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10 outubro 2025

Sensibilidade e nostalgia conduzem o excelente "O Último Episódio"

A história se insere no escaninho das produções que flagram o ritual de passagem da adolescência para
a juventude (Fotos: Leonardo Feliciano)
 
 

Patrícia Cassese

 
Muitos são os fatores que corroboram para que, ao fim de uma sessão de cinema, o espectador saia da sala escura convicto de que sim, assistiu a um filme "fora da curva". Uma experiência, em suma, daquelas para ficar tatuada na memória. 

Esse é indiscutivelmente o caso de "O Último Episódio", destaque entre as estreias dessa semana de mudanças na programação dos cinemas. Com a chancela da mineira Filmes de Plástico, o filme, vale dizer, marca a estreia de Maurilio Martins na direção solo de um longa-metragem. 


A história se insere no escaninho das produções que flagram o ritual de passagem da adolescência para a juventude - neste caso, por meio do personagem Erik (Matheus Sampaio). Aos 13 anos, ele embarca em uma aventura insólita junto aos vizinhos de bairro, Cassinho (Daniel Victor) e Cristiane/Cristão (Tatiane Costa, simplesmente encantadora).

Apaixonado por Sheila (Lara Silva), e cônscio do interesse da garota pelo universo da “Caverna do Dragão”, a icônica série de animação fenômeno dos anos 1980, Erik diz a ela ter, em casa, a fita cassete contendo o último episódio. 


Falamos fita de vídeo? Sim, "O Último Episódio" se passa em 1991, quando, claro, nem se sonhava que um dia o mundo teria um acesso tão mais fácil a conteúdos audiovisuais como filmes e séries, por meio da internet e dos serviços de streaming. Uma época em que a TV e as locadoras de vídeo eram a via para se acessar conteúdos afins. 

Com o interesse de Sheila atiçado pela possibilidade de assistir à fita contendo o tal desenlace, Erik resolve, junto aos citados dois amigos de fé, produzir, ele mesmo, o capítulo. Aos trancos e barrancos, diga-se, mas com muita (muita) criatividade. Ocorre que, claro, as coisas não são tão simples.


Paralelamente à empreitada, o filme espraia seu olhar por outros temas relevantes, como a ausência paterna (e o motivo dessa), os desafios de uma mãe solo, a vida na periferia das cidades e a solidariedade que emana entre seus habitantes. Aqui, um grupo de moradores do bairro Laguna, em Contagem, onde, não por coincidência, Maurilio Martins nasceu e se criou. 

Aqui, uma pequena pausa se faz necessária: o cineasta admite que sim, há traços biográficos em "O Último Episódio", ainda que as experiências do personagem Erik tenham sido imaginadas. "Eu não necessariamente morei na casa onde o personagem mora, mas ela fica em frente à minha casa. 

A inserção das fotos no filme também é significativa. São imagens nas quais eu apareço, minha família aparece, meus amigos".


Do mesmo modo, os personagens estudam na instituição educativa na qual Maurílio Martins estudou, a Escola Estadual Jardim Laguna, depois rebatizada como Escola Estadual Jardim Silva Couto. "Eles vivem no mesmo bairro, na mesma época. Eu sou muito da memória, sou muito nostálgico, então tem muito de mim ali”, contextualizou Maurilio.

Voltando ao universo de personagens que orbita em torno de Erik, é provável que muitos deles exalem características que vão remeter o espectador - em particular, o mineiro, pelas características de quem vive por aqui - a pessoas reais, do âmbito de suas relações mesmo. 


Quem viveu aquela época certamente frequentou uma escola cuja responsável tinha traços que similares aos da diretora Simone (Babi Amaral, divertidíssima), que, em "O Último Episódio", vemos envolvida até a medula nos preparativos para a Feira de Cultura, um evento de destaque no ano letivo da instituição, e que mobiliza alunos e professores

Neste ponto, vale retornar ao início desse texto. Ao pontuar sobre a somatória de fatores que efetivamente transformam o ato de assistir a um filme em uma experiência inesquecível, no melhor dos sentidos, obviamente deve-se colocar, nesta conta, o calibre de quesitos como roteiro (Maurilio Martins e Thiago Macêdo Correia), direção, elenco, trilha sonora, fotografia (Leonardo Feliciano), montagem... 


