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30 maio 2023

“O Último Ônibus” é um road movie cativante que aborda velhice, nostalgia, amor e empatia

Levando apenas uma maleta, Timothy Spall embarca em uma jornada inesperada até o fim do mundo
(Fotos: Pandora Filmes)


Eduardo Jr.


Nos primeiros minutos do filme, uma mulher convoca o marido para irem embora pra longe. Eles vão. E este é o ponto de partida para a história da longa viagem de volta deste homem, décadas depois. Em "O Último Ônibus", o protagonista é Tom Harper, vivido por Timothy Spall (“Harry Potter e as Relíquias da Morte” - 2010). 


No longa do diretor escocês Gillies MacKinnon, que estreia nesta quinta-feira (1º de junho) nos cinemas brasileiros, distribuído pela Pandora Filmes, Spall (66 anos), volta às telonas com uma maquiagem que o transforma em um aposentado de 90 anos. 

Tom é um viúvo que atravessa o país de ônibus para cumprir uma promessa feita à esposa Mary (Phyllis Logan) antes de ela morrer. A história se inicia como um romance, com as cenas do cotidiano ilustrando a rotina que o casal construiu e manteve ao longo de décadas. 


Essa sutileza também está na forma de mostrar que Tom ficou viúvo e fará uma viagem de 1.400 quilômetros sozinho - mesmo que o personagem diga “nosso destino”, no plural. 

Com apenas duas coisas - um passe-livre de ônibus e um objetivo - Tom se apega ao mapa e às coordenadas do trajeto. E aí o filme começa a flertar com o gênero drama. 


A princípio pode parecer um filme “sessão da tarde”, mas é uma obra tocante. Na cena em que Tom está deixando sua casa no nordeste da Escócia pra chegar ao extremo sul da Inglaterra, é bonita e delicada a metáfora que o diretor propõe. 

Crianças chegando para aprender na escola, enquanto um velho está indo embora. Uma representação sensível do fluxo da vida. 


A viagem para atravessar o país é também um passeio entre memórias. As camadas do protagonista vão sendo reveladas nos flashbacks, que instigam o telespectador e vão ajudando a desvendar o motivo dessa viagem e o que espera Tom em seu destino, a cidade de Land’s End (Fim das Terras). 

Nas diversas paradas e nos ônibus em que embarca, Tom vai atravessando as vidas de outras pessoas e também sendo impactado por elas. Embora carregue um semblante amargurado, ele consegue sorrir e despertar empatia. 


O nonagenário acaba se tornando uma celebridade ao ser filmado por câmeras de celulares em algumas situações em que se envolve - cenas que chegam a cansar um pouco, de tão repetitivas. 

No trajeto, Tom compartilha aquilo que tem: sabedoria. Nessas interações, vai se intensificando no telespectador (em mim, pelo menos) a ideia de que pessoas vêm e vão, mas as marcas que deixamos em cada uma delas podem ser transformadoras. 

Com isso, “O Último Ônibus” se apresenta como um filme rico em reflexões. Se não é perfeito, consegue durante seus quase 90 minutos ser divertido e cativante.


Uma curiosidade: O longa foi filmado em Glasgow (Escócia) e seus arredores e boa parte da trama se passa no Glasgow Vintage Vehicle Trust, um museu dedicado a meios de transportes escoceses. 

O exterior foi usado para a construção de diversos pontos de ônibus, enquanto o interior serviu de estúdio para a arquitetura de cenários.


Ficha técnica:
Direção: Gillies MacKinnon
Roteiro: Joe Ainsworth
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h26
Classificação: 12 anos
Países: Reino Unido e Emirados Árabes Unidos
Gênero: drama

12 maio 2023

“As Órfãs da Rainha” une ficção e história do Brasil colonial para falar de temas atuais e urgentes

Três jovens são enviadas de Portugal pela Rainha para formar as primeiras famílias no Brasil colonizado (Fotos: Persona Filmes/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


A pergunta inevitável ao final da sessão é: de onde a diretora tirou esse roteiro, que toca em temas tão intrigantes, comoventes e atuais como intolerância religiosa, opressão das mulheres e preconceito, mesmo sendo uma história passada no século XVI, em pleno Brasil Colônia? 

Em mais de 300 livros lidos e outras centenas de documentos pesquisados, é o que tem explicado a mineira Elza Cataldo em suas entrevistas ao longo do lançamento de “As Órfãs da Rainha”, em cartaz nos cinemas da rede Cineart e UNA Cine Belas Artes.


