Hospedaria do Imigrante. Um local que reúne milhares de
histórias de imigrantes e daqueles que hoje também buscam este ponto para
recomeçarem suas vidas.
Por quase 25 anos mais de 64 mil dessas pessoas,
in(visíveis) para a sociedade, encontraram em sua jornada sofrida um ponto de
acolhida de amor, fraternidade, compaixão e ajuda mútua no Arsenal. Mas a
pandemia da Covid-19 mudou a realidade e fez com que o cuidado e a orientação
aos abrigados precisassem ser reformulados.
A partir daí surge a ideia de se fazer o documentário
mostrando como foi a orientação no Arsenal da Esperança a esses homens,
acostumados a viverem na rua, e que agora teriam de ficar em isolamento, usar
máscaras e manter afastamento de outras pessoas para evitarem a contaminação. O
registro da rotina diária dentro do abrigo foi feito por dois voluntários da
entidade: José Luiz Altieri Campos e o fotógrafo milanês Luca Meola.
Com depoimentos, fotos e vídeos do passado e em meio à
pandemia, o documentário conta como o Arsenal da Esperança foi criado, a rotina
de quem frequenta o local. Apresenta o trabalho realizado desde a fundação por
missionários italianos e que se transformou em referência em acolhimento e
solidariedade.
Ótimas imagens e narrações serenas e cativantes,
especialmente as do padre Simone Bernardi, missionário italiano do Sermig
(Serviço Missionário Jovem) - Fraternidade da Esperança, fazem da produção um
documentário histórico. Mostra como a pandemia afetou a todos - funcionários e
abrigados e como eles estão enfrentando a quarentena, suas angústias, medos,
sonhos e a vontade de recomeçar. E como a experiência do passado foi importante
para o trabalho presente. Histórias que fazem chorar e acreditar que as pessoas
querem e podem ser melhores.
Acesso online
O documentário está disponível no 15º Festival de Cinema
Italiano no Brasil, que acontece até esta terça-feira (08/12), em plataforma
online para todo público brasileiro pelo sitewww.festivalcinemaitaliano.com, em parceria com o Cine Petra Belas
Artes, de São Paulo. Os ingressos para assistir ao Festival têm valor fixo de R$
9,90 e dão direito ilimitado a toda a programação.
A produção tem o apoio do Consulado Geral da Itália em São
Paulo e da empresa de imigrantes italianos, Zini Alimentos. A diretora Erica
Bernardini é uma profissional que atua há 20 anos na promoção da cultura
italiana no Brasil, com diversos projetos e realizações na área.
Ficha técnica: Direção: Erica Bernardini Exibição: pelo site www.festivalcinemaitaliano.com Duração: 1h00 Produção: Arteon Classificação: Livre Países: Brasil /Itália Gêneros: Documentário / Drama
Minissérie da Netflix narra a odisseia de Michael Jordan à frente dos Bulls (Fotos: Netflix/Reprodução)
Wallace Graciano
Amigos leitores, agora que o hype passou, posso lhes confirmar categoricamente: “The Last Dance” é, sem dúvida, a maior série documental já feita no âmbito esportivo e uma das mais belas obras biográficas já produzidas. Mais do que simplesmente fazer uma retrospectiva sobre a última temporada de Michael Jordan no Chicago Bulls, “Arremesso Final”, como foi traduzido no Brasil pela Netflix, oferece uma reflexão sobre o porquê jogador e time entraram para o panteão da história do basquete. Tudo porque a minissérie deixa de lado o arquétipo do herói perfeito e busca humanizá-los.
Durante seus 10 episódios, vimos Jordan, Scottie Pippen, Dennis Rodman e companhia duelarem contra os mais diversos rivais, seja dentro ou fora de quadra. Para além da bola quicando, o documentário traz à tona tudo o que envolveu os seis títulos conquistados pelos Bulls, mostrando os bastidores da equipe e todo o lado psicológico que envolveu o time.
