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11 junho 2023

"Bem-Vindos de Novo" é uma história sobre relações humanas, imigração e distanciamento

Filme mostra a trajetória da família do diretor, cujos pais deixaram o Brasil e os filhos e voltaram ao Japão para tentar trabalho
(Fotos: Embaúba Filmes)


Maristela Bretas


Poderia ser somente um filme sobre a imigração de descendentes japoneses estabelecidos no Brasil que resolveram regressar ao Japão em busca de trabalho. Mas "Bem-Vindos de Novo", que estreia nesta quinta-feira (15) nos cinemas, é mais que isso. 

Tem especialmente a parte pessoal, uma vez que o diretor Marcos Yoshi conta a história de sua própria família, que precisou deixar o Brasil, afetada pelas mudanças econômicas no pais desde o final da década de 1990 até 2013.


O documentário, que começou como um trabalho acadêmico do diretor, teve a première mundial no Tokyo Documentary Film Festival, no Japão, e sua primeira exibição no Brasil na Mostra Aurora, em Tiradentes. 

De uma família bem estruturada, com carro novo, Marcos Yoshi viu seus pais Yayoko e Roberto Yoshisaki perderem tudo e precisarem retornar ao Japão como imigrantes em busca de emprego para o sustento de todos. 


Yoshi e suas duas irmãs, Cinthya Thayse e Nathalia Cristine, foram morar com os avós. O que era para durar dois anos fora do Brasil se transformou em 13, de muito trabalho, distanciamento e perda das referências e relações afetivas. 

Os irmãos permaneceram juntos e seguiram suas vidas no Brasil. Os pais no Japão se transformaram em personagens de conversas por videoconferência. 

A relação se desgastou, os laços de afeto diminuíram e a avó materna, com quem os filhos passaram boa parte de suas vidas, se tornou o elo entre eles.


Após 13 anos, Yayoko e Roberto Yoshisaki retornam ao Brasil e tentam retomar a antiga relação de família. Mas filhos e pais já não se conhecem mais. 

Mesclando imagens de hoje com arquivos de fotos e vídeos em VHS do acervo doméstico e de amigos, o longa vai tratando das mudanças que Marcos Yoshi, seus pais e irmãs viveram nestes anos de afastamento. 


Na narrativa, cada um dos três irmãos dá seu depoimento sobre o que essa distância representou em suas vidas. O mesmo acontece com Yayoko e Roberto. Marcos deixa claro que o filme é uma tentativa de reaproximação e de conhecer novamente seus pais.

O diretor aproveita o drama de sua família, dividida pela necessidade financeira para contar o dilema da maioria dos decasséguis - imigrantes nipo-brasileiros que retornam desde 1991 ao Japão com o sonho de conseguir trabalho e uma vida melhor. Usa fotos em preto e branco e coloridas, que mostram o trabalho deles no Japão.


Mas os depoimentos dos pais mostram uma realidade bem mais dura. Só se vive para trabalhar - 12 horas por dia, seis dias da semana -, sem diversão, em condições de habitação ruins e o pior, longe dos filhos. 

O sonho dos pais de fazerem atividades que lhes dariam prazer foi abandonado, especialmente pelas sequelas deixadas no corpo de ambos.


"Bem-Vindos de Novo" foi filmado durante dois anos, com o consentimento, a participação e o apoio da família. Uma espécie de reality show dos Yoshisaki, expondo momentos alegres, mas também dores e traumas do passado. 

Essa intimidade com o sofrimento deles me incomodou um pouco, apesar de o objetivo da produção ser válido. Marcos Yoshi entrega um trabalho sério e muito bem feito, que conta ainda com a ótima trilha sonora, composta por Júlia Teles, que completa a proposta do documentário.


Ficha técnica:
Direção:
Marcos Yoshi
Produção: Meus Russos
Distribuição: Taturana Mobilização Social
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h45
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: documentário

18 fevereiro 2021

"Berlin Alexanderplatz" é o drama contemporâneo perfeito adaptado de um clássico da literatura

Filme foca na trajetória de um imigrante ganês que busca um futuro com dignidade no continente europeu (Fotos: Frederic Batier Sommerhaus/Filmproduktion)

Wallace Graciano


Se você chegou a esta crítica pelo Google procurando pelo termo "Berlin Alexanderplatz" no buscador, deve ter estranhado que as primeiras respostas não retratavam a película alemã lançada em 2020 (e que entra em cartaz nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (18), mas, sim, ao livro de quase um século atrás. 
 
E sim, o filme no qual vamos comentar hoje é baseado no clássico romance homônimo de Alfred Döblin. Porém, agora, a estrutura de outrora é condensada em uma narrativa contemporânea, que traz o drama e as facetas que envolvem a trajetória de um imigrante neste Século XXI.


A película nos apresenta Francis (Welket Bungué), um imigrante ganês que foi resgatado em meio ao drama que envolve quem tenta sair de um país assolado por conflitos sociais e desigualdade em busca de um futuro minimamente digno. Ainda refém de suas lembranças do passado, ele chega à Alemanha sem documentos, prometendo aos céus que será um homem leal e em busca de um caminho honrado.


Como boa parte de seus pares, ele trabalha ilegalmente em uma metalúrgica de Berlim, onde descobre que suas promessas e juras aos deuses dificilmente serão cumpridas, já que passa por diversas provações e dificuldades para ter o mínimo de possibilidade de ascender à dignidade buscada.

 
Em uma delas, especificamente, é traído pelos seus companheiros de trabalho (também ilegais) ao tentar salvar um deles de um destino trágico. Abandonado à própria sorte, opta por aceitar o convite de um traficante, Reinhold (Albrecht Schuch), que dias antes tinha ido ao alojamento onde estavam baseados para convidá-los para o submundo do crime.

É neste momento que a vida de Francis tem uma reviravolta. De promessas quebradas a um novo nome (é rebatizado por Reinhold), o protagonista passa a encarar sua pessoalidade. A partir desse momento, o drama e a catarse passam a coexistir em uma racionalidade objetiva de um cenário que enuncia a tragédia contemporânea.


Tudo, claro, por meio de um roteiro consistente, que evita que as quase três horas de filme fiquem morosas. Parte disso deve-se à excelente atuação de Schuch, que parece caricata a quem vê de primeira, mas se entrega a um personagem intimidador e sedutor em várias camadas. A ele soma-se a estética do brilho da noite contemporânea das grandes metrópoles, contrastada com o bucolismo do dia durante o inverno/outono europeu, em sua maioria através de planos longos.


O autor deste relato não leu a obra original, mas sentiu durante as três horas de "Berlin Alexanderplatz" um filme impactante, que intimida ao te trazer para a tragédia anunciada da vida de milhões de imigrantes em meio ao cenário caótico do abandono aos apátridas. 
 

Ficha técnica:
Direção:
Burhan Qurbani
Roteiro: Burhan Qurbani, Martin Behnke
Duração: 1h23
Distribuição: A2 Filmes
Países: Alemanha / Holanda
Classificação: 16 anos
Gênero: Drama