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30 novembro 2025

"O Natal dos Silva" se equilibra entre dores, ajustes de contas e afetos

Série da produtora mineira Filmes de Plástico traz uma família com nuances às quais diversos espectadores
vão se identificar (Fotos: Denise dos Santos)
  
 

Patrícia Cassese

  
Para o bem ou para o mal, a tradição de juntar família e agregados em torno de uma mesa farta é o momento mais simbólico da comemoração do Natal no Brasil. 

Impreterivelmente, o ritual é acompanhado de uma oração - afinal, trata-se de uma data de cunho religioso -, feita preferencialmente com anfitriões e convidados de mãos dadas. 

O encontro também prevê a entrega de presentes (cujo destinatário foi definido em sorteio prévio, o célebre "amigo oculto"), precedida por uma breve descrição do sujeito, de modo a mobilizar os entes a tentar adivinhar quem vai abrir o pacote. A foto para eternizar a celebração entra em cena como o arremate perfeito. 


No hemisfério adulto, porém, é notório que nem todos os que comparecem a tais eventos estão, de fato, se sentindo à vontade para estar no mesmo ambiente com um ou outro parente. 

Sim, atire a primeira pedra aqueles que não têm, no seio de suas famílias, conflitos (velados ou explicitados) que fazem com que os sorrisos e abraços dados na noite que marca o nascimento de Jesus na tradição cristão não sejam por vezes contaminados por um mal-estar.

Em "O Natal dos Silva" não é diferente. É a primeira série da festejada (e com toda razão) produtora Filmes de Plástico (sim, você sabe, de Contagem, responsável por "Marte Um" - 2022), cujo primeiro capítulo já está disponível no Canal Brasil (Globoplay, plano Premium). 

A produção traz uma família com nuances às quais diversos espectadores vão se identificar, independentemente da realidade ao entorno de cada um. 


A direção dos episódios - cinco, ao todo - é assinada por Gabriel Martins, Maurilio Martins e André Novais Oliveira, que também assina o roteiro ao lado de Gabriel. A ação se desenovela em um Natal atípico na família Silva. 

Isso porque é a primeira comemoração da data sem a presença da matriarca Zelina, esteio principal daquele agrupamento de pessoas reunido na casa onde ela morava com a filha, Bel, interpretada magistralmente (zero surpresa) por Rejane Faria. 

Integrante do QuatrolosCinco, Rejane esteve em filmes como "Marte Um", em séries como "Segunda Chamada" e em novelas como "Vale Tudo", além de compor o elenco de "Três Graças". Vale dizer que, de pronto, a personagem Bel impacta pelo palavreado cru, sem filtros e sem freios. 

No decorrer da trama, o espectador entende tratar-se de uma armadura que ela ergueu em torno de si para se proteger das agruras da vida, que, a essa altura, já lhe deixaram marcas profundas.


Mas é mesmo em tom hostil que, logo no inicinho, Bel recebe o filho, Luciano (Robert Frank, simplesmente perfeito, em tom mais que acertado) que chega para o festejo com a nova namorada, Lin (Aisha Brunno, do necessário "Tudo O Que Você Podia Ser"), uma mulher trans - atenção: essa especificação se faz necessária neste texto apenas por ser motivo de impacto para alguns dos membros da família Silva. 

Pouco a pouco, outros membros também batem a campainha e, com a chegada deles, a temperatura começa a subir de modo irrefreável. Não tarda para que mágoas e rusgas perfurem a epiderme da cordialidade num fluxo crescente e violento, envolvendo notadamente os filhos de Dona Zelina - tanto os de sangue quanto Jezinho (Ítalo Laureano), que foi para os Estados Unidos atrás do sonho de ser ator. 


Da mesma forma, dois dos netos - justamente os filhos de Bel, ou seja, o já citado Luciano e Banda Larga (Leonardo de Jesus), além de Lucimara (Raquel Pedras, ótima), viúva de Pedro, filho de Zelina morto em um acidente cujo responsável é um dos irmãos. 

No curso dos capítulos, percebe-se que as feridas do passado estão longe de ter cicatrizado, e as discussões se sucedem, provocadas desde por motivos de pouca monta - como o fato de Bel estar, naquela noite, trajando um vestido que era da mãe, o que irrita sobremaneira a irmã, Lúcia (Carlandréia Ribeiro, magnífica, também sem nenhuma surpresa), até aquele que é grande ponto nevrálgico da série, o tal X da questão: a eventual venda da casa. 