Ao revelar essa faceta dos heróis de Chicago da década de 1990, “Arremesso Final” desfaz o mito do herói tão comum em construções biográficas. Nela, Jordan é perfeitamente retratado como alguém temperamental, que tem compulsão pelo sucesso e ataca seus companheiros por isso. Indo e voltando na linha do tempo, traz os bastidores e dificuldades que o jogador enfrentou para se tornar o maior mito do esporte norte-americano.
Os bastidores, por sinal, são um ponto à parte. Paralelamente em meio ao período que a NBA consolidava-se e expandia seus mercados ao redor do mundo, crescia os mecanismos de registro visual. Assim, a série é recheada de imagens daquele time dos sonhos, mostrando a dificuldade na qual o técnico Phil Jackson teve para guiá-los ao hexacampeonato.
Outro ponto interessante é colocar Jordan, aos 57 anos, em confronto com seus antigos desafetos das décadas de 1980 e 1990, ou mesmo contra a diretoria dos Bulls, que não permitiu que ele e seus companheiros buscassem o hepta.
Não obstante, para aliviar um pouco a narrativa do lado obsessivo de Jordan e seus companheiros, a série traz de forma paralela o impacto dos Bulls e da NBA na década de 1990, citando até mesmo o mítico tênis Air Jordan e como moldou o comportamento de uma geração.
Se você ainda não viu “The Last Dance”, desmarque seus compromissos e acesse à Netflix tão logo possa. Se não gosta do esporte, siga o mesmo caminho. Afinal, a série não narra apenas uma odisseia esportiva vitoriosa. Traz a humanização dos mitos que moldaram uma geração e o porquê foram a melhor propaganda que o basquete pôde ter.
Documentário de Petra Costa narra os principais fatos políticos do Brasil nas últimas décadas (Fotos: Netflix/Divulgação)
Jean Piter
Sabe aquela sensação repentina de que tudo em volta está girando? A vista embaçada, o mal estar no corpo, os pés que parecem não estar no chão e a incapacidade de fazer algo para dar a fim a essa agonia? É o que podemos chamar de vertigem. E é exatamente essa a reação que o documentário “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, pode provocar. Um retrato melancólico e muito honesto da história recente do Brasil, que vai do processo de redemocratização à chegada da extrema direita ao poder, passando pelo golpe sofrido pela então presidente Dilma Rousseff.
O grande diferencial dessa obra é a crônica pessoal feita pela cineasta. Se Michael Moore faz documentários semelhantes a grandes reportagens, onde ele está ali para ouvir e questionar as pessoas, Petra inova ao ser ao mesmo tempo personagem e condutora da história. Ela narra os principais fatos políticos do Brasil nas últimas décadas. Paralelamente, conta as lembranças que tem da vida de sua família: de um lado, pais militantes de esquerda que lutavam contra a ditadura, e do outro, parentes que eram grandes empresários da construção civil. Um pé na elite e outro na clandestinidade.
Petra resume com perfeição a história recente do Brasil, em duas horas de documentário que mesclam memórias, registros jornalísticos e imagens de bastidores. A euforia da reabertura da democracia, os protestos e manifestações populares, as eleições presidenciais, o surgimento e a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT), o crescimento econômico e os escândalos de corrupção. Em uma narrativa que não protege ninguém e que não poupa críticas e questionamentos a nenhum dos lados. Passa pelo impeachment de Dilma, pela operação Lava Jato e a divisão do país entre coxinhas e mortadelas.
O ponto alto dessa história são as imagens do arquivo pessoal de Petra e as entrevistas exclusivas com alguns personagens. É um documentário capaz de arrancar lágrimas de tristeza, de indignação e de desesperança. Um retrato fidedigno de uma República de Famílias, de uma jovem democracia que morre um pouco mais a cada dia. Uma obra necessária e que deve ser vista por todos.
Ficha técnica: Direção: Petra Costa Produção: Netflix Brasil Duração: 2h02 Gênero: Documentário País: Brasil Classificação: 12 anos