21 janeiro 2022

Drama psicológico com pinceladas de terror, "Vozes do Passado" estreia em plataformas digitais

Julia Ormand é o destaque interpretando uma mãe manipuladora e opressiva (Fotos: AtômicaLab)


Maristela Bretas

Com narrativa arrastada e confusa nos primeiros 20 minutos (a duração é de 1h34), o drama psicológico "Vozes do Passado" ("Reunion") já está disponível para compra e aluguel nas plataformas digitais Claro Now, Vivo Play, Tunes/Apple TV, Google Play e YouTube Filmes. Apesar de ter em seu elenco principal a ótima Julia Ormand (como Ivy) e Emma Draper (Ellie) que entregam boas atuações, elas só começam a mostrar seus trabalhos  depois de meia hora de exibição.

Mesmo assim, o diretor e também roteirista Jack Mahaffy fica indeciso se quer explorar a instabilidade emocional de Ellie que se agrava com lembranças do passado, ou se quer seguir para o lado do terror provocado na mente da jovem pela antiga casa da infância. Mas as situações que deveriam assustar não abalam nem criancinha, são bem básicas e só vão melhorar no final. 


Não acredito que a proposta do filme seja a de assustar. O roteiro, apesar das muitas cenas paradas, trabalha muito em cima de flashbacks que provocam dúvidas no espectador sobre a sanidade da jovem e de sua família e o que está por trás de toda trama.

Passados 12 anos da morte da meio-irmã Cara (Ava Keane), Ellie, é uma escritora, está grávida e separada do pai da criança. Ela retorna à casa onde viveu com os pais, Ivy e Jack e, imediatamente começa a ter visões e a sensação de que está sendo perseguida por algo ou alguém. 

A culpa pela tragédia que marcou sua vida no passado, alimentada por uma mãe possessiva, controladora e também instável, vai agravar o fraco lado emocional da jovem..


Emma Draper está bem no papel, mas é Julia Ormand quem se destaca como Ivy, uma mulher com raiva da situação que se encontra, cuidando de um marido inválido que ela odeia por todas as traições que ele lhe impôs durante o casamento, que esconde segredos cruéis. Ela quer manipular de novo a vida da filha como se ela fosse ainda uma garotinha. E também a do filho que ela espera, apossando dele como se fosse seu.

A relação turbulenta e doente entre mãe e filha vai forçando Ellie a enfrentar o passado e a verdade sobre a morte da irmã, da qual se julga culpada. No elenco estão ainda Gina Laverty (como Ellie jovem, cujo olhar dá até medo), Cohen Holloway (namorado da jovem) e John Back (Jack, marido de Ivy e pai de Ellie e Cara).

Filmado na Nova Zelândia, “Vozes do Passado” exige paciência até metade do filme, mas tem um bom elenco e um final que é quase previsível, mas agrada. O longa poderá ser encontrado nas versões dublada e legendada. 


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Jack Mahaffy
Distribuição: Synapse Distribution
Exibição: Claro Now, Vivo Play, Tunes/Apple TV, Google Play e YouTube Filmes
Duração: 1h34
Classificação: 14 anos
Gêneros: Drama / Terror

19 janeiro 2022

Cruel e real, "Pureza" retrata o Brasil invisível onde a abolição da escravatura ainda não chegou

Dira Paes tem interpretação impecável da mulher forte que lutou para encontrar o filho desaparecido (Fotos: Divulgação)


Maristela Bretas


Não bastasse ser um filme sobre uma das maiores chagas do país, o trabalho análogo à escravidão, "Pureza", do diretor Ricardo Barbieri, conseguiu reunir vários outros pontos positivos que vão além da denúncia: fotografia, locação, luz, roteiro e especialmente elenco. 

Ainda que lento no início, o longa vai ganhando vigor quando a protagonista deixa tudo para trás para iniciar sua jornada na busca incansável pelo filho Abel (Matheus Abreu, de "O Segredo dos Diamantes"- 2014) desaparecido há meses.