Foi por volta de 1590, em algum lugar do recôncavo baiano, que a diretora Elza Cataldo, junto com os roteiristas Pilar Fazito e Newton Cannito, localizaram a fictícia Vila Morena, onde se passa a trama. 

Em algum momento, aportam naquele ambiente inóspito e hostil, em plena selva, três jovens que teriam sido enviadas de Portugal pela Rainha, com o objetivo, entre outros, de formar aqui as primeiras famílias. E é ali, entre indígenas, escravos negros e imigrantes brancos que as mocinhas tentam sobreviver e escrever suas próprias histórias.


Como convém a filmes bem construídos, “As Órfãs da Rainha” vai entregando, aos poucos, o que levou a tal Rainha de Portugal a enviar aquelas jovens mulheres ao Brasil. A chegada de um grupo religioso com seus conceitos, leis e castigos, em confronto com costumes e cerimônias de imigrantes judeus e indígenas nativos, é, talvez, o ápice do filme, surpreendendo espectadores até então indecisos sobre os rumos daquela estranha história.


Filmado numa fazenda em Tocantins de Minas, na Zona da Mata, o longa ganha contornos de realidade, muito em função de uma nítida pesquisa histórica. Além, claro, da direção de arte de Moacyr Gramacho, a fotografia de Fernando Tamaka e os figurinos impecáveis de Sayonara Lopes e Rosângela Nascimento. No filme fala-se, além de Português, também os idiomas judaico e indígena.


Os atores do filme de Elza Cataldo – a maioria de Minas – são um capítulo à parte. A começar pelas três órfãs, feitas com maestria por Letícia Persiles (Leonor), Rita Batata (Brites) e Camila Botelho (Mécia), o elenco é todo um raro acerto. Destaques para a atuação de César Ferrario como Escobar, o imigrante judeu dono de engenho; Alexandre Cioletti como Thales, o marido violento de Brites; e Juliana Carneiro da Cunha, no magistral papel de Dona Tareja, a cega guardiã das tradições judaicas.

Também merecem destaque Celso Frateschi como o inquisidor, as impecáveis Inês Peixoto (Isabel) e Teuda Bara (Donana) como as feiticeiras curandeiras, e Jai Batista numa interpretação emocionante e convincente de Marta, escrava alforriada que se vê entre a delação e a condenação. 


Há ainda Eduardo Moreira (Padre Jorge), Adana Omágua Kambeba (Apolônia), Mauri Borari (Zomé), Luiz Gomide (Padre Joaquim), Beto Milani (Diogo), Kika Bruno (Paula), Camilo Lélis (Damião), Odilon Esteves (notário). E mais Anderson Kwarai Venite, Israel da Costa Silva, Hugo Tupã Pires de Lima, Kuaray Jekupe Andrey da Silva de Oliveira, Vera’i Cristiano da Silva Oliveira e outros. 


Como se vê, há atores indígenas no filme, alguns falando idiomas originários, o que fortalece a autenticidade do longa.

Enfim, “As Órfãs da Rainha” é muito mais do que um drama histórico. É também um discurso forte sobre a causa das mulheres, tradicionalmente oprimidas e violentadas, e, acima de tudo, um alerta mais do que oportuno sobre os danos do radicalismo religioso. Impossível não aplaudir no final.


Ficha técnica:
Direção e produção: 
Elza Cataldo
Roteiro: Elza Cataldo, Pilar Fazito e Newton Cannito
Realização: Persona Filmes
Distribuição: Cineart Filmes
Exibição: rede Cineart e Una Cine Belas Artes
Duração: 2 horas
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gêneros: história, drama

24 abril 2023

“Nintendo e Eu” é uma comédia dramática de amizade, amadurecimento e videogame

Produção filipina é uma viagem no tempo que serve de referência para gerações futuras (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Eduardo Jr.


Os entusiastas e saudosistas dos videogames dos anos 1990 provavelmente ficarão curiosos ao se deparar com o título do novo filme do diretor filipino Raya Martin, “Nintendo e Eu” que chega aos cinemas nesta quinta-feira (27), distribuído pela Pandora Filmes.

O console japonês que foi uma febre 30 anos atrás funciona como elemento condutor no longa e provoca resgates afetivos no público. Muito semelhante ao que está acontecendo com "Super Mário Bros - O Filme", que está arrastando pais e filhos aos cinemas. 


O longa filipino é apenas uma metáfora na história de amizade, amor e descobertas. O que de fato se acompanha na telona é a evolução de um grupo de amigos na década de 90, quando começam a deixar a infância pra trás. 

