17 março 2025

"Parthenope - Os Amores de Nápoles": estranho, mas belo e comovente

A protagonista, que dá nome ao longa, é interpretada pela modelo Celeste Dalla Porta a partir da adolescência (Fotos: Paris Filmes)


Mirtes Helena Scalioni


Impossível sair impune depois de assistir a "Parthenope: Os Amores de Nápoles", não por acaso um filme que tem sua origem na Itália, não por acaso a terra das artes e da beleza. Em uma direção tão peculiar quanto estranha, o não por acaso napolitano Paolo Sorrentino ("A Mão de Deus" - 2021) mistura mitologia, moralidade, filosofia, maternidade, hipocrisia, tempo, religião, academicismo, antropologia, suicídio e alguma bizarrice para fazer um recorte na vida da bela Parthenope, jovem que, de certa forma, carrega a própria beleza quase como um fardo. 


A personagem é interpretada pela modelo Celeste Dalla Porta e, na maturidade, por Stefania Sandrelli. A jovem carrega em seu nome a lenda mitológica da sereia que dá origem ao nome da cidade de Nápoles. Ela usa a sedução para conquistar os homens ao seu redor, incluindo os proibidos.

Junte-se a tudo isso, paisagens deslumbrantes daquela região, com suas praias e rochas, além de exploração quase abusiva de belos corpos expostos ao sol - às vezes lembrando peças de propaganda. 

Para completar, uma trilha sonora que inclui "Gira", um samba-batuque do Trio Ternura de 1973; "My Way", na voz inconfundível de Frank Sinatra, e, claro, lindas canções italianas embalando casais em noites enluaradas.


No que você está pensando? Essa é a pergunta mais frequente do filme, que acompanha a trajetória de Parthenope em busca não só de uma carreira acadêmica como professora de Antropologia, mas também de respostas para a própria vida. 

Enquanto estuda e se diverte, ela convive com o cínico escritor norte-americano John Cheever, vivido por Gary Oldman, e seu professor e orientador da faculdade, Devoto Marotta, interpretado por Silvio Orlando.


Misterioso e, às vezes, irônico, o longa, roteirizado pelo próprio Sorrentino, é repleto de frases de efeito, como se o objetivo fosse confundir o espectador ou - quem sabe - fazê-lo pensar. A heroína, nascida na década de 1950, é libertária e dona absoluta da própria vida. 

Mas ela carrega uma culpa pela morte do irmão Raimondo (Daniele Rienzo) com quem mantinha uma relação incestuosa e dividida com o amigo de infância Sandrini (Dario Aita).

Nápoles é, de certa forma, uma personagem do filme com seus conflitos e dualidades. Além das paisagens enfatizando um azul profundo do mar, não faltam ruelas, casebres, gente feia e miséria. 


Em certo momento, a diva do cinema Greta Cool (Luisa Ranieri), em discurso que parece ser a inauguração de um navio, decreta, com todas as letras: "Vocês, napolitanos, são deprimidos e não sabem. São pobres, desgraçados e retrógrados e se orgulham disso". 

Estão ainda no elenco, em participações ao redor de Parthenope, Antonino Annina como Raimondo criança, Rivardo Copolla como Sandrino criança, Peppe Lanzetta, no papel do bispo, entre outros nomes do cinema italiano.


Outro personagem forte do filme é o cigarro, constantemente nas mãos e bocas de quase todos os personagens, sejam eles velhos ou jovens. Há quem enxergue traços até de Fellini em "Parthenope: Os Amores de Nápoles". 

Teatral e fantasioso, o longa de Paolo Sorrentino pode chocar com suas bizarrices, causando inevitável estranhamento no espectador. Mas, certamente, o público vai sair do cinema bastante comovido. Além de cheio de perguntas.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Paolo Sorrentino
Produção: Pathé Films, A24, FremantleMedia, The Apartment Pictures
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h17
Classificação: 16 anos
País: Itália
Gêneros: drama, romance, fantasia

15 março 2025

"Vitória", mais um brilhante trabalho da insuperável Fernanda Montenegro

Filme conta a história de uma idosa que filmou e denunciou o tráfico e a corrupção policial na comunidade
 ao lado de seu prédio (Fotos: Sony Pictures)


Maristela Bretas


Para a diva do teatro, TV e cinema, Fernanda Montenegro, parar de atuar é uma situação que está longe de acontecer. Depois de encerrar, com perfeição, o sucesso "Ainda Estou Aqui" no papel de Eunice Paiva no final da vida, a atriz estreou essa semana nos cinemas o filme “Vitória", do diretor Andrucha Waddington ("Sob Pressão" - 2016).

E o público pode esperar mais da Fernandona, como é carinhosamente chamada. É dela a narração perfeita e pontuada do emocionante documentário "Milton Bituca Nascimento", que estreia dia 20 nos cinemas. Este está sendo, definitivamente, o ano das 'Fernandas', Montenegro e Torres, mãe e filha.