A alternativa, pontue-se, é pleiteada pela maioria dos presentes, que vê, nesse expediente, a grande (e talvez única) oportunidade de passar a régua nos problemas financeiros do momento e, a partir daquele ponto, respirar aliviada e seguir em frente. 

Ocorre que a mera possibilidade de se desfazer da casa em que morava com a mãe faz com que Bel ative todos os seus ferrões, posto que enxerga a hipótese como um ato de extrema traição à memória da família.
Assim como passa a aventar o destino de tudo o que ali, naquele endereço, marcou a narrativa do clã, caso do pé de manga no quintal, que, no curso dos anos, serviu inclusive de árvore de Natal dos Silva.


Evidentemente (pelo preconceito vigente no país), a espiral da raiva suga, para seu epicentro, a figura de Lin, que, com espantoso equilíbrio, encara o veneno destilado em piadas ou mesmo de modo explícito, ferino - ainda que, claro, seu emocional não passe ileso.

Com todas essas iscas, impossível não ficar preso ao enredo. E que bom. Porque, neste percurso, os espectadores são brindados com tanto, mas tanto, que fica até difícil salientar um aspecto em particular. 

Obviamente, não dá para não falar do elenco ma-ra-vi-lho-so. Além dos elogios já distribuídos no curso desse texto (a Rejane Farias, Robert Frank, Carlandreia Ribeiro, Raquel Pedras e Aisha Brunno, que sem dúvida deram seu suor e capricharam na construção dos respectivos personagens, todos cheios de camadas, portanto, de composição perceptivelmente árdua).


Extensivos aos outros também citados (Leonardo de Jesus e Ítalo Laureano) há que se falar do talento absurdo e da presença magnética de Carlos Francisco. O ator atualmente também pode ser visto em "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho, como o sogro do personagem vivido por Wagner Moura. 

E tem ainda Renato Novaes e Roberto Novais Oliveira, presenças que enriquecem as produções da Filmes de Plástico. Não daria também para não citar o encantamento provocado pela presença da atriz mirim Azula Santana, que mostra a que veio em uma fala fofa da sua personagem, Lara. 

Ponto também para a abertura, em tom retrô, pontuada de itens icônicos do período natalino (luzinhas, cartões, presentes etc), bem como para a presença, nos episódios, de nomes queridos da cena belo-horizontina, como Adilson Marcelino. 

Ah, sim! Claro, a narrativa traz alguns "alívios cômicos", mas muito bem equilibrados na trama que, vamos frisar, se afilia de modo precípuo ao gênero drama.


Ficha técnica:
Criador: Gabriel Martins
Direção: Gabriel Martins, Maurilio Martins e André Novais Oliveira
Produção: Filmes de Plástico e Canal Brasil
Distribuição: Canal Brasil
Duração: média de 40 minutos
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gêneros: drama, família, série
Exibição: Canal Brasil - episódios novos as quintas, às 21h30, no Canal Brasil
Reprises: sextas, 22h30; sábados, 23h; domingos, 19h; e quartas, 20h30
Maratona especial no dia 25 de dezembro, a partir das 19h (com os quatro primeiros episódios e a estreia do quinto)
Dia 27/12 - às 20h30
Dia 28/12 - às 16h30
Dia 02/01/2026 - às 23h
Exibição de um episódio por semana no Globoplay  Plano Premium


29 setembro 2022

“Marte Um”: de Contagem para o mundo, com esperança e afeto

É no personagem Deivinho e seu sonho de ser astrofísico que a história marca seu diferencial (Fotos: Embaúba Filmes)



Mirtes Helena Scalioni


O filme é meio triste, mas terno. Talvez se possa resumir assim o longa “Marte Um”, mais um trabalho produzido pela Filmes de Plástico, da turma de Contagem, desta vez dirigido por Gabriel Martins (“No Coração do Mundo” - 2019). 

Incensado pela crítica e aprovado pelo público, o filme foi pré-selecionado para representar o Brasil no Oscar 2023 depois de abocanhar prêmios em Gramado. 


Sem suspenses nem sustos, sem sequências de ação ou cenas de grandes reviravoltas dramáticas, a vida de uma família de negros da periferia da Região Metropolitana de BH é contada como se deve: naturalmente, sem enfatizar alegrias nem dores. Sem carregar nas tintas.