O título original, “Death of Nintendo”, deixa um pouco mais explícita a proposta do roteiro.


Embora seja uma produção das Filipinas, é fácil identificar a cultura norte-americana entranhada na vida desses jovens. Percebe-se o efeito da globalização também na semelhança de “Nintendo e Eu” com outras produções de Hollywood. 

Entre as que estão mais frescas na memória do público vale citar “Stranger Things”, que também apresenta um grupo de adolescentes não muito populares buscando se afirmar no mundo. 


A referência para o diretor vem de outra produção - “Conta Comigo” (1986), que apresenta quatro garotos em busca de aventura e amadurecimento. Assim como no longa dos anos 1980, o filme de Martin também traz na receita amizade, questões familiares e dilemas juvenis. 

A diferença está na composição do grupo. Na produção filipina, uma menina integra o quarteto, e é por meio dessa personagem que a trama ganha "toques" de romance, reflexões sobre desigualdade e questões de gênero. 


Em “Nintendo e Eu”, uma série de terremotos leva à erupção do vulcão Pinatubo, deixando o país sem energia elétrica. Sem o refúgio dos jogos na televisão de tubo, o protagonista Paolo (Noel Comia Jr.) precisa sair de casa. 

É junto dos melhores amigos (e longe da mãe superprotetora) que ele percebe alguns dos dilemas da adolescência e da vida. 

A partir daí, o videogame fica em segundo plano. Apenas as músicas que remetem aos jogos surgem para trazer uma aura de comédia a algumas cenas. 


Assim como em “Conta Comigo”, os personagens de “Nintendo e Eu” também são carentes de uma figura paterna, são filhos de mães solo. Precisam encontrar, sozinhos, respostas sobre sexualidade, coragem e autoconhecimento. 

A leveza do filme está garantida por ser fácil se identificar com as situações vividas pelos adolescentes. 

E também pelos rituais de quem consumiu os games e a cultura dos anos 90, como este que vos fala (atire a primeira pedra quem nunca soprou um cartucho de videogame para que ele funcionasse!). 


Raya Martin nos propõe uma viagem no tempo, tanto pela estética como pelas referências a personalidades e à cultura da época. E vai além, ao mostrar para a geração atual que situações vividas hoje são repetições de décadas atrás, e não mistérios sem solução. 

Em entrevista, o diretor explicou que o visual do filme é, ao mesmo tempo, uma homenagem e um resgate da estética dos anos de 1990, especialmente, dos filmes. "Existe um balanço entre a artificialidade daquela década, mas também a luz natural, muito usada pelo diretor de fotografia Ante Cheng".


“Nintendo e Eu” é uma obra que flerta com o drama e com a comédia, que deixa uma ponta solta no final, mas diverte e tem potencial de fazer o público de +35 lembrar com carinho do passado. 

E refletir que, na vida, o que parece ser "game over" pode ser apenas o "restart" para uma oportunidade de renovação.  


Ficha técnica:
Direção: Raya Martin
Produção: Black Sheep
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h39
Classificação: 12 anos
Países: Filipinas, EUA, Singapura
Gêneros: drama, comédia

14 abril 2023

"O Colibri" aposta na narrativa simples para falar de memórias

Baseado no romance de Sandro Veronesi, filme segue a vida e as relações de um médico desde a década de 1970 (Fotos: Enrico De Luigi)


Marcos Tadeu 
Blog Narrativa Cinematográfica


Responsável por abrir o Festival de Roma e exibido no Festival de Toronto, o longa "O Colibri" estreia no UNA Cine Belas Artes, sob a direção de Francesca Archibugi. A obra é marcada pela simplicidade de sua narrativa ao falar do resgate das memórias e vivências de maneira intimista e intensa.


A história começa no início da década de 1970 e segue por vários anos da vida do protagonista. No longa, conhecemos Marco Carrera (Pierfrancesco Favino), um importante médico que é interrompido durante seu atendimento por um psicólogocom notícias sobre o estado de saúde de Luisa Lattes (Bérénice Bejo), um amor do passado que nunca foi consumado nem esquecido. 


Casado e vivendo em Roma com a esposa Marina (Kasia Smutniak) e a filha Adele (Benedetta Porcaroli), ele terá de confrontar suas escolhas do passado que podem afetar seu futuro. Mas será em Florença onde deverá passar por suas piores provações. 

O longa brinca com as questões de tempo, uma importante ferramenta na narrativa, mesmo que às vezes falte um maior contexto entre os acontecimentos.


