19 junho 2022

Além do clássico: "O Próximo Passo" é muito mais do que uma típica tragédia de dançarina

Sucesso de bilheteria, filme é destaque do Festival Varilux 2022 e foi o terceiro mais visto nos cinemas franceses em abril. 



Carolina Cassese - correspondente em Paris
Blog Carolina Cassese 


O terceiro filme mais visto na França na sua semana de estreia, somando mais de um milhão de espectadores. É dessa maneira que "O Próximo Passo" ("En Corps", no original), mais recente longa de Cédric Klapisch, é anunciado como um dos destaques da nova edição do Festival Varilux de Cinema Francês, que tem início em todo o Brasil a partir desta terça-feira (21). 

A produção de fato se destacou nos cinemas franceses. O público definitivamente se encantou com a história de Elise, uma jovem bailarina que se machuca em uma de suas apresentações e é obrigada a rever os rumos de sua vida por conta do acidente.


O longa de Klapisch reúne uma série de elementos que são realmente muito gratificantes para o espectador: uma abordagem bastante sensível acerca de temas universais, personagens construídos com complexidade, momentos de humor muito bem dosados, excelentes diálogos e ainda ótimos atores. O fato de a protagonista ser interpretada por Marion Barbeau, que também é dançarina, provavelmente auxilia bastante no quão crível é a paixão da personagem pela dança. 

Podemos perceber que essa manifestação artística é seu universo, seu eixo, absolutamente essencial para a existência de Elise. Acompanhamos com angústia a recuperação da protagonista, torcendo para que ela volte o mais rápido possível para os palcos.


Se engana, porém, quem acredita que a produção se restringe ao universo da dança. Essencialmente, O próximo passo é sobre frustrações e recomeços, além de proporcionar reflexões acerca de temas como o luto e relações entre pais e filhos. Ao longo de todo o filme, o diretor inteligentemente constrói um paralelo dos tipos de dança com as próprias formas de viver a vida. Forma clássica ou contemporânea? Quem sabe as duas ao mesmo tempo, a depender do contexto.

Durante uma sessão de fotos, Elise e sua amiga reagem a um pedido sexista do fotógrafo, que pede para uma menina menor de idade se ajoelhar diante de um cara mais velho, numa posição de submissão. "Essa pose é um clássico!", argumenta o fotógrafo. "O fato de ser um clássico não é razão para continuar fazendo", rebate Elise.


Em seu processo de recuperação, a personagem principal muitas vezes se sente desmotivada e fraca. Uma de suas principais chateações diz respeito ao fato de que célebres histórias sobre dançarinas geralmente acabam em tragédia. "É isso, é um clichê, eu virei uma heroína do balé clássico", diz, em uma das excelentes cenas com Yann, seu fisioterapeuta. 

Em outro momento, Hofesh Shechter, um conhecido coreógrafo (inclusive na vida real), argumenta: "A fraqueza é a chave. A fraqueza é o novo superpoder". Ele busca incentivar Elise a dar uma chance para a dança contemporânea e a participar de sua companhia. "Eu não estou dançando tão bem, não é perfeito", diz a dançarina. Sem nenhum tipo de grosseria, Shechter responde: "Quem disse que era perfeito antes?".


Em dois momentos do filme, aparece a metáfora do corpo como um carro. Na primeira vez, o argumento é de que não devemos deixar nosso corpo parado por muito tempo, sem funcionar. Na segunda, o pressuposto é de que precisamos ter cautela. Elise se divide entre o cuidado e a urgência de se movimentar, de voltar a respirar como antes.

Num mundo onde estamos habituados a exigir performances e resultados rápidos, olhar para o nosso corpo muitas vezes é uma aula de paciência. Ver um espetáculo de dança, idem. Em "O Próximo Passo", não há resposta exata e nem imediata: é primordialmente sobre o processo.


Ficha técnica:
Direção: Cédric Klapisch
Produção: Studio Canal
Distribuição: Bonfilm
Duração: 1h57
Classificação: 14 anos
País: França
Gênero: Drama

FESTIVAL VARILUX DE CINEMA FRANCÊS 2022
Data: De 21/06 a 01/07/2022
A 13ª edição do Festival Varilux de Cinema Francês oferece uma programação composta por 17 longas-metragens inéditos e dois filmes clássicos
Exibição: nos cinemas Cineart Ponteio, UNA Cine Belas Artes, Centro Cultural Unimed BH Minas e Cinemark Pátio Savassi.
Programação: https://variluxcinefrances.com/2022/

15 junho 2022

“Um Broto Legal” não explica por que um estúpido cupido pode mais do que uma carreira promissora

Marianna Alexandre e Murilo Armacollo estão bem como Celly e o irmão Tony Campello (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Não é preciso ir muito longe para chegar à conclusão de que o diretor Luiz Alberto Pereira tem fortes ligações com a sua cidade, Taubaté, no interior de São Paulo. Afinal, “Um Broto Legal” sobre a trajetória de Celly Campello, que entra em cartaz nesta quinta-feira (16), é o segundo filme dele sobre celebridades da sua terra. 