A família comandada por Wellington (Carlos Francisco, “Arábia” - 2017 e “Bacurau” - 2019) e Tércia (Rejane Faria, “No Coração do Mundo”) é como tantas outras na sua estrutura e cotidiano. Ele é porteiro e zelador de um condomínio de classe média alta, e ela é faxineira diarista. 

Ambos parecem cientes dos seus deveres e em paz com as limitações impostas pela dureza da vida. Os filhos - a jovem universitária de Direito Eunice (Camila Damião) e o menino Deivinho (Cícero Lucas) - vivem suas rotinas de escola, futebol, baladas, cervejas, estudos, paqueras, redes sociais e, claro, sonhos - de um jeito que parece equilibrado.


É no personagem Deivinho que a história marca seu diferencial. Como pode um menino negro e pobre querer ser astrofísico em vez de jogador de futebol como deseja com empenho seu pai? 

Que direito tem esse pirralho de querer chegar tão alto, sonhando, inclusive, fazer parte da comitiva que, no ano 2030, vai sair da Terra embarcada num foguete rumo à colonização do planeta vermelho? Pois esse menino míope e franzino quer nada mais, nada menos, do que fazer parte da missão Marte Um.


A grande magia do trabalho de Gabriel Martins, que também cuidou do roteiro, é que tudo, desde os pequenos conflitos, dúvidas, doenças, vícios, diferenças e celebrações, absolutamente tudo é administrado com amor e união. 

Reside aí o encantamento de “Marte Um”, que não se parece em nada com outras tantas produções que têm favelas e periferias como cenário. Trata-se de um filme sincero e honesto.


É tudo tão natural que há momentos em que o espectador pode ter a sensação de estar vendo um documentário. As interpretações, todas irrepreensíveis, fortalecem essa ideia. Nada se fala de política, mas a TV, ligada em alguns momentos, deixa escapar que estamos vivendo no início da era Bolsonaro. 

Ninguém discute nem faz discursos, nem mesmo quando Eunice revela sua vontade de sair de casa para viver a própria vida, ou quando Tércia, traumatizada depois de ter sido vítima de uma brincadeira de mau gosto, decide fazer uma viagem para simplesmente descansar.


Os cenários, figurinos e trilha sonora garantem a veracidade das cenas, tanto na casa da família, que não deixa de festejar aniversários, apesar do arrocho financeiro, quanto nas baladas frequentadas por Eunice ou nas reuniões de Alcoólicos Anônimos, onde Wellington aparece periodicamente. 

Ao mesmo tempo, nada peca pelo exagero, não há clichês ou estereótipos. Tudo está na medida da verossimilhança.


Em tempos de polarização, radicalismos e violências, “Marte Um” fisga o público, mas cai leve no coração do espectador, como se quisesse mostrar que pode haver outro caminho e que há sim, espaço para a fé no outro. Como já disse o conhecido poeta e cordelista Bráulio Bessa, “enquanto houver um abraço, há de haver esperança”.


Ficha Técnica
Direção e roteiro: Gabriel Martins
Produção: Filmes de Plástico / coprodução Canal Brasil
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: nas salas Cineart Ponteio (sessões 18h30 e 21 horas), Cinemark Pátio Savassi (sessão 15h30) e UNA Cine Belas Artes (sessões 14h, 16h20, 18h20 e 20h30)
Duração: 1h54
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: drama

02 setembro 2022

"Marte Um" entra na disputa para representar o Brasil no Oscar 2023

Produção mineira é dirigida por Gabriel Martins e trata de sonhos e realidades (Fotos: Embaúba Filmes)


Da Redação


Na próxima segunda-feira (5) será selecionada uma das seis produções nacionais escolhidas para disputar a vaga de representante do Brasil no Oscar 2023 como Melhor Filme de Língua Estrangeira. "Marte Um", do cineasta, roteirista, montador e diretor de fotografia Gabriel Martins está nessa disputa. 

O anúncio foi feito pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais. Os demais concorrentes são "Carvão", "Pacificado", "Paloma" , "A Viagem de Pedro" e "A Mãe". Os seis foram pré-selecionados de uma lista de 28 filmes inscritos no processo.

Cineasta Gabriel Martins

"Marte Um" teve sua estreia mundial no Festival de Sundance, em janeiro deste ano, e sua primeira sessão no Brasil aconteceu no dia 17/08, na Mostra Competitiva do Festival de Gramado, onde foi bem recebido pelo público. 