Grande parte do público talvez julgue as atitudes de Marco. Ele é um cara que se casou apenas por fachada, e agora quer recuperar seu amor do passado. Tudo isso vai influenciar tanto a vida do protagonista quanto dos demais personagens.

O drama familiar é um ponto positivo que ajuda a segurar as mais de duas horas de duração do filme. Além de Marco temos os pais dele vivendo uma situação parecida. 


As atuações estão boas e nenhum personagem soa exagerado. Pelo contrário, todos estão no mesmo nível de entrega e isso faz com que a história ganhe ainda mais força.

Baseado no romance homônimo de Sandro Veronesi, "O Colibri" é uma produção italiana com muitas camadas sendo abordadas e uma boa conclusão. Vale o ingresso.


Ficha técnica:
Direção: Francesca Archibugi
Produção: Fandango; Rai Cinema, Les Films des Tournelles, Orange Studio
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: UNA Cine Belas Artes - sessões às 16 e 20h30
Duração: 2h06
Classificação: 14 anos
País: Itália
Gênero: drama

01 abril 2023

“A Garota Radiante” retrata dilemas típicos da juventude durante a ocupação nazista

A trama acompanha a transformação de Irène e sua família na França, em meio a um tenebroso contexto histórico (Fotos: Pandora Filmes)


Carolina Cassese
Blog Carolina Cassese


Somando mais de três décadas de bons serviços prestados ao cinema à frente das câmeras, a atriz Sandrine Kiberlain decidiu migrar para o outro lado, se arriscando no ofício de roteirista e diretora. 

O resultado pode ser apreciado em "A Garota Radiante” ("Une jeune fille qui va bien"), em cartaz na sala 2 do Minas Tênis Clube Cinema, sessão das 18h10.

A trama se passa em 1942, quando a França vivenciava a ocupação nazista. A protagonista é Irène (Rebecca Marder), uma jovem que mora com a avó Marceline (Françoise Widhoff), o pai André (André Marcon) e o irmão Igor (Anthony Bajon), com quem divide o quarto. 


Eles vivem numa Paris onde medidas de discriminação contra os judeus vão ganhando força - em uma das cenas, eles têm que entregar telefones, assim como outros itens que facilitem o contato como os outros, e até bicicletas.

A medida que mais atinge a família, porém, é o carimbo da palavra "judeu" nos documentos de cada membro. Em dado momento do filme, vemos Irène com uma identificação amarela em seu próprio blazer. 


Em entrevistas, Sandrine comentou que, propositadamente, não quis mostrar, de modo muito explícito, sinais da ocupação nazista nas ruas e lugares pelos quais Irène transita. A ideia era de que o espectador fosse se inteirando da ameaça pelos olhos da própria personagem. 

É possível se manter alheio a um contexto tão violento? Essa é uma pergunta que permeia o longa, já que a protagonista parece evitar pensar nas ameaças que a rodeiam. 


Uma questão relevante para a obra é a da encenação: a personagem principal é atriz, dentro e fora dos palcos. Simula desmaios, ensaia cenas com os familiares, finge precisar de óculos apenas para reencontrar um oftalmologista que despertou seu interesse.

E o que os olhos de Irène mais refletem no início é o "joie de vivre" da juventude. O brilho da descoberta do primeiro amor e o êxtase de poder vivenciá-lo, ao ser correspondida. As brincadeiras que ainda a ligam à infância, mas que, pouco a pouco, vão perdendo espaço. 


A paixão pela carreira com a qual se identifica. O encanto pela avó, que, como ela mesma ressalta, fuma e tem um ar moderno. O futuro parece ser um horizonte repleto de possibilidades, e, para alcançá-lo, ela conta com o afeto dos colegas, a maioria, não judeus, e o amor de seu círculo.

A estrada está ali, se descortinando à sua frente, e tudo conspira a favor. Bem, não tudo. Pouco a pouco, Irène vai se dando conta da nuvem carregada que se aproxima, e da qual não há muito como fugir.


A iluminação do filme dialoga bem com a gravidade das situações retratadas: em uma das cenas, a paisagem se escurece assim que o pai da protagonista começa a falar sobre perseguições. 

Em determinado momento, a avó e uma companheira judia procuram o conceito de medo no dicionário: “Sentimento de angústia, vivenciado na presença ou pensamento de um perigo, real ou suposto. Por exemplo, uma ameaça”. 

Entretanto, não há definição formal que alcance a intensidade do pavor que acomete as duas. 