E é nessa somatória que "O Último Episódio" se insere na representativa lavra de bons filmes que estão chegando aos cinemas neste 2025 - caso de "Manas", "A Melhor Mãe do Mundo" etc.

O filme de Maurílio Martins é simplesmente uma pepita. Daquelas com potencial para suscitar uma miríade de sensações no espectador, de fazê-lo se emocionar em certos trechos, rir em outros e, ainda, compartilhar o aperto no peito dos personagens em diversos momentos. 

Um daqueles filmes que, a despeito do reino mágico que Erik tenta reproduzir, finca seu pilar na realidade. Aquela, vivenciada pela maioria esmagadora dos brasileiros, com muitos malabarismos para pagar as contas, mas que ainda acorda no dia seguinte com fé. 


A localização temporal também possibilita que o espectador - em particular, o "mais maduro" - viaje no tempo, diante de ecos de uma época a se reviver com nostalgia, seja por meio de objetos de cena, figurino, reprodução de comportamentos ou, ainda, por conta da trilha sonora. 

Essa, aliás, leva a assinatura acima de qualquer suspeita de John Ulhoa e Richard Neves, do Pato Fu.  Com toda certeza, quem assistir ao filme vai ficar com a versão de "Qualquer Jeito" ("Não está sendo Fácil"), agora na voz de Fernanda Takai, grudada na cabeça. 

A música, lembre-se, estourou em 1987 com Kátia, afilhada artística de Roberto Carlos, com quem fez dueto em especial de TV. Outro hit da época que marca presença em "O Último Episódio" é “Doce de Mel”, sucesso do repertório de - sim, você sabe - Xuxa.


O elenco é uma aba à parte. Além do talento inequívoco do trio de adolescentes, já citado, a projeção vai fazer o público se extasiar com o talento de Rejane Araújo ou Camila Morena da Luz, tal qual com as participações especiais, como as de Eid Ribeiro, Robert Frank, André Novais Oliveira e Gabriel Martins. 

Um luxo extra é a presença do incrível artista Froiid, que coloca sua assinatura nos créditos iniciais. Por último, mas não menos importante: a distribuição de “O Último Episódio” é da Malute e da Embaúba Filmes. Quer um conselho? Só vai!


Ficha técnica:
Direção: Maurílio Martins
Roteiro: Maurilio Martins e Thiago Macêdo Correia
Produção: Filmes de Plástico com coprodução do Canal Brasil e Cine Film
Distribuição: Malute Filmes e Embaúba Filmes
Exibição: Cineart Cidade, Centro Cultural Unimed-BH Minas e Una Cine Belas Artes
Duração: 2h03
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gêneros: aventura, ficção

29 setembro 2022

“Marte Um”: de Contagem para o mundo, com esperança e afeto

É no personagem Deivinho e seu sonho de ser astrofísico que a história marca seu diferencial (Fotos: Embaúba Filmes)



Mirtes Helena Scalioni


O filme é meio triste, mas terno. Talvez se possa resumir assim o longa “Marte Um”, mais um trabalho produzido pela Filmes de Plástico, da turma de Contagem, desta vez dirigido por Gabriel Martins (“No Coração do Mundo” - 2019). 

Incensado pela crítica e aprovado pelo público, o filme foi pré-selecionado para representar o Brasil no Oscar 2023 depois de abocanhar prêmios em Gramado. 


Sem suspenses nem sustos, sem sequências de ação ou cenas de grandes reviravoltas dramáticas, a vida de uma família de negros da periferia da Região Metropolitana de BH é contada como se deve: naturalmente, sem enfatizar alegrias nem dores. Sem carregar nas tintas.


A família comandada por Wellington (Carlos Francisco, “Arábia” - 2017 e “Bacurau” - 2019) e Tércia (Rejane Faria, “No Coração do Mundo”) é como tantas outras na sua estrutura e cotidiano. Ele é porteiro e zelador de um condomínio de classe média alta, e ela é faxineira diarista. 