Ainda foi exibido em 35 festivais internacionais, ganhando prêmios de melhor longa no OutFest, no Black Star e no San Francisco Film Festival. "Marte Um" tem produção assinada pela Filmes de Plástico e coprodução do Canal Brasil, com distribuição da Embaúba Filmes. 


Este é o segundo longa do diretor (o primeiro solo, sem a parceria de Maurílio Martins, com quem fez o belo “No Coração do Mundo” - 2019), e tem, como um de seus temas centrais, a realização de um sonho infantil. O filme traz o cotidiano de uma família da periferia de um grande centro urbano nos últimos meses de 2018, pouco depois das eleições presidenciais. 

O garoto Deivid (Cícero Lucas), caçula da família Martins, sonha em ser astrofísico e participar de uma missão que em 2030 irá colonizar Marte. Ele sabe que, por suas condições, não há muitas chances para isso acontecer, mas mesmo assim, não desiste. Passa horas assistindo vídeos e palestras sobre astronomia na internet.


O pai, Wellington (Carlos Francisco, de “Bacurau” - 2019, e da Companhia do Latão de teatro), é porteiro em um prédio de elite, e há um bom tempo está sem beber, uma informação que compartilha com orgulho em sessões do AA. Ele quer ver o filho virar jogador de futebol profissional. 

Tércia (Rejane Faria, da série “Segunda Chamada”) é a mãe que, depois de um incidente envolvendo uma pegadinha de televisão, acredita que está sofrendo de uma maldição. Por fim, a filha mais velha é Eunice (Camilla Damião), que pretende se mudar para um apartamento com sua namorada (Ana Hilário), mas não tem coragem de contar aos pais.


O diretor conta que o filme foi desenvolvido entre 2015 e 2018. "Foi um período de muitas mudanças abruptas nos campos social e político do país. Vários movimentos nos fizeram confrontar com o que pensávamos sobre raça, gênero, economia e muitos aspectos da sociedade". 

"Produzimos o filme graças a um fundo para diretores negros, e isso sempre me trouxe um senso de responsabilidade muito grande, com honestidade e compreensão de que esse filme pode ser uma forte representação de uma cultura da qual faço parte”, explica Gabriel Martins.


De acordo com o produtor do filme, Thiago Macêdo Correia, da Filmes de Plástico, ele foi procurado por Gabriel o procurou com a ideia para "Marte Um" quando o país ainda estava sob o comando de Dilma Rousseff, um período de prosperidade, e incentivo e investimentos na cultura. 

“O filme foi produzido graças a um fundo público de 2016 voltado para diretores negros e narrativas de temática negra com o intuito de levar às telas cineastas de grupos minoritários. Obviamente, esse fundo não existe mais. Rodamos o longa em outubro de 2018, durante as eleições, o que acabou influenciando também a narrativa. Não tínhamos ideia do que viria depois.”


“Embora se passe num contexto político turbulento – sendo a eleição de Bolsonaro um ponto baixo para nós –, esse não é um filme que tenta chegar a um veredito sobre o estado político do país. Por outro lado, é inevitável que o público o intérprete como um chamado para não nos deixarmos abater pelas agitações sociais que estamos enfrentando.”

"Marte Um" é assinado pela produtora mineira Filmes de Plástico, fundada por Gabriel, Thiago, André Novais Oliveira e Maurilio Martins, em 2009, e que tem em sua filmografia longas premiados como “Temporada”, “Ela Volta na Quinta”, “No Coração do Mundo” e “Contagem”. Suas produções também foram destaque em festivais como Cannes, Roterdã, Brasília e Tiradentes.


Ficha Técnica
Direção e roteiro: Gabriel Martins
Produção: Filmes de Plástico / coprodução Canal Brasil
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: nas salas Cineart Shopping Contagem (sessão 19h35) e UNA Cine Belas Artes (sessões 14h, 16h20, 18h20 e 20h30)
Duração: 1h54
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: drama

03 agosto 2019

"No Coração do Mundo": periferia, desigualdade, violência e esperança com sotaque mineirinho

Filmado na periferia de Contagem, longa é o mais recente trabalho dos diretores belo-horizontinos Gabriel Martins e Maurílio Martins (Fotos: Leonardo Feliciano)


Mirtes Helena Scalioni



É possível conciliar ética e honestidade com uma vida cheia de privações e sacrifícios nesses tempos de consumismo, vaidades e exibicionismos? É possível resistir a tantas delícias que parecem fáceis quando se vive num lugar chamado Laguna, a periferia da periferia da cidade de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte? Em nome de quê alguém pode seguir trabalhando honestamente, mesmo sendo maltratado e humilhado? Há esperança para os jovens pobres neste Brasil de tanta desigualdade? É mais ou menos isso que parece perguntar o filme "No Coração do Mundo", em cartaz no Belas Artes e Cineart Shopping Contagem.