Com boas atuações e uma trilha sonora de primeira (que inclui Tom Waits e Charles Trenet), Sandrine entrega um filme comovente, que dá a sua contribuição para que esse período tão maculoso da humanidade não seja esquecido ou mesmo minimizado. 

Mesmo porque, não há mais tempo para inocência. Outros perigos pairam entre nós.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Sandrine Kiberlain
Produção: France 3 Cinéma
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: sala 2 do Minas Tênis Clube Cinema, sessão das 18h10
Duração: 1h38
Classificação: 14 anos
País: França
Gêneros: drama / histórico

01 março 2023

Com roteiro confuso, “Belas Promessas” apresenta ideias rasas sobre política e democracia

Longa é protagonizado por Isabelle Huppert, que interpreta uma prefeita em crise
(Fotos: Pandora Filmes)


Larissa Figueiredo


Exibido pela primeira vez no Festival de Veneza em 2021 e também no Festival do Rio no mesmo ano, o drama francês “Belas Promessas” ("Les Promesses") chega nas salas de cinema nesta quinta-feira, 2 de março. 

A trama é ambientada num cenário brutalmente real que retrata a desigualdade social e a crise habitacional e imigratória nos arredores de Paris. 


Sob essa perspectiva, Clémence Collombet (Isabelle Huppert), uma ex-médica e prefeita de uma cidade no subúrbio da capital francesa, luta para garantir dignidade aos moradores do complexo habitacional Bernardins, antes que seu mandato acabe e ela encerre de vez sua vida na política. 

Quando a trama parece estar caminhando, um convite para atuar em um cargo alto no ministério francês a fará repensar suas concepções em relação à vida pública. A personagem de Huppert precisará se encontrar dentro de um perigoso embate entre liberdade e poder. 


Apesar de seguir uma narrativa linear (e maçante), por diversas vezes é possível se perder pela falta de clareza nas informações apresentadas no decorrer do longa. 

Os personagens parecem ter “caído de paraquedas” na obra, sem qualquer tipo de ambientação para cativar quem está do outro lado da telona. 

Até mesmo o braço direito de Clémence, Yazid Jabbi (Reda Kateb), que foi morador de Bernardins, passa boa parte do filme deslocado no enredo. 


Mesmo com um roteiro fraco e cansativo, “Belas Promessas” é bem intencionado ao trazer as mazelas sociais e os melindres da engrenagem política. 

É possível captar mensagens sutis que, no entanto, poderiam e deveriam ser mais potentes. 

O longa é utilizado, em sua essência, para escancarar falhas do liberalismo em seu próprio berço e a negligência estatal em “estender o braço” ao cidadão.


Ficha técnica:
Direção: Thomas Kruithof
Produção: France 2 Cinéma, 24 25 Films,
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h38
Classificação: 14 anos
País: França
Gênero: drama
Nota: 2,5 (0 a 5)

09 fevereiro 2023

"As Histórias de Meu Pai", mais drama do que comédia, chama atenção para a responsabilidade do pai herói

Atuações do jovem Jules Lefebvre  e do experiente Benoit Poelvoordesão destaques desta produção francesa
(Fotos: Caroline Bottaro)


Mirtes Helena Scalioni


Para início de conversa, é difícil entender por que "As Histórias de Meu Pai" ("Profession du Pére") é classificado, inicialmente, como comédia. Não é. Embora o espectador possa até rir ao longo do filme, dirigido por Jean-Pierre Améris (“A Linguagem do Coração”- 2014), na maior parte do tempo, a produção francesa que entra em cartaz nesta quinta-feira (9) transmite mesmo é espanto diante da estranha relação entre pai e filho, intermediada por uma silenciosa omissão da mãe.


Logo no início, fica claro que André Choulans, magistralmente interpretado por Benoit Poelvoorde (“Mentiras Secretas” -2021), é um mentiroso compulsivo, um típico e perigoso mitômano que, com sua autoridade de pai, vai envolvendo o pequeno Emile, de 11 anos, em seus delírios e bizarrices. 

Inocente, o menino parece ter adoração por aquele pai herói que diz já ter sido paraquedista, campeão de judô, amigo de Édith Piaf e até conselheiro do general Charles De Gaulle.


A história se passa em Lyon, na década de 1960, quando André, dizendo-se traído pelo presidente, envolve o filho num projeto para matar De Gaulle. 

Afirmando ser membro de uma OAS, espécie de organização clandestina que se opõe à independência da Argélia, ele vai transformando o filho num agente secreto, a quem são dadas missões perigosas como colocar cartas anônimas nas caixas de correio de autoridades ou pichar muros da cidade.