Ambos parecem cientes dos seus deveres e em paz com as limitações impostas pela dureza da vida. Os filhos - a jovem universitária de Direito Eunice (Camila Damião) e o menino Deivinho (Cícero Lucas) - vivem suas rotinas de escola, futebol, baladas, cervejas, estudos, paqueras, redes sociais e, claro, sonhos - de um jeito que parece equilibrado.


É no personagem Deivinho que a história marca seu diferencial. Como pode um menino negro e pobre querer ser astrofísico em vez de jogador de futebol como deseja com empenho seu pai? 

Que direito tem esse pirralho de querer chegar tão alto, sonhando, inclusive, fazer parte da comitiva que, no ano 2030, vai sair da Terra embarcada num foguete rumo à colonização do planeta vermelho? Pois esse menino míope e franzino quer nada mais, nada menos, do que fazer parte da missão Marte Um.


A grande magia do trabalho de Gabriel Martins, que também cuidou do roteiro, é que tudo, desde os pequenos conflitos, dúvidas, doenças, vícios, diferenças e celebrações, absolutamente tudo é administrado com amor e união. 

Reside aí o encantamento de “Marte Um”, que não se parece em nada com outras tantas produções que têm favelas e periferias como cenário. Trata-se de um filme sincero e honesto.


É tudo tão natural que há momentos em que o espectador pode ter a sensação de estar vendo um documentário. As interpretações, todas irrepreensíveis, fortalecem essa ideia. Nada se fala de política, mas a TV, ligada em alguns momentos, deixa escapar que estamos vivendo no início da era Bolsonaro. 

Ninguém discute nem faz discursos, nem mesmo quando Eunice revela sua vontade de sair de casa para viver a própria vida, ou quando Tércia, traumatizada depois de ter sido vítima de uma brincadeira de mau gosto, decide fazer uma viagem para simplesmente descansar.


Os cenários, figurinos e trilha sonora garantem a veracidade das cenas, tanto na casa da família, que não deixa de festejar aniversários, apesar do arrocho financeiro, quanto nas baladas frequentadas por Eunice ou nas reuniões de Alcoólicos Anônimos, onde Wellington aparece periodicamente. 

Ao mesmo tempo, nada peca pelo exagero, não há clichês ou estereótipos. Tudo está na medida da verossimilhança.


Em tempos de polarização, radicalismos e violências, “Marte Um” fisga o público, mas cai leve no coração do espectador, como se quisesse mostrar que pode haver outro caminho e que há sim, espaço para a fé no outro. Como já disse o conhecido poeta e cordelista Bráulio Bessa, “enquanto houver um abraço, há de haver esperança”.


Ficha Técnica
Direção e roteiro: Gabriel Martins
Produção: Filmes de Plástico / coprodução Canal Brasil
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: nas salas Cineart Ponteio (sessões 18h30 e 21 horas), Cinemark Pátio Savassi (sessão 15h30) e UNA Cine Belas Artes (sessões 14h, 16h20, 18h20 e 20h30)
Duração: 1h54
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: drama

02 setembro 2022

"Marte Um" entra na disputa para representar o Brasil no Oscar 2023

Produção mineira é dirigida por Gabriel Martins e trata de sonhos e realidades (Fotos: Embaúba Filmes)


Da Redação


Na próxima segunda-feira (5) será selecionada uma das seis produções nacionais escolhidas para disputar a vaga de representante do Brasil no Oscar 2023 como Melhor Filme de Língua Estrangeira. "Marte Um", do cineasta, roteirista, montador e diretor de fotografia Gabriel Martins está nessa disputa. 

O anúncio foi feito pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais. Os demais concorrentes são "Carvão", "Pacificado", "Paloma" , "A Viagem de Pedro" e "A Mãe". Os seis foram pré-selecionados de uma lista de 28 filmes inscritos no processo.