"Vitória" conta a história de coragem, força e resiliência da idosa Joana Zeferino da Paz, a Dona Nina. Cansada de assistir à rotina diária de traficantes e policiais corruptos que aterrorizavam a comunidade ao lado de seu apartamento em Copacabana, ela decide filmar e denunciar às autoridades tudo o que acontece no local. Sua denúncia colocou fim a esse esquema na época.

Idosa, sozinha e de poucos, mas fiéis amigos, não admitia injustiças, especialmente contra crianças. Seu protegido foi Marcinho (ótima atuação de Thawan Lucas), o garoto que ela tentou proteger da influência do tráfico. Uma frase dita por Dona Nina exemplifica bem sua posição: "O perigo não vem das crianças, vem da janela". 


A verdadeira Dona Vitória poderia se chamar Maria, como muitas outras mulheres comuns. "Teve força, raça e gana sempre", como diria Milton Nascimento. Alagoana, negra, aposentada e sempre batalhadora, aos 80 anos se cansou de conviver com a violência e o descaso das autoridades e resolveu agir.

Para ela, era um absurdo as pessoas se calarem diante de tanta corrupção, e a ideia de filmar o que acontecia foi a forma de conseguir provas para denunciar a situação, mesmo que isso significasse colocar sua vida em risco. 

Na busca pela paz e pelo fim dos tiroteios e balas perdidas diários que atingiam prédios e moradores, ela iniciou sua cruzada contando com o apoio do jornalista Fábio Godoy, muito bem interpretado por Alan Rocha. 


Destaque também para Linn da Quebrada, no papel de Bibiana, a moradora trans do prédio, que também se torna amiga de Dona Nina. No elenco temos ainda Laila Garin (a inspetora de Polícia Laura Torres), Thelmo Fernandes (o síndico Seu Osvaldo) e Marcio Ricciardi (Major Messias).

Chamam atenção também no filme as belas imagens de Copacabana, com suas praias e calçadões, em contraste com o cotidiano da violência armada dos morros, tão próximos. 

O som também é ponto importante na narrativa, desde o barulho do trânsito caótico das ruas, às velhas canções da MPB tocadas na vitrola de Dona Nina. E o mais angustiante deles, o das rajadas de metralhadoras e gritos que cortam a noite na vizinhança.


De Nina para Vitória

Mas, por que o nome Vitória? Após as denúncias feitas ao alto escalão da polícia e a história com as provas ser publicada nos jornais, Dona Nina precisou ganhar nova identidade, entrou para o Programa de Proteção às Testemunhas, mudou de endereço e passou a se chamar Vitória Joana da Paz. 

O filme é uma adaptação livre do livro "Dona Vitória Joana da Paz" do jornalista Fábio Gusmão, que publicou o caso em 24 de agosto de 2005, mas só revelou a nova identidade da personagem após sua morte em fevereiro de 2023, no livro. 

Segundo o autor, era desejo de Dona Vitória ser interpretada no cinema por Fernanda Montenegro, uma de suas atrizes favoritas.

A verdadeira Dona Vitória (Foto: Arquivo Pessoal)

Além de ser uma determinação por causa da proteção legal, a não divulgação foi uma promessa feita à amiga, mesmo Dona Vitória não se importando em ter o nome divulgado. Para ela, perder a identidade original era mais uma das muitas perdas sofridas ao longo da vida.

O cotidiano de solidão, falas e caminhadas mais lentas mostram bem a vida de Vitória, para quem uma simples xícara quebrada tinha um significado muito especial. Em vários momentos da trama, ela está tentando colar os pedaços da antiga peça de porcelana, como se estivesse fazendo o mesmo com sua vida. 

A velhice e a possibilidade de perder o pouco que tinha se refletem nos cacos da xícara que nunca mais vai ficar perfeita. Como ela.


"Vitória" é envolvente, tenso, real e atual ao abordar a criminalidade, o desrespeito aos idosos e a solidão. Fernanda Montenegro se expõe sem esconder as marcas e restrições na fala e movimentos de seus bem-vividos 95 anos. São estas características que reforçam e tornam sua interpretação mais forte e emocionante.

O roteiro do longa é assinado por Paula Fiuza e direção inicial de Breno Silveira, que infelizmente faleceu no início das filmagens. Foi substituído por Andrucha Waddington, que entregou um grande trabalho.

Assistir Fernanda Montenegro em ação é uma oportunidade imperdível, mais ainda três vezes no mesmo ano. Recomendo conferir nos cinemas os três filmes - "Ainda Estou Aqui", "Vitória" e, na próxima semana, "Milton Bituca Nascimento".


Ficha técnica:
Direção: Andrucha Waddington
Roteiro: Paula Fiuza e Breno Silveira
Produção: Conspiração Filmes e coprodução MyMama Entertainment e Globoplay
Distribuição: Sony Pictures
Classificação: 16 anos
Exibição: nos cinemas
País: Brasil
Gêneros: drama criminal