Gabriel Martins e Maurílio Martins, os diretores do longa, conhecem muito bem essa realidade. Ambos viveram em Contagem e assinaram o premiado curta-metragem "Contagem/The inside", em 2010. Não é por acaso que apostam no tema favela/periferia/violência/drogas depois de tantos filmes tratando do assunto. Sai Cidade de Deus, entra Laguna. Sai Rio de Janeiro, entra Contagem. Sai o sotaque carioca com seus xis, entra o mineirês característico, quase caricato, com seu "uai", "sô" e "nossinhora". Muda o sotaque, mas a questão permanece: uma juventude abandonada à própria sorte, pulando de galho em galho, vivendo de bicos ou de trabalhos mal remunerados, amenizando o cotidiano com frequentes tragadas de maconha. Ninguém é de ferro.


Marcos (Leo Pyrata) é exemplo típico do jovem da periferia de Contagem (e de outras tantas cidades Brasil afora). Vive de pequenos delitos, sonha se casar com a batalhadora e romântica Ana (Kelly Crifer), que trabalha duro como cobradora de ônibus e vive se metendo em encrencas. Entre seus amigos estão figuras como uma ex-presidiária com quem conversa sempre enquanto divide o cigarro de maconha; a cabeleireira (Bárbara Colen), que dá duro no salão, tem marido, amante e ainda planeja "fazer Uber" à noite para complementar o orçamento e, ultimamente, a fotógrafa Selma (Grace Passô), que o convida a participar de um grande golpe, capaz de consertar para sempre a vida dele e de Ana.


A primeira cena de "No Coração do Mundo" já sinaliza: trata-se de um filme de grandes atuações, embora não conte com nenhum nome global/televisivo. Magnífica como sempre, Karine Teles ("Que Horas Ela Volta" - 2015, e "Benzinho" - 2018) tem pequena, mas marcante participação no início como a locutora daquelas empresas que promovem festas-surpresa. Todo o elenco está muito bem, com interpretações tão naturalistas que lembram um documentário.


Além da talentosa Grace Passô, conhecida em BH como grande atriz, autora e diretora de teatro, merecem destaque Leo Pyrata, que entrega um Marcos meio ingênuo, meio malandro; Kelly Crifer como a esperançosa e bela Ana; e Bárbara Colen como a cabeleireira que consegue trabalhar e viver como ninguém. Como são atores desconhecidos em sua maioria, não se justifica que, no final do longa, os nomes apareçam sem identificação dos personagens para que o público os reconheça. A relação atores/personagens só aparece mesmo naquela lista grande no final dos créditos, sem qualquer possibilidade de destaque.


A trilha sonora, repleta de funks e raps modernos e criativos, prova mais uma vez que a música que se faz em Minas vai muito além das canções de papo cabeça do Clube da Esquina ou dos rocks e baladas de Skank e Jota Quest. Com letras provocativas e rebeldes e ritmo envolvente, as canções de "No Coração do Mundo" são praticamente um personagem à parte.

Embora às vezes apresente cenas e personagens praticamente inúteis, como se a direção quisesse insistir para que o espectador jamais se esquecesse de onde e como aquele pessoal vive, há toques interessantes como a presença teimosa da religião com seus cantos e louvores permeando a miséria. Mas no fundo, todos - os bons, os maus e os moderados - estão em busca de mudança. Querem todos se mudar para um lugar chamado coração do mundo, que, segundo consta, fica bem pertinho de algum paraíso, onde a esperança sempre se renova.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Gabriel Martins e Maurílio Martins
Produção: Filmes de Plástico
Distribuição: Embaúba Filmes
Duração: 2 horas
Gênero: Drama
Localidade: Contagem (MG)
Classificação: 16 anos

Tags: #NoCoracaodoMundo, #EmbaubaFIlmes, #FilmesdePlastico, #Contagem, #GabrielMartins, #MaurílioMartins, #cinemaescurinho