O outro, de 2006, é “Tapete Vermelho”, belo tributo ao ator Mazzaropi, que lotava as salas de cinema nas décadas de 1950 e 1960, com atuação antológica de Matheus Nachtergaele como o caipira que queria, a qualquer custo, apresentar o comediante ao filho adolescente.


Mas, se em "Tapete Vermelho", Luiz Alberto foi brilhante e criativo, inventando uma história na qual Mazzaropi era apenas um alvo a ser alcançado por uma família interiorana, em “Um Broto Legal”, ele e o roteirista Dimas Oliveira Júnior parecem ter optado pelo óbvio. A trajetória da taubateana Célia Benelli Campello é mostrada de forma quase burocrática, sem charme, sem brilho, sem dramas.

Quem acompanhou a época, ou já se interessou pela música daquele tempo (final dos anos 50 e início dos 60), sabe que o rock brasileiro passou a existir a partir de versões de sucessos de conjuntos e cantores americanos. E que Celly Campello foi a primeira mulher pop star do rock’n’roll nacional. Até então, quem dominava as rádios eram os boleros e sambas-canções entoados pelos vozeirões de  Ângela Maria, Nora Ney e afins. 

Celly e Tony Campello (Divulgação)

Foi um arraso quando aquela menina apareceu cantando “Estúpido Cupido”, “Banho de Lua” e “Broto Legal”. Há quem diga que, antes de Celly Campello e seus rocks, a juventude brasileira não existia. Portanto, até pelo pioneirismo, a meiga e delicada cantora de voz pequena e afinada talvez merecesse um filme mais arrojado, por mais que sua trajetória pareça singela e linear. 

Com atores praticamente desconhecidos e roteiro previsível, o que fica no final é uma espécie de obrigação cumprida, uma cinebiografia morna. Não se pode dizer que o elenco é fraco. Nada disso. São muito gracinhas a novata Marianna Alexandre como Celly e Murilo Armacollo como Tony Campello. Corretos estão também o casal que interpreta os pais dos dois artistas - Paulo Goulart Filho e Martha Meola, como o sim e o não - sem falar de Danilo Franccesco, como Eduardo, o namorado da estrela. 


Há que se elogiar ainda o esforço da equipe para recriar cenários de um tempo em que não havia vídeos, apenas fotos. Celly morreu em 2003, mas o filme conta com uma consultoria muito especial: o irmão mais velho Tony, que, aos 85 anos, se envolveu com o projeto e partilhou várias histórias que serviram de base no roteiro, além de fotografias, discos, prêmios dela e dele, que acabaram sendo alguns dos objetos utilizados no filme. 


Uma curiosidade: o roteirista Dimas Oliveira Júnior lançou em 2012 o documentário longa-metragem "Celly e Tony Campello - Os Brotos Legais" com entrevistas de Renato Teixeira; Agnaldo Rayol, que era amigo da família; depoimentos do irmão Tony e de Wanderléia falando sobre a influência da cantora, precursora do rock no Brasil, na geração dela e na Jovem Guarda; e uma entrevista com Celly feita em 1999 (ela morreria de câncer em 2003). Este filme está em exibição no Canal Brasil (confira o canal em sua operadora), com reprises nos dias 18 e 24 de junho e 1º de julho.

Pôster do documentário (Divulgação)

Pode até ser que fãs mais ardorosos reconheçam, no longa, o retrato fiel da mocinha certinha, careta e apaixonada que se recusou a ser estrela. O roteiro, portanto, justificaria a vida previsível e sem arroubos da artista. Pode ser. Mas como cinema é arte, não custava dourar a pílula, salpicar purpurina, dramatizar, priorizar conflitos, enfatizar dificuldades, analisar e, principalmente, jogar luz e discutir, de alguma forma, a distância entre talento e vocação. 

Ninguém pergunta, por exemplo, por que ela foi convidada por Roberto Carlos para ser a figura feminina da Jovem Guarda e disse não. “Um Broto Legal” pode até ser um filme correto e razoável. Mas falta tempero.


Ficha técnica:
Direção: Luiz Alberto Pereira
Roteiro: Luiz Alberto Pereira e Dimas Oliveira Jr.
Produção: Lapfilme Produções
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h34
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gêneros: drama, biografia, musical