Cineasta Gabriel Martins

"Marte Um" teve sua estreia mundial no Festival de Sundance, em janeiro deste ano, e sua primeira sessão no Brasil aconteceu no dia 17/08, na Mostra Competitiva do Festival de Gramado, onde foi bem recebido pelo público. 

Ainda foi exibido em 35 festivais internacionais, ganhando prêmios de melhor longa no OutFest, no Black Star e no San Francisco Film Festival. "Marte Um" tem produção assinada pela Filmes de Plástico e coprodução do Canal Brasil, com distribuição da Embaúba Filmes. 


Este é o segundo longa do diretor (o primeiro solo, sem a parceria de Maurílio Martins, com quem fez o belo “No Coração do Mundo” - 2019), e tem, como um de seus temas centrais, a realização de um sonho infantil. O filme traz o cotidiano de uma família da periferia de um grande centro urbano nos últimos meses de 2018, pouco depois das eleições presidenciais. 

O garoto Deivid (Cícero Lucas), caçula da família Martins, sonha em ser astrofísico e participar de uma missão que em 2030 irá colonizar Marte. Ele sabe que, por suas condições, não há muitas chances para isso acontecer, mas mesmo assim, não desiste. Passa horas assistindo vídeos e palestras sobre astronomia na internet.


O pai, Wellington (Carlos Francisco, de “Bacurau” - 2019, e da Companhia do Latão de teatro), é porteiro em um prédio de elite, e há um bom tempo está sem beber, uma informação que compartilha com orgulho em sessões do AA. Ele quer ver o filho virar jogador de futebol profissional. 

Tércia (Rejane Faria, da série “Segunda Chamada”) é a mãe que, depois de um incidente envolvendo uma pegadinha de televisão, acredita que está sofrendo de uma maldição. Por fim, a filha mais velha é Eunice (Camilla Damião), que pretende se mudar para um apartamento com sua namorada (Ana Hilário), mas não tem coragem de contar aos pais.


O diretor conta que o filme foi desenvolvido entre 2015 e 2018. "Foi um período de muitas mudanças abruptas nos campos social e político do país. Vários movimentos nos fizeram confrontar com o que pensávamos sobre raça, gênero, economia e muitos aspectos da sociedade". 

"Produzimos o filme graças a um fundo para diretores negros, e isso sempre me trouxe um senso de responsabilidade muito grande, com honestidade e compreensão de que esse filme pode ser uma forte representação de uma cultura da qual faço parte”, explica Gabriel Martins.


De acordo com o produtor do filme, Thiago Macêdo Correia, da Filmes de Plástico, ele foi procurado por Gabriel o procurou com a ideia para "Marte Um" quando o país ainda estava sob o comando de Dilma Rousseff, um período de prosperidade, e incentivo e investimentos na cultura. 

“O filme foi produzido graças a um fundo público de 2016 voltado para diretores negros e narrativas de temática negra com o intuito de levar às telas cineastas de grupos minoritários. Obviamente, esse fundo não existe mais. Rodamos o longa em outubro de 2018, durante as eleições, o que acabou influenciando também a narrativa. Não tínhamos ideia do que viria depois.”


“Embora se passe num contexto político turbulento – sendo a eleição de Bolsonaro um ponto baixo para nós –, esse não é um filme que tenta chegar a um veredito sobre o estado político do país. Por outro lado, é inevitável que o público o intérprete como um chamado para não nos deixarmos abater pelas agitações sociais que estamos enfrentando.”

"Marte Um" é assinado pela produtora mineira Filmes de Plástico, fundada por Gabriel, Thiago, André Novais Oliveira e Maurilio Martins, em 2009, e que tem em sua filmografia longas premiados como “Temporada”, “Ela Volta na Quinta”, “No Coração do Mundo” e “Contagem”. Suas produções também foram destaque em festivais como Cannes, Roterdã, Brasília e Tiradentes.


Ficha Técnica
Direção e roteiro: Gabriel Martins
Produção: Filmes de Plástico / coprodução Canal Brasil
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: nas salas Cineart Shopping Contagem (sessão 19h35) e UNA Cine Belas Artes (sessões 14h, 16h20, 18h20 e 20h30)
Duração: 1h54
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: drama