Mas o grande trunfo do longa francês é, sem dúvida, a atuação de Jules Lefebvre como Emile. Inacreditável e encantadora a expressão do pequeno ator diante do “heroísmo” do pai, sua alegria e determinação diante das missões que tenta cumprir e até a aceitação submissa dos castigos que recebe quando o pai acha que ele não foi eficiente. 

Chama atenção também a graça com que ele, fazendo ar de mistério, tenta cooptar seu colega de sala, Lucas (Tom Levy) para a organização secreta com o objetivo de eliminar o presidente da França. 


Em seu papel de mãe que nada pode fazer para estancar as loucuras do marido, Audrey Dana, como Denise Choulans tem interpretação correta e na medida. 

Ao final, quando a história dá um salto de cerca de 20 anos, o público pode, inclusive, compreender melhor sua omissão diante dos exageros do marido.


Mesmo não sendo comédia – talvez exatamente por isso – "As Histórias de Meu Pai" vale a pena ser visto, até para que se entenda o poder e a responsabilidade de um pai em sua relação com os filhos. 

Também pode levar a alguma reflexão sobre os perigos que chegam a representar as ideias e ideologias extremistas, tão em voga no mundo de hoje.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Jean-Pierre Améris
Produção: France 3 Cinéma
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h45
Classificação: 14 anos
País: França
Gêneros: comédia, drama

17 janeiro 2023

Longa “Garoto dos Céus” é ousada trama dentro da cultura islâmica

Produção sueca busca indicação de melhor filme internacional no Oscar (Fotos: Pandora Filmes)


Eduardo Jr.


Premiado no Festival de Cannes como “Melhor Roteiro”, o longa “Garoto dos Céus” ("Cairo Conspiracy") está entre os pré-selecionados ao Oscar de melhor filme internacional. A estreia nas salas brasileiras será nesta quinta-feira (19), e o pôster de divulgação já desafia o espectador, ao exibir um jovem na contramão de todos os outros fotografados (afinal, como um muçulmano ousaria ser diferente do seu rebanho?). 


E o verbo "desafiar" parece ter sido a motivação do diretor Tarik Saleh. Filho de mãe sueca e pai egípcio, Saleh se aproxima da cultura muçulmana do Egito. 

Mas não para ensinar como as coisas funcionam por lá, e sim nos provocar sobre dogmas e a importância do conhecimento. É como se perguntasse “quem sabe o que é melhor para um povo: a religião ou o Estado?”. 


Na trama, o jovem Adam (Tawfeek Barhom) ganha uma bolsa de estudos na melhor universidade do Cairo. Filho de pescadores, ele vai atrás da grande oportunidade que se apresenta. Porém, o Grande Imã da universidade, maior autoridade religiosa do Egito, morre. É quando começa a escolha de um novo nome para o cargo. 


O jogo político se estabelece a partir das intenções do Estado de que o novo Imã siga a mesma linha de pensamento do governo. Nessa disputa entre religião e Estado, o plano do governo é ter um informante dentro da universidade. E o jovem Adam é o escolhido para repassar informações secretamente. 


A tensão do filme fica a cargo dos silêncios - e de algumas ameaças. Aspectos da cultura islâmica que não são questionados, verbalizados, vão criando uma atmosfera de apreensão, dispensando a necessidade de música para guiar o espectador - ponto para o diretor. 

No entanto, ainda na questão sonora, alguns diálogos em certos momentos parecem não ter o volume adequado, interferindo na experiência do espectador.    


Para os ocidentais, que desconhecem ou estranham alguns pontos da cultura islâmica, o filme consegue criar incômodo por dois motivos: pela representação do machismo, já que não há mulheres com papéis de destaque na trama. 

E pela ousadia de abordar um falso moralismo de líderes muçulmanos, a disputa de poder encoberta pela orientação religiosa. 


Mas além da ousadia, a jornada do herói também está lá (mesmo que parcialmente). O protagonista tem seus estágios de partida e de enfrentamento de desafios. Mas seu triunfo não é apresentado ao espectador de forma mastigada. 

Cabe ao público assistir e decidir se o longa merece ou não a estatueta dourada. Mas isso é outra história, já que a lista definitiva de indicados está prevista para ser divulgada no dia 24 de janeiro. 


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Tarik Saleh
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h06
Classificação: 14 anos
Países: Suécia, França, Finlândia e Dinamarca
Gêneros: suspense, drama político