Com previsão de estreia em 2022 nos cinemas nacionais, “Pureza” já foi exibido em 34 festivais. Ganhou 26 prêmios nacionais e internacionais em 17 países: Brasil, França, EUA, Guadalupe, Itália, Rússia, China, Alemanha, Panamá, Bolívia, Marrocos, Cuba, Reino Unido, México, Argentina, Colômbia e Líbano. 


Dira Paes ("Veneza" - 2019) entrega uma interpretação profunda, real e emocionante de Pureza Loyola, sem esconder as marcas no rosto de uma vida sem descanso. A atriz dá um show, passando da trabalhadora simples, que faz tijolos para sustentar a família, com resignação e humildade, à mãe forte que quer resgatar o filho a qualquer custo. 

Na sua busca, Pureza Loyola se torna meio mãe de outros filhos que também trabalham escravizados em fazendas no Pará. A força e o amor dessa mulher podem ser resumidos numa cena de cortar o coração: a reprodução da Virgem Maria que desce o corpo de Jesus da cruz e reza sobre ele, debaixo de chuva. 


Sem falar nos outros homens, velhos e novos, que só têm na presença daquela mulher um pouco de alento desde que deixaram suas famílias para buscar uma condição melhor de vida e acabaram caindo na armadilha de patrões poderosos que comandam, matam e escravizam impunemente. 

Aos poucos, ela se torna a voz, muitas vezes solitária, daqueles que foram esquecidos, denunciando os fatos às autoridades federais, mesmo que, para conseguir provas, coloque em risco a própria vida.

Adonias Mendes dos Santos ("Baiano"), João Batista Gonçalves Lima ("Siracura") e Milson Gomes de Souza Almeida ("Tiozão")

O longa é quase um documentário, incluindo no elenco 11 ex-trabalhadores rurais que foram resgatados de fazendas e que dão depoimentos tocantes. É o caso de Adonias Mendes dos Santos ("Baiano"), João Batista Gonçalves Lima ("Siracura") e Milson Gomes de Souza Almeida ("Tiozão"), entre muitos outros. 

Como representante dos "vilões" temos a ótima interpretação de Flávio Bauraqui ("Faroeste Caboclo" - 2013) no papel de Narciso, gerente das fazendas e mandante dos assassinatos, que sente prazer com a imagem que criou de si próprio.

A verdadeira Pureza e seu filho Abel (Reprodução)

Além do elenco e da história, ambos fortes e comoventes, Renato Barbieri, que dividiu roteiro e produção com Marcus Ligocki Jr., também contou com um belo trabalho da equipe técnica, desde a fotografia, montagem, figurino à edição e locações. 

O filme foi gravado no Pará, em áreas rurais de Marabá e Itupiranga, com riqueza na reprodução de detalhes. Para completar, é preciso registar a beleza da trilha sonora do compositor americano Kevin Riepl, que contou com duas músicas de Aurélio Santos.

Combate ao trabalho escravo



O diretor também conseguiu reunir abolicionistas que fizeram parte do Grupo de Fiscalização Móvel de Combate ao Trabalho Escravo no país naquela época, composto por integrantes de várias instituições, e também o então ministro Paulo Paiva. Foi a partir daí e da luta de Pureza Loyola que as ações no campo se intensificaram, com maior apoio à atuação dos fiscais do trabalho, também vítimas dos criminosos.


Um exemplo disso foi a Chacina de Unaí (Noroeste de Minas), que no dia 28 de janeiro completa 18 anos. Três auditores fiscais e um motorista, funcionários do Ministério do Trabalho, foram mortos a tiros na região quando investigavam denúncias desde crime em fazendas de café da região. 

De 1995 a 2021, o Grupo Móvel resgatou mais de 55 mil trabalhadores em situação degradante e análoga à escravidão no país. "Pureza" tenta mostrar um pouco dessa triste realidade. É a arte a serviço da justiça social.


Ficha técnica:
Direção: Renato Barbieri
Roteiro: Renato Barbieri e Marcus Ligocki Jr.
Produção: Gaya Filmes / Ligocki Entretenimento
Distribuição: Paris Filmes / Downtown Filmes
Duração: 1h41
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gêneros: drama // documentário
Nota: 4,8 (de 0 a 5):